Conversei com Haroldo de Campos em três
ocasiões, em sua casa, a convite do poeta, poucos meses antes de seu
falecimento. Ele foi – é – a minha principal referência literária e
intelectual, pelo conjunto de sua obra poética, ensaística, tradutória.
Dialogar pessoalmente com Haroldo, ainda que por pouco tempo, foi um imenso
privilégio. Nessa época, ele estava particularmente interessado na poesia de
autores brasileiros de minha geração – Claudia Roquette-Pinto, Angela de Campos, Josely Vianna Baptista, Frederico Barbosa, Arnaldo
Antunes, entre outros –, acompanhava as revistas literárias, os livros de
autores jovens, opinava sobre o que estava sendo feito naquele momento, com
raras atenção e generosidade, sem perder o rigor jamais. Apresentou-me a alguns
tradutores de poesia que tinham contato frequente com ele – Michel Sleiman,
Trajano Vieira, Yun Jung Im –, aceitou responder a uma entrevista que fiz com
ele e publiquei na revista Et Cetera, em 2003, e manifestou o maior entusiasmo
quando lhe contei sobre a criação de minha revista eletrônica, a Zunái.
Prometeu colaborar na revista com traduções de poesia asteca (ele estudava o
idioma nauatl, pouco antes de falecer), mas infelizmente não teve tempo de
enviar-me os originais. Escreveu o prefácio para o meu livro Jardim de
camaleões – A poesia neobarroca na América Latina e convidou-me para publicar a
minha poesia reunida na coleção Signos, que dirigia para a editora Perspectiva,
o que aconteceu em 2004, quando saiu o livro Figuras metálicas – travessia poética
(1983-2003). Sou imensamente grato a Haroldo por todo o apoio que ele deu a meu
trabalho literário e sinto grande saudade de nossas conversas, sempre regadas a
vinho do porto e bom humor – ele era bonachão, divertidíssimo, e não perdia
oportunidade para contar “causos”, especialmente de certos críticos literários
brasileiros. Embora não fosse expert em política internacional, condenou a
agressão norte-americana ao Iraque – escreveu poemas sobre isso, publicados no
livro Entremilênios – e tinha noção do que estava acontecendo no mundo naquela
época, a pretexto do combate ao terrorismo. Do mesmo modo que foi solidário aos
sem-terras, por ocasião do massacre de Eldorado dos Carajás, durante o
desgoverno de FHC, e apoiou a candidatura de Lula à presidência da república.
Haroldo não foi apenas um grande poeta, mas um ser humano ético, generoso, que
sabia “ver com olhos livres”. Faz imensa falta à nossa triste época.
domingo, 6 de setembro de 2015
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