Bernini, livro de poemas de Horácio Costa publicado pelo selo
Demônio Negro, faz alusão, já no título, ao genial pintor, escultor, arquiteto
e cenógrafo Gian Lorenzo Bernini, um dos artistas mais destacados do barroco
italiano, conhecido, entre outras obras, pela escultura O êxtase de Santa Teresa, exposta na capela da Igreja de Santa
Maria da Vitória, em Roma. O paralelo com o barroco não é acidental: o próprio
autor, no prefácio do livro, afirma: “A sensação que me assiste é que vivemos
um novo Barroco. Se aquele histórico muitas vezes parece haver-se caracterizado
pela posta em cena do escape de uma realidade demasiado cruel para ser
suportada, o presente, talvez, possa apresentar-se como a determinação de
perfurar o bloco da História com persistentes berbequins. A poesia, nesse
sentido, oferece um ponderável fazedor de orifícios”. A ação perfuratriz do
poeta abre espaços para uma diversidade de referências populares ou
enciclopédicas, desde a prostituta indígena que nasceu para cantar até citações
em latim (“Nec pluribus unum”) e óperas italianas (L’Elixir d’Amour), com vagas ainda para toda uma fauna da cultura
de massa, como Cebolinha e Beyoncé. Os poemas deste livro são ambientados nos
mais imprevisíveis territórios, desde as Ilhas Comoras até a Praia do Abricó,
incluindo também Lisboa, Aveiro, Veneza, Buenos Aires, o castelo de Elsinore de
Hamlet e diversos sítios de São Paulo, que fazem parte da geografia sentimental
do poeta. Há referências e dedicatórias a diversos amigos do autor, poetas e
artistas plásticos, como Roberto Piva, Burle Marx, Tomie Othake, Ana Hatherly,
E. M. de Melo, que figuram não apenas como índices de um repertório cultural,
mas também como personagens de diário íntimo. Em Bernini, como em outros livros de Horácio Costa, sobretudo Ravenalas, Homoeróticas e Paulistanas,
o poeta incorpora o cotidiano na poesia, sem temer a lírica confessional ou
cronística, e adota um “confronto direto com a realidade brasileira”, como ele
mesmo diz no prefácio: as manchetes de jornais viram temas para a poesia, com
viés crítico-satírico, como acontece no poema Lendo o noticiário:
Sue, a Tyranossaurus
Rex, morreu de
dor de garganta,
afirma um dinossaurista
em Wisconsin, e não
das mordidas de outros
dinossauros. Irtiersenu,
a múmia egípcia
por décadas olvidada
numa gaveta do Museu
Britânico, não morreu
de câncer de ovário,
como até há pouco
se pensava: terá tido
sete filhos e seu aparelho
reprodutor de dois mil
e seiscentos anos está
intacto. O bacilo
de Koch atravessou
o caminho entre ela
e seus netos. Até agora
não se havia confirmado
a existência da tuberculose
no Antigo Egito nem
a do parasita trychomonas
gallinae no
período
cretáceo. A ação de censura
contra O Estado de São
Paulo
promovida pelo filho do
Excelentíssimo Senador
pelo Amapá José Sarney,
defensor perpétuo de sua
numerosa prole, há sessenta
e dois dias vigente, foi
mandada para o Tribunal de
Justiça do Estado do Maranhão.
O do Distrito Federal
considerou-se incompetente
para julgá-la. Quatrocentos
é o numero de bilhões
de dólares americanos que o
presidente da Petrobrás considera
necessários para que
se proceda à exploração
do petróleo no pré-sal.
A tiranossaura Sue.
A múmia
Irtiersenu.
A família Sarney.
O pré-sal.
Tenho companhia animada
agora que me sento à mesa
para mais uma edição
do meu café da manhã.
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