Um silêncio verde
— Paul Celan
O
verde,
sua pele
ácida. Tocar
os poros
do verde, florir
metálico. Ouvir
sua voz de asa
e sombra.
Olhos, faisões
de cegueira.
Jóias de irada
divindade.
Abelhas e lagostas
amam-se, odeiam-se,
tulipas caem
na goela
do tempo.
Tuas mãos tateiam
a nervura imprecisa
da cicatriz
e não há mar,
nem pão, nem página.
Alucino-te
ao mirar-me
no silêncio
de uma laranja
quadrada.
Aqui, nada mais viceja.
Lacraias afogam-me
em tua lágrima
e se fecha a porta
esquerda. Toda palavra
me fere com sua cor.
Quando cessa
o canto, calados,
ouvimo-nos
em um corte
azul.
1999
(Poema do livro A Sombra do Leopardo. 1ª. edição, Azougue Editorial, 2001; 2ª. edição, Selo Orpheu, da Editora Multifoco, 2010.)
belíssimo! preciso!
ResponderExcluirNão sei até que ponto compreendo esse poema que parece traduzir em imagens quase táteis uma relação amorosa que se impossibilitou. As imagens falam de ruptura, de sentimentos limítrofes: o verde e sua pele ácida, o florir metálico, os olhos como faisões de cegueira, abelhas e lagostas que amam-se, odeiam-se, o tatear de uma cicatriz imprecisa, o olhar alucinado para uma laranja quadrada, o absurdo...
ResponderExcluirPor fim, uma certa ríspidez, a constatação cortante de que "aqui nada mais viceja",lágrimas que não se contêm,uma porta esquerda que se fecha, palavras que ferem, silêncio, um corte azul.
Uma interpretação
ResponderExcluirA pele ácida do verde, o florir metálico, simbolizariam o corte abrupto (ou a sua preemente necessidade) de alguma coisa ainda vigorosa.
Os olhos como faisões de cegueira expressam a necessidade de não se deixar tocar por aquilo que existe de mais marcante na fisionomia humana.
"Abelhas e lagostas / amam-se, odeiam-se,/ tulipas caem /na goela/ do tempo." A estrofe relembra a ambivalência dos sentimentos, e a necessidade de deixá-los partir, junto com toda a beleza.
As nervuras de uma cicatriz ainda tateada pela pessoa amada, e que mais nada pode comunicar, relevam de forma definitiva a certeza do rompimento.
A laranja não mais circular, agora quadrada, mirada com olhos alucinados,denota um estado de disposição particular, aquele de quem se vê privado de um maior envolvimento com o mundo circulante.
As lacraias que surgem das lágrimas da mulher (imagino uma mulher)revelam sentimentos que, por se impossibilitarem, tornam-se o contrário de uma partilha, se transmutando em seres peçonhentos.
Por fim, fechada a porta esquerda, resta as palavras que ferem, sentimentos que se sedimentam, calados, um corte azul.
Caro Diogo, o poeta é sempre o pior intérprete de si mesmo, então, deixo para você as tentivas de entender o poema, rsss... abraço,
ResponderExcluirCld.
... perdão, "tentativas", não "tentivas"...
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