A
CABEÇA RECOMEÇA
retomei todos os meus compromissos
mas sinto-me omisso a mim mesmo
sinto-me em estado de sumiço.
um espaço na minha cabeça
deixou de ser maciço e isso
parece só o começo
(becos talvez, surjam e desapareçam,
compostos por começos de cabeças
dispostos pelo chão, becos abafados)
mas retomei, hoje sou dois,
e não descanso porque não existo.
ELETROCUTADO
um choque percorre meu eixo e explode
em facetas libertárias excretoras de baba
em gotas da escuridão lúbrica tidas
como objeto de desejo de uma mata fechada
cada pedra nomeada com designação de
parentescos apara as arestas e abraça
ecoa de cada memória escrita um
alumbramento expressivo da oralidade
pela suspeita extasiada da ameaça e da
presença que tem corpo
o corpo de um instrumento musical
intencionado de madeira
uma história que conta, que canta, que
dança e silencia
em sua quimérica e efêmera vontade de
ruptura
o tigre dos meus ombros desliza pelos
dedos
envelhecendo em estado de magia
*
o vento derruba todos os meus objetos. esse trajeto
é o seu único gesto. devasta o topo da minha cômoda. eu vejo sem proposições
nem esboço de reação. vejo desnudo porque o objeto do vento é o devasso. desejo
vendo com os braços tremendo. a caixa também deu os seus passos. quando eu
derrubo o sono da cama o dia desliga a câmera. comigo não houve diálogo, ou
qualquer forma primariamente reconhecível como código. o sonho do olho aberto
derretia objetando o vento. fazia secas casquinhas amarelas. ornamentos das
laterais oculares. o relato do ócio objeta assim, o ciclo de um tipo de ar.
arder o ciclo do amanhecido dia impondo da ode estereotipada a qualquer traço
mais elaborado que o primitivismo ostracismo enraivecido.
*
Hoje,
quando comecei a escrever, começaram a brotar em mim um par de seios. Pequenos,
onde ficam os meus mamilos. Com pelos ao redor do bico. Então pensei, uma
metáfora glandular. E a ironia velada levou-me a mão a um deles. Escrevia a
palavra língua sem escorrer-me o sangue dos seus personagens pela minha boca.
Excitei-me acariciando o entorno com os dedos nas costelas. A explosão venosa e
arterial em transito amplificada foi assim para todo o meu corpo.
*
Vê como desmancha conforme eu digo que a sombra da lâmpada
dá uma dor ruim na bexiga. Na palma da mão direita cresce uma mexa ruiva que
esvoaça quando a mão que escolhe o cacho acena a luva. Vê como desleixam e
gingam da quinta-feira que fugia enquanto caía tua bolsinha de moedas. No pátio
de aplicação de flúor encontram-se reunidos pais e mestres mantendo os canais e
os níveis vocais em
silêncio. Vê como desmancha tudo conforme as plantas atrás do
espelho hoje quando amanheceram nutriram luzes no reflexo. Ao quebrar a xícara
diária da história maciça encontrei o remédio da diurese anamnéstica.
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