2.3 Casimiro de
Brito: o “rigor e a claridade enigmática do pensamento”
A poesia portuguesa das primeiras décadas do século XX,
desde Orpheu até os grupos que se
articularam em torno de revistas como Presença,
Árvore e Prisma, não assimilou qualquer influência direta da poesia clássica
japonesa, que permaneceu desconhecida até meados da década de 1950. A ausência de
recepção crítica da lírica de Bashô nas letras portuguesas nesse longo período
é um caso excêntrico, uma vez que os leitores europeus e norte-americanos já
entraram em contato com o haicai e a cultura japonesa muito tempo antes.
Conforme escreve Octavio Paz:
Na história das paixões do Ocidente pelas outras civilizações há dois
momentos de fascínio diante do Japão, se esquecermos o engouerment dos
jesuítas no século XVII e o dos filósofos no século XVIII: um se inicia em
França em fins do século passado e, após fecundar diversos pintores
extraordinários, culmina com o Imagism dos poetas anglo-americanos;
outro começa nos Estados Unidos alguns anos depois da Segunda Guerra Mundial e
ainda não terminou. O primeiro período foi, antes de tudo, estético; o encontro
entre a sensibilidade ocidental e a arte japonesa produziu várias obras
notáveis, tanto na esfera da pintura – e o exemplo maior é o impressionismo –
como na da linguagem: Pound, Yeats, Claudel, Eluard. No segundo período a
tonalidade tem sido menos estética e mais espiritual ou moral; isto é, não só
nos apaixonam as formas artísticas japonesas como também as correntes
religiosas, filosóficas ou intelectuais de que são expressão, em particular o
budismo. (PAZ, 1996: 171)
Uma das principais referências desse diálogo “entre a
sensibilidade ocidental e a arte japonesa” a que se refere Octavio Paz é a
publicação, em 1902, do livro Bashô and
the japanese poetical epigram, de autoria do estudioso britânico Basil
Chamberlain. Quatro anos depois, o orientalista francês Paul-Louis
Couchoud publica na revista Les
lettres dois importantes ensaios: Les
haikai e Les épigrammes lyriques du
Japon, esse último acompanhado de cerca de cem haicais traduzidos,
possivelmente a partir do inglês. Conforme diz Paulo Franchetti, o segundo
ensaio de Couchoud foi republicado no volume Sages et poetes d’Asie, em 1916, e o livro “correu o mundo,
precedido de um prefácio de Anatole France, tornando-se uma das principais
referências sobre o assunto, para os leitores de formação francesa” (FRANCHETTI:
2012, 200). Nesse mesmo ano, Julien Vocance (nome literário de Jodseph Seguin)
publica uma coletânea de haicais intitulada Cent
visions de guerre, e em 1921 “sistematiza as suas ideias sobre o haicai e o
seu papel de exemplo de uma nova arte poética. Trata-se de Art Poétique, que saiu na revista La connaissance” (idem, 201). Apesar da contribuição dos estudos de
autores franceses e britânicos sobre o haicai e a cultura japonesa, foi graças
ao norte-americano Ezra Pound que “a poesia japonesa passou a ser uma
referência realmente importante no Ocidente” (idem, 44), escreve Paulo
Franchetti. O autor dos Cantos “fará
da reflexão sobre a poesia chinesa e japonesa um dos pontos centrais da sua
influente concepção de poesia e literatura” (idem). Na obra teórica e
ensaística de Ezra Pound, “a poesia do Extremo Oriente não vai ser nem uma
preocupação lateral de um grande poeta (esse era o caso de Camilo Pessanha),
nem uma referência importante de um poeta sem nenhuma influência duradoura
(como se dá com Amy Lowell, por exemplo)” (idem). Pound descobriu o haicai e as
peças de teatro nô a partir de seu interesse pela escrita e poesia chinesas –
ele foi o editor do livro Os caracteres
da escrita chinesa como instrumento para a poesia, de Ernst Fenollosa, que
leu pela primeira vez em 1913, quando recebeu os originais que lhe foram
entregues pela viúva do sinólogo. Nesta obra singular, “os caracteres chineses
eram entendidos radicalmente como ideogramas, isto é, sinais que mantêm uma
relação muito próxima com o objeto, ação ou propriedade que representam” (idem,
41). Pound irá valorizar, sobretudo, a justaposição de imagens no ideograma,
“em que a relação entre as partes é de natureza metafórica” (idem, 42), recurso
que utilizou na concepção estrutural de seu poema longo Os cantos (ou Cantares),
que escreveu entre 1917 e 1949, no qual inseriu também personagens e episódios
reais e lendários da cultura chinesa e japonesa, mesclados a citações
enciclopédicas da literatura, da história e da mitologia de diferentes culturas
ocidentais.
Ezra Pound foi o “inventor da poesia japonesa” para o nosso
tempo, escreve Paulo Franchetti (parodiando a célebre frase de T. S. Eliot),
porque “a desvinculou de uma vez para sempre das leituras que a reduziam a um
exotismo sentimental e afetado, sem nenhum interesse para a poesia do Ocidente”
(idem, 47), ao mesmo tempo que investiu na assimilação elementos da estética
chinesa e japonesa em seu próprio trabalho poético (e recordemos aqui o poema Numa estação de metrô, um quase haicai, assim
traduzido por Augusto de Campos: “A visão destas faces dentre a turba: /
Pétalas num ramo úmido, escuro”). Earl Roy Minner, em texto publicado na
revista de estudos Pound Newsletter,
chega a afirmar que “enquanto o seu débito para com a China consiste
principalmente em ideias históricas, éticas, políticas e outras, sua dívida
para com o Japão é mais importante do ponto de vista de sua teoria literária e
de sua técnica” (in CAMPOS, 1977: 57). Ao lado de Pound, outra referência que precisa
ser citada é a do escritor norte-americano Reginald Horace Blyth, autor da
importante antologia Haiku, obra em
quatro volumes com traduções de poemas de Bashô, Issa, Buson e outros poetas
menos conhecidos no Ocidente. Segundo Paulo Franchetti, “suas traduções e
comentários aos haicai, aos senryu e
aos textos zen são de valor inestimável para todo estudioso da literatura
japonesa no Ocidente.” (idem). Ele conhecia profundamente “não só a literatura
japonesa como ainda a chinesa e a coreana, e sua familiaridade com os poetas de
língua inglesa era também invejável” (idem). Blyth tornou-se um ícone da
cultura pop nas décadas de 1950 e 1960, contribuindo para a divulgação da
estética e da espiritualidade japonesa, ao lado de autores como D. T. Suzuki e
Allan Watts, que foram essenciais para a formação de autores como Allen
Ginsberg, Gary Snyder e Jack Kerouac. Todo esse rico diálogo entre a cultura
japonesa e o Ocidente, no entanto, só frutificaria no cenário poético português
no final da década de 1950, quando Casimiro de Brito (nascido em 1938), em
viagem de estudos na Inglaterra, entrou em contato com o haicai. Em depoimento
publicado na edição XXVI da revista Zunái,
o poeta português afirma:
Em 1958, numa espécie de exílio político
(para me libertar do eminente recrutamento para a Guerra Colonial), fui para
Londres e freqüentei o Westfield College. Era um curso de verão, organizado
pela BBC, e coube-me ficar instalado nos aposentos de um professor de Poesia
Oriental. Foi um deslumbramento – estar dentro de uma pequena biblioteca de
poesia que eu desconhecia. E os livros de haiku
deslumbraram-me. Na Universidade havia alunos de mais de 50 países e, entre
eles, uma japonesa. Aproximei-me dela, contei-lhe quem era e ao que vinha: que
ela me ajudasse a traduzir alguns daqueles poetas já que algumas das traduções
inglesas não me agradavam. Disse-me que sim, e foram semanas, meses de trabalho
delicado e quase abençoado; foi uma relação amorosa
iluminada pela poesia. Quando regressei a Portugal a minha poesia
transformou-se noutro mundo porque não só se desenvolvia na tradução dos
famosos mestres japoneses como eu próprio comecei a escrever de outra maneira.
(in Zunái, Revista de Poesia e Debates
n. XXVI, março de 2013)
Fascinado pela condensação poética do
haicai, sua economia verbal, sutileza e ironia, o poeta português desenvolve
atividades de estudo e tradução da poesia japonesa, além de escrever, ele
próprio, composições na forma do terceto e de organizar antologias com
trabalhos de outros autores portugueses que se dedicaram às formas do tanka e do haicai, de modo ocasional ou
sistemático (Uma rã que salta – Homenagem
a Bashô. Porto: Limiar, 1995). Seu trabalho no campo da tradução,
acompanhado de estudos críticos, está reunido em duas publicações: Poemas orientais, pequeno volume editado
em 1962, na cidade de Faro, e o caderno Poesia
japonesa, separata da revista de poesia Limiar
n. 5, editada no Porto, que saiu em 1995. As traduções de Casimiro de Brito
diferenciam-se daquelas realizadas por Wenceslau de Moraes na década de 1920
por não serem meros registros literais, não raro com adições explicativas ou
decorativas ausentes nos textos originais. A informação semântica está aqui, o
cuidado em manter a simplicidade e a coloquialidade do haicai tradicional
também, mas o poeta procura preservar o estilo conciso, por vezes seco e
abrupto dos textos japoneses, como nesta curiosa composição: “Narciso e biombo:
/ iluminam-se, branco / no branco, um ao outro” (Bashô, 1644-1694), que podemos
comparar com versão similar feita por Paulo Leminski: “narciso / biombo / um ao
outro ilumina / branco no branco”. A abstração deste poema, que já foi
comparado com a pintura de um artista europeu de vanguarda como o suprematista
russo Casimir Maliévitch, contrasta com a delicadeza de outra composição, quase
uma fotografia do cotidiano: “Mulher sem filhos – / como ela é terna / com as
bonecas!” (Ransetsu, 1654-1707). A metáfora, como já vimos, é uma figura quase
ausente na poesia japonesa, preocupada em retratar a paisagem de modo claro e
distinto, mas comparece por vezes na lírica tradicional, como nesta peça:
“Mulheres no arrozal – / tudo nelas é sujo / menos o seu canto” (Raizan,
1654-1716), e ainda neste poema de refinada construção imagética: “O vento, no
outono, / toma a forma do capim, / tão espesso!” (Kigin, 1624-1704). A
participação do eu poético, outra raridade numa escrita poética tão impessoal,
comparece aqui, associada a outra metáfora: “A cobrir os milênios / da minha
ausência / o véu duma cascata” (Natsuishi Banya, 1955).
Casimiro de Brito obtém resultados
poéticos consistentes em português, evitando a afetação e o exotismo, tipo rice powder poetry, males citados por Haroldo de Campos em sua crítica às
traduções de poesia oriental filtradas por um simbolismo finissecular. Ao mesmo
tempo que evitava os clichês associados a uma ideia romântica de “Oriente”,
Casimiro de Brito não intentou uma recriação radical da estrutura do ideograma,
aquilo que Haroldo de Campos chamava de “metáfora visual” e que é inseparável
tanto da escrita como do pensamento japonês. A dimensão visual dessa
micropoética altamente condensada permite-lhe “um extremo refinamento de
percepção, um grande poder de síntese imaginativa, em consonância, aliás, com o
espírito poético japonês” (CAMPOS:
1977, 65), afirma o poeta e ensaísta brasileiro, citando como exemplo a palavra
yumê (“sonho” em japonês), “expressa
pelos desenhos abreviados, superpostos, de vegetação crescendo + rede de pesca
+ cobertura + sol-pôr” (idem, 64). É impossível deixar de pensar “nos estímulos
que este simples vocábulo, a partir de seu casulo gráfico, oferece à imaginação
poética. É ele, por si só, um verdadeiro diorama de estratos metafóricos”
(idem). “No pensamento por imagens do poeta japonês”, prossegue o autor
brasileiro, “o haicai funciona como uma espécie de objetiva portátil, apta a
captar a realidade circundante e o mundo interior, e a convertê-los em matéria
visível” (idem, 65).
A recriação da poesia clássica japonesa
para o nosso idioma, tarefa levada a cabo por Casimiro de Brito, desconsidera a
dimensão visual da escrita e os jogos polissêmicos do kakekotoba mas mantém a alta precisão, a dicção enxuta e
substantiva do verso japonês, sua simplicidade e espontaneidade,
características de todas as artes tradicionais influenciadas pelo zen. A
naturalidade da própria caligrafia japonesa, que incorpora o traçado rápido, o
borrão e os contornos assimétricos e imprecisos, dificilmente poderia ser
recriada em um método de tradução que valoriza o controle do acaso e o rigoroso
cálculo prévio dos efeitos. Neste sentido, podemos considerar válida a
observação de Paulo Franchetti, para quem esse método leva a um afastamento “do
contexto de produção e recepção, bem como da função social de um dado texto em
uma dada sociedade”, privilegiando as “correspondências sintáticas, semânticas
e sonoras” (FRANCHETTI, 2012: 49). “Quando o poema a ser
traduzido pertence a um universo de referências próximo a essa visão de
literatura, o método tem resultados excelentes, como se pode ver na tradução
que Haroldo de Campos fez do Un coup de
dés, de Mallarmé” (idem), prossegue Paulo Franchetti, fazendo a ressalva
que “na leitura do haicai, no entanto, que provém de um outro universo de
referências, esses pressupostos têm mais efeitos nocivos do que positivos”
(idem, 50), citando como exemplo a tradução que Haroldo de Campos fez do famoso
poema da rã, de Bashô:
o velho tanque
rã salt’
tomba
rumor de água
Na opinião de Paulo Franchetti, “em face
da poética de Bashô, que sempre demonstrou aversão à mera exibição técnica em
haicai (...), a utilização de uma ‘palavra-valise’ à James Joyce parece
completamente inadequada” (idem, 51). O autor justifica seu severo parecer
argumentando que “o hokku de Bashô,
célebre por inaugurar a maneira despojada e não simbólica de uma escola que se
dizia acessível a crianças e incultos, converte-se em um precioso micropoema
ostensivamente trabalhado com agudeza
e engenho” (idem, 51) (observemos
aqui o uso de palavras extraídas do vocabulário barroco, com intenção crítica;
os grifos são de minha autoria). Uma outra visão sobre o tema é apresentada por
Paulo Leminski em seu livro Bashô, a
lágrima do peixe, onde analisa a imensa variedade de sentidos de outro
conhecido poema do autor japonês:
Takotsubo yá
Hakanáki yumê wó
Nátsu no tsuki
a armadilha do polvo
sonhos flutuantes
lua de verão
ou ainda:
polvos na armadilha
sonhos pululam
a lua vermelha
Traduções: Paulo Leminski
“ ‘Flutuantes’ não dá conta, plenamente,
do japonês hakanáki, verdadeira
onomatopeia visual, imitativa do movimento de oscilação das águas”, escreve
Leminski. “A intuição é barroca. A
tessitura sonora do haicai é rica de anagramas, tranças de sons que se
entrelaçam. A sílaba tsu está em
‘armadilha’ (tsubo), em ‘verão’ (nátsu) e em ‘lua’ (tsúki). Hakanáki quase
rima com nátsu” (LEMINSKI: 1983, 54-55). Prosseguindo a análise do
poema, o autor diz: “Em hakanáki, um
japonês pode enxergar, ainda, uma aparição do verbo ‘chorar’, náku, reforçando o clima aquático. Hakanáki compõe-se de dois ideogramas:
‘fruto’ + ‘não’ = ‘sem fruto’. Hakanáki
yumê, portanto, é, literalmente, ‘sonho sem fruto’.” (idem, 54) Em resposta
aos que advogam em defesa da simplicidade do haicai, Leminski responde: “Assim,
muita complexidade está lá, escondida dentro dos haicais, aparentemente, mais
banais” (idem). Como resolver o impasse entre a recriação formal e o espírito
de despojamento da filosofia zen-budista? Temos aqui um caso para a liberdade
de escolha do tradutor, que pode adotar a estratégia criativa que encontrar
correspondência com a sua visão particular sobre a poesia e a literatura, uma
vez que nenhuma tradução será perfeitamente exata ou inexata, em especial
quando se trata do haicai, com todas as suas camadas de significação, tanto
semânticas quanto históricas e culturais. A tradução, assim, não busca uma
verdade essencial, mas a relação estética e de pensamento entre o tradutor e o
texto traduzido. O próprio Casimiro de Brito, no prefácio aos Poemas Orientais, diz:
A poesia é intraduzível,
e a minha tentativa de verter para o português, de fazer poesia a partir dos haicais japoneses, sem lhes roubar a
magia, o clímax oriental é, reconheço-o, demasiado arriscada. Penitencio-me
dizendo que foi uma tentação, e considero estes poemas breves um pouco como
poesia minha. (BRITO, 1962: 10)
A ideia da tradução poética como um novo
texto original, em condições de igualdade com os poemas escritos pelo próprio
poeta/tradutor, não é nova: ela deriva dos ensaios teóricos e da prática
criativa de Ezra Pound, que em seu poema longo Os cantos inseriu textos traduzidos da Odisseia de Homero, de canções dos trovadores da Idade Média, entre
outros, de diferentes momentos históricos e países, mesclados aos versos de sua
própria lavra, sem nenhuma sinalização prévia para o leitor sobre os créditos
de cada composição. O autor norte-americano considerava a tradução como persona (máscara dramática), que lhe
permitia falar pela voz de grandes poetas do passado, como François Villon,
Guido Cavalcanti e Artaud Daniel, e ainda de Li T’ai Po (ou Rikaku, em japonês)
e Zeami (autor da peça de teatro nô Hagoromo,
“O manto de plumas”). Ao lado da ideia da tradução como um tipo de heteronímia
(tese formulada por Adolfo Casais Monteiro[1]),
Ezra Pound desenvolveu o conceito da crítica pelo exercício no estilo de uma
época – ou seja, o poeta passou a escrever poemas usando a linguagem e os
recursos formais de autores da Idade Média ou do Renascimento, como forma de
aprendizado e de diálogo com a tradição, visando realçar elementos poéticos
pouco conhecidos nos dias de hoje. O autor norte-americano não desejava fazer
de seu trabalho ensaístico e crítico-criativo uma mera arqueologia do passado
literário, e sim descobrir, dentro da tradição, o que ainda era novo, ou pouco
assimilado, fiel ao princípio confuciano do Make
it new, que adotou como palavra-de-ordem. Quando Casimiro de Brito fala em
“fazer poesia a partir dos haicais japoneses” ele
apresenta uma proposta-desafio análoga à do autor norte-americano, analogia que
ganha força quando pensamos que o português, assim como Ezra Pound,
exercitou-se na criação conforme o estilo de uma época, nos haicais de sua
própria autoria.
Nas traduções incluídas no volume Poemas orientais (1962), notamos versos mais longos, de sintaxe
regular, próxima ao ritmo da prosa. Já nas composições compiladas em Poesia japonesa (1995) há maior concisão, cortes sintáticos e ritmo mais
seco, que reforçam o poder de impacto da imagem poética. Os elementos temáticos
e formais desse conjunto de traduções serão incorporados e transformados na
poesia do próprio Casimiro de Brito, que realiza uma notável mescla do
imaginário tradicional japonês com uma sensibilidade moderna temperada pelas
vanguardas europeias, que reivindicavam a síntese, a concisão, a ruptura com a
lógica sintático-discursiva, a visualidade e o pensamento analógico (lembremos
que Casimiro de Brito integrou um dos movimentos de renovação da poesia
portuguesa, o chamado Poesia 61, ao
lado de Fiama Hasse Pais Brandão, Luiza Neto Jorge, Maria Tereza Horta e Gastão
Cruz, aliás contemporâneo da PO-EX,
liderado por Ana Hatherly e E. M. de Melo e Castro).
[1] Na
opinião de Augusto de Campos, “O paralelo é, sem dúvida, instigante. Mas o
exame em profundidade dos dois artifícios revela atitudes poéticas diversas. As
personae de Pessoa são, na verdade, personalidades fictícias projetadas do próprio
poeta, de dentro para fora. (...) Já as máscaras de Pound correspondem (com
exceção talvez única de Mauberley) a pessoas reais de poetas que falam, em sua
própria linguagem, ‘através de’ Pound: Cino, Bertran de Born, Villon, Heine,
Laforgue, Corbière etc.” (CAMPOS, 1983: 25)
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