quarta-feira, 21 de agosto de 2013

POEMAS DE CÉSAR VALLEJO


EPÍSTOLA AOS TRANSEUNTE

Recomeço meu dia de coelho,
minha noite de elefante em repouso.
E, para mim, digo:
esta é minha imensidade em bruto, a cântaros,
este meu grato peso, que me buscara abaixo para pássaro;
este é meu braço
que por sua conta recusou ser asa,
estas são minhas sagradas escrituras,
estes meus alarmados testículos.
Lúgubre ilha me iluminará continental
enquanto o capitólio se apóie em minha íntima derrocada
e a assembléia em lanças clausure meu desfile.
Porém quando eu morrer
de vida e não de tempo
quando forem duas minhas duas maletas,
este há de ser meu estômago em que coube minha lâmpada
em pedaços,
esta aquela cabeça que expiou os tormentos do círculo
em meus passos,
estes esses vermes que o coração contou por unidades,
este há de ser meu corpo solidário
pelo qual vela a alma individual; este há de ser
meu umbigo em que matei meus piolhos natos,
esta minha coisa coisa, minha coisa tremebunda.
Enquanto isso, convulsiva, asperamente,
convalesce meu freio,
sofrendo como sofro da linguagem direta do leão;
e, posto que existi entre duas potestades de tijolo,
convalesço eu mesmo, sorrindo de meus lábios.

Tradução: José Arnaldo Villar


TRILCE, LX

É de madeira minha paciência,
surda, vegetal.

Dia que tens sido puro, infantil, inútil
que nasceste nu, as léguas
de tua marcha, vão correndo sobre
tuas doze extremidades, esse vinco cenhoso
que depois desfia-se
em não se sabe que últimas fraldas.

Constelado de hemisférios de grumo,
sob eternas américas inéditas, tua grande plumagem,
te partes e me deixas, sem tua emoção ambígua,
sem teu nó de sonhos, domingo.

E se rói minha paciência,
e eu volto a exclamar: Quando virá
o domingo falastrão e mudo do sepulcro;
quando virá levar este sábado
de farrapos, esta horrível sutura
do prazer que nos engendra sem querer,
e o prazer que nos DesteRRA!


Tradução: Claudio Daniel



DE PURO CALOR TENHO FRIO

De puro calor tenho frio
irmã Inveja!
Leões lambem minha sombra
e o rato me morde o nome,
mãe alma minha
À beira do fundo vou,
cunhado Vício!
A lagarta tange sua voz,
e a voz tange sua lagarta,
pai corpo meu!
Está de frente meu amor,
neta Pomba!
De joelhos, meu terror
e de cabeça, minha angustia,
mãe alma minha!
Até que um dia sem dois,
esposa Tumba,
meu último ferro ressoe
de uma víbora que dorme,
pai corpo meu!


ME VEM, HÁ DIAS, UMA VONTADE UBRRIMA, POLÍTICA...

Me vem, há dias, uma vontade ubérrima, política,
de querer, de beijar o carinho em seus dois rostos,
e me vem de longe um querer
demonstrativo, outro querer amar, de grau ou força,
ao que me odeia, ao que rasga seu papel, ao menino,
ao que chora pelo que chorava,
ao rei do vinho, ao escravo da água,
ao que ocultou-se em sua ira,
ao que sua, ao que passa, ao sacode sua pessoa em minha alma.
E quero, portanto, dar guarita
ao que me fala, à sua trança, aos seus cabelos, ao soldado;
Quero, pessoalmente, passar a ferro
o lenço do que não pode chorar
e, quando estou triste e me dói a sentença
remendar os enjeitados e os gênios.
Quero ajudar o bom a ser o seu pouquinho de mal
e me urge estar sentado
à direita do canhoto e responder ao mudo,
tratando de ser-lhe útil no
que posso e também quero muitíssimo
lavar os pés do coxo,
e ajudar o vesgo, meu próximo, a dormir.
Ah! querer, este meu, este, mundial,
inter-humano e paroquial, maduro!
Me vem no ponto,
desde as fundações, desde a virilha pública,
e, vindo de longe, dá vontade de beijar
o cachecol do cantor,
a frigideira do que sofre,
ao surdo em seu impávido rumor craniano;
ao que me dá o que esqueci em meu âmago,
em seu Dante, em seu Chaplin, em seus ombros.
E para terminar, quero,
quando estou à beira da célebre violência
ou pleno de peito o coração, queria
ajudar o que sorri a escarnecer,
por um passarinho bem na nuca do malvado,
Cuidar dos enfermos, enfadando-os,
comprar o vendedor,
ajudar a matar o matador - coisa terrível - 
e quisera ser bom comigo mesmo
em tudo.

 
Traduções: Antônio Moura.


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