segunda-feira, 2 de setembro de 2013

POEMAS DE ARMANDO ROA VIAL


PAUL CELAN. IN MEMORIAN

Que estamos sós, desamparados,
que a ansiedade e o fastio nos ordenham o sangue,
que travamos amizade com a morte para deixar de morrer.

Paul Celan o sabia. E o escreveu no Sena.


* * *
TENEBRIS IPNEUS

Esboço de Réquiem para um Jovem Poeta

Em vão lutei contra a tenaz insônia
de minha morte.
A vida é uma assembléia de sombras
que se imolam umas às outras.


* * *

Já não acerto outra saída
que as velhas covas do cadáver,
o estrépito do verme,
a carne purulenta,
a escudela vazia,
o sangue que fede.
Nada pode evitar
que o destino trame por antecipação
o senhorio inútil de minha carcaça.


* * *

O seco estampido de um disparo
também pode ser uma forma de oração,
uma graça dispensada aos deuses,
não importa quem sejam.
Observemos religiosamente
o sagrado mandamento do suicídio.


* * *

Minhas entranhas tornam-se ocas.
Salpico por todas as partes
a podridão de meus membros.
Sou uma besta encurralada sob a pele.
Lamacenta orgia.
Os vermes pululam e rebentam
com cada escura secreção do organismo.


* * *

A matéria se esvazia, só e ínfima,
cheia de rancor, sob as dentadas de todos estes anos
onde apenas o irremediável conseguiu alvorecer.


* * *

A morte.
Assomando como um raio de luz
por debaixo da porta.
Após depredar-me
e saborear até as fezes.
 ressarcida.
Colocando de novo
seus velhos cadeados.


* * *

A avareza do destino
palpita detrás do descorado sudário da vida.
O corpo se desfaz no féretro
ante o bocejo da viúva inconsolável.
A torpe investida do verme
desgarra o coração.


* * *

Com qual de todos meus amores
haverei de subornar a morte?
A carne trama e conspira
desde o fundo: a fleuma,
o grumo saturado de graxa,
o furor do pó por retornar ao pó.
Com qual de todas minhas ferrugens
haverei de oxidar-lhe a foice?

* * *

Sem rastros nem membros permanece.
As colinas de meu corpo se resfriam.
Minha voz se funde vacilante
no pantanoso coração de Deus.

Traduções: Claudio Daniel 



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