domingo, 6 de setembro de 2015

CONFISSÕES INCONFESSÁVEIS (III)













MENINOS, EU VI a montagem da peça “O percevejo”, de meu camarada Vladimir Maiakovski, no Sesc Pompéia, com direção de Luiz Antônio Martinez Corrêa, música de Caetano Veloso e, no elenco, Cacá Rosset, Maria Alice Vergueiro, Dedé Veloso. Foi no início dos anos 1980. Havia teatro de vanguarda – Gerald Thomas, Asdrúbal Trouxe o Trombone, Teatro do Ornitorrinco (Ubu rei, de Alfred Jarry, numa montagem belíssima), e música, muita música nova: Arrigo Barnabé e a banda Sabor de Veneno, com uma mistura de atonalismo, ópera-rock e pastiche da imprensa popular e das histórias em quadrinhos... Itamar Assumpção e a Banda Isca de Polícia, com o seu samba do futuro... cantoras excelentes – Vânia Bastos, Tetê Espíndola, Eliete Negreiros... a festa acontecia no Lira Paulistana, templo musical de Sampa nessa época... a editora Brasiliense publicava livros de poesia de autores contemporâneos – Paulo Leminski, Alice Ruiz, Ana Cristina César, Chacal, a reedição da antologia “Poesia Russa Moderna” e outras obras seminais de Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari... o Centro Cultural São Paulo, recém-inaugurado, nas proximidades do metrô Vergueiro, criava um novo conceito de espaço e de gestão cultural – e no seu time tinha pessoas como Leda Tenório da Motta, Cid Campos, Lenora de Barros... Havia imprensa cultural –sim, inacreditável, havia até imprensa! – como o caderno semanal Folhetim, da Folha de S. Paulo (naquela década, respeitável), que publicava regularmente artigos sobre poesia brasileira e internacional, filosofia, psicanálise, poemas inéditos de Nelson Ascher, Arnaldo Antunes, traduções de Huidobro por Antonio Risério, entre outras preciosidades... os jornais mantinham correspondentes nas principais capitais do mundo e não se limitavam a republicar press releases de agências de notícias norte-americanas – e havia pesos pesados como Paulo Francis em Nova York, Claudio Abramo em Londres, Mauro Santayana em Paris, Clovis Rossi (então decente) em Buenos Aires, Gerardo Mello Mourão em Pequim, Osvaldo Peralva em Tóquio. O Estado de S. Paulo, mais conservador (naquela época distante, havia diferença de linha editorial entre Folha e Estado) publicava o Suplemento Cultural, onde li pela primeira vez os poemas de Hilda Hilst. Cinemas? Havia os cineclubes, como o Oscarito, na Praça Roosevelt, onde via filmes underground, e salas grandes como o Belas-Artes, onde assisti pela primeira vez os filmes de Werner Herzog e Píer Paolo Pasolini. Estávamos no final da ditadura militar, mas, entre os jovens, havia um forte clima de esperança. O PT e a CUT, surgidos entre o final da década de 1970 e início de 1980, pareciam, a nossos olhos, a vanguarda do proletariado para a revolução socialista. Nos comícios por eleições diretas já, em 1984, que levaram milhões de pessoas às ruas – eu participei de todos os comícios em São Paulo –, havia a sensação de que conseguiríamos tomar os céus de assalto, repetindo a Revolução Sandinista na Nicarágua. Kit militante básico: lenço palestino no pescoço, camiseta com estampa de Che Guevara, estrelinha do PT no peito e bandeira vermelha. Nossa insurreição, porém, durou pouco: a emenda Dante de Oliveira, que instituía as eleições diretas, foi derrotada no Congresso Nacional e começou um longo período de inverno: “voto útil” dos deputados e senadores de oposição na candidatura de Tancredo e Sarney no Colégio Eleitoral, para derrotar Paulo Maluf, “transição negociada” da ditadura militar para a “Nova República”, novo surto de esperança em 1989, com a candidatura de Lula à presidência da república, pela Frente Brasil Popular... derrota de Lula para Fernando Collor de Mello, após intensa campanha difamatória desse candidato, respaldado pela Rede Goebbels e toda a mídia golpista (já sem a máscara de “democrática” e “progressista” de poucos anos atrás)... início dos Anos Neoliberais, queda da União Soviética e do bloco socialista na Europa Oriental, derrota da Revolução Sandinista, eleição de presidentes de direita no Brasil (Fernando Henrique Cardoso), no Peru (Alberto Fujimori), na Argentina (Carlos Menem) e em outros países da América Latina... longo inverno que começou a findar a partir de 1998, com a vitória de Hugo Chávez na Venezuela, e depois, em 2002, com a eleição de Lula no Brasil... novos tempos, novas conquistas, uma situação histórica rara, estratégica, que pode nos levar a grandes transformações – ou a graves retrocessos. Em tempo: não sou saudosista, mas a música, o teatro e a poesia dos anos 1980 eram MUITO mais interessantes que as de hoje.  

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