“De acordo com Maffesoli (1979), o mundo que todos habitamos são territórios flutuantes, em que indivíduos frágeis encontram uma realidade porosa. Só pessoas fluidas, ambíguas, em estado de permanente devir, transformação e constante autotransgressão podem se adaptar a esses territórios. Quando existe, o enraizamento só pode ser dinâmico, reafirmado e reconstituído diáriamente, num ato fundador, iniciático de estar de viagem, na estrada.
Mil platôs, de Deleuze e Guattari (1995-1997), é uma extensa obra recheada de concepções denunciadoras da fugacidade das moradas, dos territórios, das linhas e dos espaços, dos corpos, dos afetos e das intensidades. Nomadismo, desterritorialização e dobra, as mais absorvidas entre essas concepções (...) fazem hoje parte do vocabulário corrente até mesmo das mentes mais reservadas e conservadoras. Menos circulante, dado o estranhamento que produz à primeira vista, é o conceito de corpo sem órgãos.
(...) Quando a aceleração do mundo industrializado não havia ainda tomado conta da existência humana, era fácil acreditar na estabilidade de nossos limites corporais e na sua identidade unitária. Ora, essa crença foi erodida (...). E são muitas as razões para isso. De um lado, temos de conviver hoje com as feridas narcísicas que as descobertas freudianas provocaram ao diagnosticar as desordens identificatórias que constituem o eu, do qual a imagem corporal, sempre fragmentada, é indissociável. De outro lado, surgiram os avanços da biologia, da engenharia genética, da medicina, as máquinas exploratórias para o diagnóstico médico, a multiplicação crescente e assoberbante das imagens do corpo na mídia, as simbioses cada vez mais íntimas do corpo com as tecnologias.
(...) De resto, a instabilidade tende a crescer quando aqueles que estão estudando a cultura da mobilidade, fruto das mídias de comunicação sem fio, móveis, hoje, falam em presença mediada, telepresença, presença ausente, distância virtual, ubiqüidade, todas elas expressões que colocam em questão antigas certezas sobre a nossa corporeidade.
(...) O que somos nós, então? Corpos materiais? Órgãos e fronteiras? Ou talvez pura dinâmica e transparências? A que universo pertencemos? À biologia ou à cultura? Para Deleuze e Guattari, somos corpos sem órgãos, comparáveis aos ovos: sem forma, irrealizados e líquidos, imersos em representações fluidas e fugidias. Corpos cuja única essência é a de suas dinâmicas e intensidades ainda sem nome. Corpos cuja evolução, fronteiras, limites e biologia não estão completamente definidos. São formas de vida que viraram signos. Signos que se tornaram vivos.”
(Do livro Linguagens líquidas na era da mobilidade, de Lúcia Santaella. São Paulo: ed. Paulus, 2007.)
Mil platôs, de Deleuze e Guattari (1995-1997), é uma extensa obra recheada de concepções denunciadoras da fugacidade das moradas, dos territórios, das linhas e dos espaços, dos corpos, dos afetos e das intensidades. Nomadismo, desterritorialização e dobra, as mais absorvidas entre essas concepções (...) fazem hoje parte do vocabulário corrente até mesmo das mentes mais reservadas e conservadoras. Menos circulante, dado o estranhamento que produz à primeira vista, é o conceito de corpo sem órgãos.
(...) Quando a aceleração do mundo industrializado não havia ainda tomado conta da existência humana, era fácil acreditar na estabilidade de nossos limites corporais e na sua identidade unitária. Ora, essa crença foi erodida (...). E são muitas as razões para isso. De um lado, temos de conviver hoje com as feridas narcísicas que as descobertas freudianas provocaram ao diagnosticar as desordens identificatórias que constituem o eu, do qual a imagem corporal, sempre fragmentada, é indissociável. De outro lado, surgiram os avanços da biologia, da engenharia genética, da medicina, as máquinas exploratórias para o diagnóstico médico, a multiplicação crescente e assoberbante das imagens do corpo na mídia, as simbioses cada vez mais íntimas do corpo com as tecnologias.
(...) De resto, a instabilidade tende a crescer quando aqueles que estão estudando a cultura da mobilidade, fruto das mídias de comunicação sem fio, móveis, hoje, falam em presença mediada, telepresença, presença ausente, distância virtual, ubiqüidade, todas elas expressões que colocam em questão antigas certezas sobre a nossa corporeidade.
(...) O que somos nós, então? Corpos materiais? Órgãos e fronteiras? Ou talvez pura dinâmica e transparências? A que universo pertencemos? À biologia ou à cultura? Para Deleuze e Guattari, somos corpos sem órgãos, comparáveis aos ovos: sem forma, irrealizados e líquidos, imersos em representações fluidas e fugidias. Corpos cuja única essência é a de suas dinâmicas e intensidades ainda sem nome. Corpos cuja evolução, fronteiras, limites e biologia não estão completamente definidos. São formas de vida que viraram signos. Signos que se tornaram vivos.”
(Do livro Linguagens líquidas na era da mobilidade, de Lúcia Santaella. São Paulo: ed. Paulus, 2007.)
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