sexta-feira, 8 de maio de 2009

LINGUAGENS LÍQUIDAS NA ERA DA MOBILIDADE (IV)

“Algo muito próximo da metáfora da ‘liquidez’ retornou recentemente com a publicação da terceira obra da trilogia Spharen (Esferas), de Peter Sloterdijk (2004), hoje um dos filósofos mais estelares da Alemanha, criador de uma obra polêmica e rebelde que quebrou as normas da filosofia acadêmica atual e vem propondo uma teoria crítica distinta da tradição da escola de Frankfurt. O terceiro volume das Esferas é denominado Schaume (Espumas). Estas são certamente mais sutis, delicadas, complexas e ainda mais leves do que os líquidos.

(...) Para o autor (...), a globalização já começou com os gregos, na geometrização do céu e na representação do universo por meio da imagem da esfera. A mesma imagem é encontrada nas representações da ordem dos impérios pré-modernos. Com a descoberta da América e as primeiras circunvoluções terrestres, no lugar da esfera aparece o globo. Depois desta vem uma terceira globalização, a das circunvoluções dos capitais e sinais pela última esfera, a Terra, em que a virtualização geral de todas as coisas conduz a uma crise do espaço.

Em Schaume (...), apresenta-se uma teoria filosófica do presente no qual a vida se desenrola multifocalmente. Com a imagem alegre da espuma, o autor busca recuperar o pluralismo das intervenções no mundo, formulando uma interpretação antropológico-filosófica renovada do individualismo moderno. Assim, busca-se responder à pergunta sobre qual é a natureza do vínculo que reúne os indivíduos, que a tradição sociológica chama de ‘sociedade’, para o autor, uma palavra gasta. O mundo moderno é aí tematizado em termos de uma teoria das multiplicidades espaciais, começando com a idéia de que o mundo não é estruturado monosfericamente, como reza o pensamento holístico, mas polisfericamente.

(...) As esferas são, ao fim e ao cabo, índices da denúncia do autor contra a ontologia e lógica tradicionais, nas suas divisões dicotômicas entre corpo e alma, espírito e matéria, sujeito e objeto, liberdade e mecanismos, entre o eu e o mundo e, mais além, entre a natureza e a cultura. Justifica-se por isso o novo vocabulário utilizado que se prova necessário porque os discursos teóricos prévios desenvolveram-se para um mundo de substâncias pesadas e sólidas, sendo incapazes de expressar as experiências em um mundo de leveza e relações, em um mundo de mobilidade e desprendimento das cargas. Por isso, continua o autor, a teoria crítica da Escola de Frankfurt está obsoleta e deve ser substituída por um discurso completamente diferente. Por causa de sua herança marxista, os teóricos críticos sucumbem à tentação realista de interpretar o leve como aparência e o pesado como essência. Praticam assim a crítica no velho estilo, expondo a leveza da aparência em nome do peso do real. Na verdade, Sloterdijk completa, é sob efeito da abundância atual que o pesado se torna aparência – e o essencial agora mora na leveza, no ar, na atmosfera.”
(Do livro Linguagens líquidas na era da mobilidade, de Lúcia Santaella. São Paulo: ed. Paulus, 2007.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário