AS MUSAS
As lagostas e as formigas destroçam um poema
catalão que terminei para o meu aniversário, e soltas
sobre o papel restam vogais e
consoantes
na maior desordem.
* * *
SETE PÉROLAS, UMA PARA CADA VEZ QUE DIGO NÃO
Sete pérolas, uma para
cada vez que digo não.
* * *
A agonia do pensamento em uma paisagem negra
desesperado por alcançar a
forma sagrada do peixe.
* * *
OFERENDA A VÊNUS
Tudo quanto floresce,
tudo que germina
e um reflexo do escuro
mirto que nasce nas ondas.
* * *
O céu desaba em tenebrosa
tempestade de areia,
o deserto é negro e os
lírios, os jacintos e os sonhos
são negros também.
* * *
Sou
vermelho crustáceo em tua boca ardente
com a língua me sorves,
guloso azul turquesa,
veneno virginal te devorará
por dentro,
em uma agudíssima praia eu,
gótico fruto aberto que
celebra teus dias.
* * *
SEGUNDA GAZELA
Quando despertas dentro do
espelho
ou dentro do estigma da flor
o que faz primeiro é amar-se
terrivelmente
apesar de que Narciso morreu
em teus olhos
na cama deste hotel onde se
esconde
cuidadíssima beleza
da aurora que te acossa.
* * *
QUINTA GAZELA
Delícia, a vida não dura mais
que meia hora,
vitória azul violácea,
canibal,
às escondidas dos teus,
só flores brancas compram teu
silêncio.
* * *
NONA GAZELA
Os lábios avermelhados,
química ou martini bianco,
tantos dias, certamente
não poderei esquecê-lo
facilmente
nem dizer habibi em língua
alguma.
* * *
COM TODA A INTENÇÃO
O coração nas mãos é uma flor
de lótus
simétrico de pétalas
perfeitas,
esta noite
escura como a lua atrás das
colinas.
DO TRATADO DE LICANTROPIA
1
Não provo antídoto possível ou transfusão
de cômoda morte à espera do vinho
irreversível, do assassinato a soldo
dos dentes, do remédio das garras
como açores, e um suor amargo me marca
e na iniciação.
2
A ânsia é
um Lykabethos cegado pelas
têmporas
ferozes, uma suave sedução de
pequenos
olhos,
é a
temperatura que aumenta endemoninhada
nos
cabelos e nas costas,
é o clima
fresco da noite e a lua
uiva
enquanto flui o monte dos
lobos e o
suor se finca na recuperação
dos
sentidos.
3
Exalta, coração, a rota de Macau, porque
ali sonhaste, ali te esperam portos e
outro porto, as figuras de pedra no
parque entre estrelas, porque ali viveste
com a natureza nesse rio que guardas
em tua caixinha de chá.
4
China apareceu entre nós como um
enorme jade que dói em suas arestas,
como um distante rio de águas lodosas
que macula todo teu corpo, teu corpo
jade, meu corpo amarelo como madeira.
China
apareceu como um lençol de arroz
entre teu cabelo, a água, o barro, o sopro.
5
São minhas todas as cidades e seus teatros
de sombras, e são meus também os gestos,
as roupagens, os mercados, os múltiplos
sorrisos e as oferendas, os marrecos e as
flores dos salgueiros.
Tudo se assemelha aos meninos que se desejam
para si, ao em torno que eclipsa a luz
das gargantas, de todas as gargantas
infantis, oscilantes como a tarde detrás
das fronteiras.
6
O
momento da feroz metamorfose se
aproxima
de meus dias evasivos, aos jogos
prolongados
na fauna e ramos submarinos,
às costas
enegrecidas como fuso
de carvão
vegetal. A febre se aproxima
rítmica
como as páginas de minhas leituras
de
paixão, Shangai-Lily ou o fim
de meu
requerimento, cheio de mutantes
desvelos,
perene o percorrido pelas
estações
chinesas, pela chuva chinesa
em meu
novo estado de aventura.
7
As bicicletas silenciosas atravessavam as
ruas como arames, as pernas subiam e
baixavam como arames naqueles dias
serenos em que o horizonte era só água.
Traduções: Claudio Daniel
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