Zunái, Revista de Poesia e
Debates,
comemora dez anos de guerrilha virtual no ciberespaço. Criada em 2003 por
Rodrigo de Souza Leão (1965-2009), Ana Peluso e por mim (Mariza Lourenço entrou
mais tarde na equipe), a revista teve 26 edições eletrônicas e publicou alguns
dos mais expressivos nomes da poesia, do teatro, do romance, do ensaio e das
artes visuais brasileiras. Estiveram presentes, nas páginas da Zunái, autores
como Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Arnaldo Antunes, Armando
Freitas Filho, Josely Vianna Baptista, Claudia Roquette-Pinto, Gerald Thomas,
Wilson Bueno, Evandro Affonso Ferreira, Nelson de Oliveira, Luiz Costa Lima,
João Alexandre Barbosa, Regina Silveira, Leda Catunda e Guto Lacaz, para
citarmos poucos nomes. Desde o início, a revista assumiu uma posição de
voluntária parcialidade crítica (seguindo a lição de Baudelaire), exteriorizando os seus
critérios de escolha e interferindo de maneira criteriosa no cenário cultural
brasileiro, sem fazer concessões a estéticas mumificadas. Zunái assumiu
o compromisso de publicar trabalhos de maior inventividade formal, em campos
como o da poesia visual, da poesia sonora, da poesia digital, do texto poético
experimental, sem filiar-se, porém, a nenhuma tendência literária específica, a
nenhum programa normativo redutor: sua vocação é a de ampliar diferentes graus
de ruído e dissonância, para desafinar a melodia única dos contentes. Esta
pluralidade de radicalismos possíveis se manifestou em nosso interesse pela
poesia neobarroca de José Kozer, Reynaldo Jiménez, Victor Sosa, León Félix
Batista, mas também pelo minimalismo de André Dick e Virna Teixeira e pela
escrita inclassificável de Jean Paul Michel, Edmond Jabès, Contador Borges,
Abreu Paxe, Antônio Moura e Erin Moure.
Nossa representação
geométrica sempre foi o círculo, dentro do qual se movimentam infinitas linhas
concêntricas, aproximando-se, distanciando-se, provocando colisões, ruídos e
atritos criativos, em constante ebulição e metamorfose. A Zunái sempre se recusou a fazer um mapeamento convencional
da poesia brasileira – tarefa sempre incompleta e efêmera das revistas e
antologias – mas, ao contrário, optou por iluminar autores que ficaram à margem
do cânone rumoroso promovido pela mídia, organizado por critérios poucas vezes
éticos ou estéticos. Publicamos autores jovens de violenta novidade formal e
temática, que estão entre as vozes mais consistentes da novíssima poesia, como
Adriana Zapparoli, Jonatas Onofre, Andréia Carvalho, Daniel Faria, Diogo
Cardoso, Marceli Andresa Becker, entre outros, que trazem propostas de
desestruturação da lírica coloquial-cotidiana do Modernismo (tão incensada por
críticos midiáticos que nada sabem de poesia) e de reorquestração das palavras
e frases em múltiplas outras combinações, ampliando o léxico, renovando a
sintaxe, dialogando com repertórios infrequentes, num sopro de renovação e
desafio. Rompendo com o mimetismo colonizado das poéticas praticadas nos
grandes centros financeiros, Zunáiestabeleceu novas parcerias, divulgando poetas de
Angola, Moçambique, África do Sul, Macau, Síria, Cuba, México, Peru, República
Dominicana, Venezuela, entre outras nações de poesia. O link Galeria publicou
mostras virtuais de alguns dos mais conceituados artistas visuais brasileiros,
como Regina Silveira, Guto Lacaz, Leda Catunda, Elida Tessler, Nino Cais e
Eduardo Frota, enquanto o link de matérias especiais enfocou temas culturais
mais amplos, envolvendo diferentes linguagens artísticas, como o teatro de
Gerald Thomas, o cinema de Werner Herzog e Peter Greenaway, a prosa de Wilson
Bueno, os 50 anos da Poesia Concreta e o debate sobre a crítica literária
brasileira, em textos como Muito
além da academídia: poesia brasileira hoje, de Rodrigo Garcia Lopes, e Pensando a poesia brasileira em cinco atos,
de Claudio Daniel.
Os editores de Zunái nunca tiveram o propósito de estabelecer ou defender
uma suposta “estética única”, o que pode ser verificado facilmente na própria
revista, onde publicamos desde haicais e poemas sonoros até composições
concretistas e surrealistas; a inovação, para nós, nunca foi rua de mão única
ou questão teológica ou metafísica. O que recusamos no ecletismo nunca foi a
diversidade, mas a concessão sem critérios a estéticas frágeis, que não
apresentam nenhuma novidade temática ou formal. A defesa intransigente da
pesquisa estética, do experimentalismo, da inovação, em nenhum momento foi
entendido por nós como nova torre de marfim, alheia aos acontecimentos no mundo
– muito ao contrário. O design da capa da Zunái foi criado por Ana
Peluso e por mim com o propósito de representar o conflito entre barbárie e
cultura: oslinks, dispostos de maneira circular, incorporaram imagens de
obras de arte da Antiguidade do Museu Nacional de Cabul, destruídas pelo Talebã
sob a acusação de paganismo e idolatria. Na página do Expediente da revista,
inserimos a imagem de uma obra de arte desaparecida do Museu de Bagdá, saqueado
com a cumplicidade das tropas de ocupação norte-americanas. Zunái sempre
se posicionou contra as guerras de rapina do império estadunidense no Oriente
Médio e criou, no link Opinião, os Cadernos
da Palestina, onde publicamos
regularmente textos e fotos de denúncia da ocupação ilegal dos territórios
palestinos pela entidade sionista. Durante o Fórum Social Mundial Palestina
Livre, ocorrido em 2012, em Porto Alegre , Zunái esteve presente e distribuiu a plaquete Poemas para a Palestina, com peças escritas por autores como Glauco Mattoso,
Marcelo Ariel, Lígia Dabul, Andréia Carvalho, Nina Rizzi, entre outros poetas
brasileiros e portugueses. A revista também colaborou na organização da
exposição fotográfica dedicada aos 30 anos do massacre de Sabra e Chatila,
exposta no mesmo ano na Biblioteca Alceu Amoroso Lima.
Zunái sempre
acreditou que o engajamento estético não se opõe ao engajamento político, mas,
ao contrário, é a sua contraparte dialética, como bem sabia André Breton, ao
propor unir o “mudar a vida” de Rimbaud ao “mudar o mundo” de Marx (equação em
que está implícita o “mudar a arte” de Lautréamont). O aniversário de dez anos
da revista será comemorado com o recital organizado pelo poeta Rubens Jardim,
no dia 30 de agosto, na Casa das Rosas, que contará com a participação de
Frederico Barbosa, Claudio Willer, Alfredo Fressia, E. M. de Melo e Castro,
Abreu Paxe, Nydia Bonetti, Andréia Carvalho, Edson Cruz, Luiz Ariston, Edson
Bueno de Carvalho, Diogo Cardoso e Fabrício Slaviero. Uma festa de poesia. No
final do ano, será publicada também uma versão impressa – um número único, com
miniantologia de poemas e textos em prosa publicados na revista entre 2003 e
2013, aguardem!
P.S.: sobre a nova versão eletrônica da revista, leiam um post mais abaixo.
P.S.: sobre a nova versão eletrônica da revista, leiam um post mais abaixo.
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