domingo, 4 de agosto de 2013

O FORO DE SÃO PAULO E OS DESAFIOS DA ESQUERDA NA AMÉRICA LATINA



Claudio Daniel
  
O XIX Encontro do Foro de São Paulo aconteceu entre os dias 31 de julho e 04 de agosto na capital paulista e reuniu cerca de 1.300 delegados de 39 países, entre eles Cuba, Argentina, Brasil, Venezuela, Bolívia, Uruguai, Equador, Nicarágua e El Salvador, que formam um novo bloco político e econômico no continente, que luta para criar mecanismos de integração regional, de colaboração cultural e científica, de cooperação, solidariedade e resistência ao imperialismo. O novo bloco de esquerda na América Latina, iniciado entre 1998 e 2002 com as vitórias de Hugo Chávez na Venezuela e de Luís Inácio Lula da Silva no Brasil já obteve importantes conquistas, como a consolidação de organismos internacionais como a CELAC, a UNASUL, a ALBA e o Mercosul, que têm impulsionado diversas ações inovadoras, como os intercâmbios comerciais realizados sem o uso do dólar ou do euro como padrão monetário, as missões de médicos cubanos na Venezuela e em outros países do continente, a venda subsidiada de petróleo venezuelano aos países centro-americanos e a defesa conjunta que esses países fazem da soberania de Cuba, que até hoje sofre os efeitos nefastos do bloqueio norte-americano.

A existência de uma Nova América, que defende suas reservas de gás natural e de petróleo das companhias transnacionais, que recusa a tutela econômica do FMI, investe em tecnologia e defesa nacional, aumenta os gastos públicos em saúde, educação, segurança alimentar e na qualidade de vida de suas populações irrita profundamente o imperialismo norte-americano, que responde a essa contestação de sua hegemonia num território que julgava seu quintal de várias maneiras: patrocinando golpes de estado no Paraguai e em Honduras, criando bases militares na Colômbia, reabilitando a IV Frota, estimulando ações violentas de grupos fascistas na Venezuela, no Brasil e em outros países, promovendo intensa difamação dos governos e partidos de esquerda pelos meios de comunicação de massa (o Clarín na Argentina, Folha, Estado, Globo e Veja no Brasil etc.) e formando a Aliança do Pacífico, área de livre comercial similar ao projeto da Alca, formado por países que têm tratados de livre-comércio com os Estados Unidos, como é o caso do México, Chile (por enquanto), Colômbia e Peru.

O XIX Encontro do Foro de São Paulo acontece, portanto, num período em que o imperialismo norte-americano está em declínio, mas ao mesmo tempo age de forma agressiva, inclusive no campo militar, na tentativa desesperada de deter a sua inevitável decadência. No cenário internacional, registram-se as derrotas sofridas pelos Estados Unidos na Síria, onde o Exército Árabe Sírio impõe pesadas derrotas aos mercenários islâmicos, no Egito, onde foi derrubado o governo da Irmandade Muçulmana, pró-Ocidente, e na Coreia Popular, que manteve a cabeça erguida e conseguiu impedir a agressão norte-americana, deixando claro que tinha condições de responder duramente a qualquer agressão militar. No Irã, as coisas também não estão fáceis para os sionistas, que ameaçam constantemente o país persa mas se abstêm de atacá-lo, temendo a sua capacidade de dissuasão. No campo diplomático, fortalece-se a posição dos BRICs – Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul – que conseguiram, entre outras ações, vetar no Conselho de Segurança da ONU medidas que facilitassem uma escalada militar ocidental na Síria, tal como aconteceu na Líbia. Em suma: o imperialismo ainda tem garras e dentes afiados, mas não está conseguindo impor a sua vontade ao mundo, tal como fazia antes.

É nesse contexto internacional de declínio do império norte-americano e de crise da economia capitalista na Europa e nos Estados Unidos que o XIX Encontro do Foro de São Paulo debateu temas específicos de integração regional, com  objetivos de fortalecer a democracia com participação popular e justiça social no continente, a democratização da mídia, a superação da herança colonial, como a ocupação britânica nas Ilhas Malvinas e a submissão de Porto Rico aos Estados Unidos, o combate ao racismo e a todas formas de discriminação étnica, de gênero ou de opção sexual. A defesa das conquistas obtidas na última década foi um dos temas mais debatidos no encontro, dedicado à memória do presidente Hugo Chávez Frias (1954-2013) e um dos grandes arquitetos da Nova América. Somente no Brasil, nos dois governos de Lula e agora no governo de Dilma Rousseff, 40 milhões de brasileiros saíram da situação de miséria e constituíram uma nova classe trabalhadora (para citarmos Marilena Chauí); o desemprego se mantém na faixa de 5,5%, enquanto na França é de 12% e na Espanha de 26%; e conforme matéria publicada em 04 de agosto no jornal O Estado de S. Paulo, a desigualdade social teve redução de 80% na última década (em comparação com o aumento de 54%, no decênio neoliberal de Collor de Mello e FHC / PSDB).

Também na Argentina, na Venezuela, na Bolívia e em outros países da Nova América há índices surpreendentes de redução da desnutrição, do analfabetismo, da expansão dos serviços públicos, da democratização do acesso ao lazer e à cultura. A nova situação é vista como ameaça pelas classes dominantes, que usam os meios de comunicação de massa como partidos de oposição para enganarem a população e tentarem o retorno às trevas do neoliberalismo, não pensando duas vezes antes de usar a violência, como ocorreu na Venezuela, após a vitória de Maduro, ou no Brasil, durante as manifestações de junho. As classes dominantes latino-americanas estão entre as mais atrasadas, preconceituosas e cruéis do planeta, e temem que os avanços sociais obtidos na última década possam, a médio ou longo prazo, representar um perigo à sua própria dominação de classe.

Exatamente por isso, a troca de experiências, as consultas mútuas e as ações conjuntas dos partidos e governos progressistas da América Latina é de vital importância para a preservação da democracia no continente e para as futuras lutas em direção a um novo socialismo, que o comandante Hugo Chávez chamou de “o socialismo do século 21”. Conforme diz o Documento base do XIX Encontro do Foro de São Paulo: “Os partidos políticos agrupados no Foro de São Paulo têm, portanto, um triplo papel: orientar nossos governos a aprofundar as mudanças e acelerar a integração; organizar as forças sociais para sustentar nossos governos ou para fazer oposição aos governos de direita; e construir um pensamento de massas, latino-amrericano e caribenho, integracionista, democrático-popular e socialista”.

Como delegado do Partido Comunista do Brasil (PC do B) presente no encontro, registro ainda a importância do discurso do ex-presidente Lula no ato político de abertura do Foro, no dia 02 de agosto, em que ele afirmou que o Brasil, como país de maior economia e importância política no continente, tem a responsabilidade de ser o grande impulsionador de um novo modelo de sociedade, que seja uma alternativa aos modelos neoliberais e social-democratas fracassados, inclusive no continente europeu. Lula destacou ainda a importância de os partidos e governos de esquerda serem mais criativos em suas formas de atuação e de criarem novos veículos para se comunicarem com a população, usando, por exemplo, a internet como contrapeso à influência do jornal impresso conservador. O ato de encerramento do Foro, no dia 04 de agosto, contou com a presença do presidente boliviano Evo Morales, recentemente vítima de um ato de pirataria aérea na Europa, a mando do governo dos Estados Unidos. Em seu pronunciamento, Morales conclamou os países a se “descolonizarem do racismo, do fascismo, do consumismo”, a serem “mais produtivos que consumistas” e a darem fim “às monarquias e oligarquias em todo o mundo”. A Bolívia, aliás, sediará o XX Encontro do Foro de São Paulo, na cidade de Cochabamba.

Entre as resoluções finais do encontro, encontram-se a de solidariedade com Cuba, pelo fim do bloqueio norte-americano e pela libertação dos cinco herois cubanos, mantidos em cativeiro nos EUA; a de solidariedade com os povos palestino e do Sahara Ocidental, que lutam pela autodeterminação nacional; uma nota de apoio à presidenta Dilma Rousseff, alvo das articulações da direita golpista; resoluções em defesa da soberania da Síria, agredida pelos mercenários islâmicos pagos pela CIA, e em defesa da soberania argentina sobre as Ilhas Malvinas; nota de apoio ao processo de paz na Colômbia e de saudação ao líder sul-africano Nelson Mandela, entre outras resoluções.


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