domingo, 23 de janeiro de 2011

POROS


Um silêncio verde
— Paul Celan

O
verde,
sua pele
ácida. Tocar
os poros
do verde, florir
metálico. Ouvir
sua voz de asa
e sombra.
Olhos, faisões
de cegueira.
Jóias de irada
divindade.
Abelhas e lagostas
amam-se, odeiam-se,
tulipas caem
na goela
do tempo.
Tuas mãos tateiam
a nervura imprecisa
da cicatriz
e não há mar,
nem pão, nem página.
Alucino-te
ao mirar-me
no silêncio
de uma laranja
quadrada.
Aqui, nada mais viceja.
Lacraias afogam-me
em tua lágrima
e se fecha a porta
esquerda. Toda palavra
me fere com sua cor.
Quando cessa
o canto, calados,
ouvimo-nos
em um corte
azul.

1999

(Poema do livro A Sombra do Leopardo. 1ª. edição, Azougue Editorial, 2001; 2ª. edição, Selo Orpheu, da Editora Multifoco, 2010.)

5 comentários:

  1. Não sei até que ponto compreendo esse poema que parece traduzir em imagens quase táteis uma relação amorosa que se impossibilitou. As imagens falam de ruptura, de sentimentos limítrofes: o verde e sua pele ácida, o florir metálico, os olhos como faisões de cegueira, abelhas e lagostas que amam-se, odeiam-se, o tatear de uma cicatriz imprecisa, o olhar alucinado para uma laranja quadrada, o absurdo...

    Por fim, uma certa ríspidez, a constatação cortante de que "aqui nada mais viceja",lágrimas que não se contêm,uma porta esquerda que se fecha, palavras que ferem, silêncio, um corte azul.

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  2. Uma interpretação

    A pele ácida do verde, o florir metálico, simbolizariam o corte abrupto (ou a sua preemente necessidade) de alguma coisa ainda vigorosa.

    Os olhos como faisões de cegueira expressam a necessidade de não se deixar tocar por aquilo que existe de mais marcante na fisionomia humana.

    "Abelhas e lagostas / amam-se, odeiam-se,/ tulipas caem /na goela/ do tempo." A estrofe relembra a ambivalência dos sentimentos, e a necessidade de deixá-los partir, junto com toda a beleza.

    As nervuras de uma cicatriz ainda tateada pela pessoa amada, e que mais nada pode comunicar, relevam de forma definitiva a certeza do rompimento.

    A laranja não mais circular, agora quadrada, mirada com olhos alucinados,denota um estado de disposição particular, aquele de quem se vê privado de um maior envolvimento com o mundo circulante.

    As lacraias que surgem das lágrimas da mulher (imagino uma mulher)revelam sentimentos que, por se impossibilitarem, tornam-se o contrário de uma partilha, se transmutando em seres peçonhentos.

    Por fim, fechada a porta esquerda, resta as palavras que ferem, sentimentos que se sedimentam, calados, um corte azul.

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  3. Caro Diogo, o poeta é sempre o pior intérprete de si mesmo, então, deixo para você as tentivas de entender o poema, rsss... abraço,

    Cld.

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  4. ... perdão, "tentativas", não "tentivas"...

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