SOMBRA DA MORTE
É a única coisa viva que segue a
Morte pelos caminhos da dor, atravessando a eternidade. Anuncia o momento de
desespero aproximando-se devagar, envolvendo sua vítima suavemente,
entorpecendo e cegando-a. Sopra com seu hálito podre a brisa gélida dos últimos
segundos dos homens. Diverte-se ao se arrastar pelas escuridões dos becos e
cavernas, construídos pela angústia daqueles que percebem seu pouco tempo de
vida. Goza ao empurrar sua presa para dentro da grande boca salivante da
Miséria.
SOMBRA DA MEIA NOITE
Vive num vazio interno sem fim,
total escuridão. Lamenta todos os dias ter nascido sombra e não luz. Murmura
por não poder seguir uma abelha a pousar numa flor, não fazer cócegas nas
crianças da praça e construir os castelos de areia à beira-mar. Chora por não
mergulhar com os moleques no rio e passar a tarde estendida no porto. Sua dor
vem tornando-a cada dia mais doente, frágil... quase se esfarelando com o passar
do tempo. Não percebe que é a Dona da Noite, que pode engolir o dia, e afogar o
mundo.
SOMBRA SEM CORPO
Segue pelos bosques perdida. No
meio da mata não sabe se veio de uma árvore, animal ou flor. Confunde-se entre
as pedras e as folhas velhas caídas. Mira seu reflexo nas águas calmas do lago,
mas a luz da lua ainda não define seus traços. Olha sua forma disforme, sem
corpo. Ao contrário da outras sombras, ela é só negro, escuridão. Se lança em
direção a um galho à frente e passa sobre ele. Abraça um sapo sentado próximo, escorregadio,
que pula e a deixa para trás. Finca-se como raiz numa árvore, porém a atravessa.
Olha a sua volta: sozinha. Corre, pula, voa, cai, rasteja, desgovernadamente. Não
encontra seu lugar, onde se encaixar, como se prender, em quem se espelhar. Desespera-se:
pensa não saber se está viva, se sombra vive, e se é realmente sombra.
SOMBRA DO MEIO DIA
É a menor de todas as sombras e
chata, muito chata. Talvez, como forma de defesa, sempre se acha “a tal”,
aquela que está no centro de tudo, que é o foco das atenções. Durante o dia
passa desapercebida, as pessoas sequer se dão conta de que ela está lá, no
entanto, a sombra soberba ainda pensa que o mundo gira em sua volta. Teimosa,
agarra-se ao chão, faz força contra o tempo para tentar se espichar. Não tem jeito,
às 13 horas em ponto chega sua concorrente e ela, já sem força, tem de deixar
seu lugar.
Leiam mais contos de Luciana Inham na edição de fevereiro da Zunái, Revista de Poesia e Debates.
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