PAUL CELAN. IN
MEMORIAN
Que
estamos sós, desamparados,
que a ansiedade e o fastio nos ordenham o sangue,
que travamos amizade com a morte para deixar de morrer.
Paul Celan o sabia. E o escreveu no Sena.
* * *
TENEBRIS IPNEUS
Esboço de Réquiem para um
Jovem Poeta
Em vão lutei contra a tenaz
insônia
de minha morte.
A vida é uma assembléia de
sombras
que se imolam umas às outras.
* * *
Já não acerto outra saída
que as velhas covas do
cadáver,
o estrépito do verme,
a carne purulenta,
a escudela vazia,
o sangue que fede.
Nada pode evitar
que o destino trame por antecipação
o senhorio inútil de minha carcaça.
* * *
O seco estampido de um disparo
também pode ser uma forma de oração,
uma graça dispensada aos deuses,
não importa quem sejam.
Observemos
religiosamente
o sagrado mandamento do suicídio.
* * *
Minhas entranhas tornam-se ocas.
Salpico
por todas as partes
a
podridão de
meus membros.
Sou uma besta encurralada sob a
pele.
Lamacenta orgia.
Os vermes pululam e rebentam
com cada escura secreção do organismo.
* * *
A matéria se esvazia, só e ínfima,
cheia de rancor, sob as dentadas de
todos estes anos
onde apenas o irremediável conseguiu alvorecer.
* * *
A morte.
Assomando como um raio de luz
por debaixo da porta.
Após depredar-me
e saborear até as fezes.
Já ressarcida.
Colocando de novo
seus velhos cadeados.
* * *
A avareza do
destino
palpita detrás
do descorado sudário da
vida.
O corpo se desfaz no féretro
ante o bocejo da
viúva inconsolável.
A torpe investida do
verme
desgarra o coração.
* * *
Com qual de todos meus amores
haverei de subornar a morte?
A carne trama e conspira
desde o fundo: a fleuma,
o grumo saturado de
graxa,
o furor do pó por retornar ao pó.
Com qual de todas minhas ferrugens
haverei de oxidar-lhe a foice?
* * *
Sem rastros nem membros permanece.
As colinas de meu corpo se resfriam.
Minha
voz se funde vacilante
no pantanoso coração de Deus.
Traduções: Claudio Daniel
Traduções: Claudio Daniel
Nenhum comentário:
Postar um comentário