Caros, ontem eu participei de um debate sobre o tema “O espaço da crítica”, no evento Encontros de Interrogação, promovido pelo Instituto Itaú Cultural. A discussão foi muito boa. Estavam na mesa comigo na Leda Tenório da Mota, Mário Hélio e Francisco Bosco. Leiam abaixo alguns trechos de minha intervenção:
“Cada poema constitui uma poética”, dizia Waly Salomão, pois o poeta faz escolhas estéticas e conceituais no próprio ato criativo. Neste sentido, cada texto literário não é apenas um fato artístico, mas também um ato de reflexão crítica. Esta afirmação recorda outra, de Jorge Luis Borges, para quem o escritor escolhe os seus antecessores, e logo constrói uma tradição pessoal. Sua literatura dialoga com o conjunto da tradição literária e a reinterpreta, segundo uma visão particular. Quando lemos Fernando Pessoa, por exemplo, não lemos apenas Fernando Pessoa, mas também os poetas com quem ele dialogou e incorporou em sua escrita, como Camilo Pessanha e Cesário Verde. Se lemos Cruz e Sousa, é impossível não lermos os ecos de Baudelaire e Verlaine, ou, no caso de Ezra Pound, de boa parte da literatura ocidental, de Homero aos trovadores provençais, dos elisabeteanos ingleses à poesia francesa do final do século XIX, além dos ecos da poesia chinesa e da filosofia de Confúcio.
Para lermos uma obra como os Cantos, precisamos decifrar sucessivas camadas de palipmsestos, que nos revelam camadas múltiplas de significados, que se manifestam na forma de citações, alusões, paródias e outras formas intertextuais. O primeiro poema dos Cantos, como vocês se lembram, é uma tradução de um fragmento da Odisséia de Homero, retirado de seu contexto original e inserindo em outro, ganhando assim novos sentidos.
“A literatura vem da literatura”, dizia Jorge Luís Borges, ecoando o conceito de Edgar Allan Poe, expresso no Princípio Poético, de que a imaginação humana trabalha de forma combinatória. O poeta não é um deus que cria uma obra a partir do nada; ele parte de um idioma, do léxico, da sintaxe, de técnicas estruturais e de versificação que assimilou da tradição para compor o seu poema, combinando esses elementos de forma particular para expressar a sua mitologia pessoal. Cada poema é o resultado de uma operação de leitura e constitui não só uma poética, mas ainda uma reflexão crítica sobre o cânone e uma estratégia de criação que parte do passado, se estabelece no presente e se projeta no futuro, quando se torna referência para outro poema. Sendo assim, não é absurdo afirmar que a crítica surge com a própria poesia, já que esta se manifesta na escolha de determinados processos criativos e na recusa de outros, conforme determinados valores sobre o belo, o verdadeiro e o moderno.
A crítica como um sistema organizado de idéias, porém, surge com as primeiras poéticas, como as de Aristóteles e de Horácio, que afirmavam o princípio da mímese, ou seja, que a arte é imitação da realidade, e ainda o ideal de elevação do caráter do homem pela apreciação do objeto artístico, o que levou Aristóteles a exaltar a tragédia em detrimento da comédia, pois a primeira expressava como o homem deveria ser, e a segunda, como o homem é. Já Horácio é conhecido pela máxima segundo a qual a função da literatura seria “instruir e deleitar”, em que está implícita a noção de busca do bem e da verdade.
O vínculo entre arte, ética e metafísica atravessa o Renascimento, quando o conceito de Beleza cresce em importância, prossegue no Barroco e entra em crise no século XVIII, com o Iluminismo, quando começa o divórcio entre ética e estética. A Beleza passa a ser o valor central na obra de arte, que não precisa se justificar como espelho da realidade ou veículo de moralização. O passo seguinte foi dado entre o final do século XIX e o início do século XX, quando o ideal da arte deixa de ser o Belo para ser o Moderno, como escreveu Paulo Leminski.
O poema é despido de sua aura ética e metafísica e apresentado como estrutura, forma construída, materialidade semântica. Essa mudança de paradigma tem reflexos também na crítica, que se volta ao estudo dos aspectos formais da obra poética, como acontece no formalismo russo ou no estruturalismo francês.
“Cada poema constitui uma poética”, dizia Waly Salomão, pois o poeta faz escolhas estéticas e conceituais no próprio ato criativo. Neste sentido, cada texto literário não é apenas um fato artístico, mas também um ato de reflexão crítica. Esta afirmação recorda outra, de Jorge Luis Borges, para quem o escritor escolhe os seus antecessores, e logo constrói uma tradição pessoal. Sua literatura dialoga com o conjunto da tradição literária e a reinterpreta, segundo uma visão particular. Quando lemos Fernando Pessoa, por exemplo, não lemos apenas Fernando Pessoa, mas também os poetas com quem ele dialogou e incorporou em sua escrita, como Camilo Pessanha e Cesário Verde. Se lemos Cruz e Sousa, é impossível não lermos os ecos de Baudelaire e Verlaine, ou, no caso de Ezra Pound, de boa parte da literatura ocidental, de Homero aos trovadores provençais, dos elisabeteanos ingleses à poesia francesa do final do século XIX, além dos ecos da poesia chinesa e da filosofia de Confúcio.
Para lermos uma obra como os Cantos, precisamos decifrar sucessivas camadas de palipmsestos, que nos revelam camadas múltiplas de significados, que se manifestam na forma de citações, alusões, paródias e outras formas intertextuais. O primeiro poema dos Cantos, como vocês se lembram, é uma tradução de um fragmento da Odisséia de Homero, retirado de seu contexto original e inserindo em outro, ganhando assim novos sentidos.
“A literatura vem da literatura”, dizia Jorge Luís Borges, ecoando o conceito de Edgar Allan Poe, expresso no Princípio Poético, de que a imaginação humana trabalha de forma combinatória. O poeta não é um deus que cria uma obra a partir do nada; ele parte de um idioma, do léxico, da sintaxe, de técnicas estruturais e de versificação que assimilou da tradição para compor o seu poema, combinando esses elementos de forma particular para expressar a sua mitologia pessoal. Cada poema é o resultado de uma operação de leitura e constitui não só uma poética, mas ainda uma reflexão crítica sobre o cânone e uma estratégia de criação que parte do passado, se estabelece no presente e se projeta no futuro, quando se torna referência para outro poema. Sendo assim, não é absurdo afirmar que a crítica surge com a própria poesia, já que esta se manifesta na escolha de determinados processos criativos e na recusa de outros, conforme determinados valores sobre o belo, o verdadeiro e o moderno.
A crítica como um sistema organizado de idéias, porém, surge com as primeiras poéticas, como as de Aristóteles e de Horácio, que afirmavam o princípio da mímese, ou seja, que a arte é imitação da realidade, e ainda o ideal de elevação do caráter do homem pela apreciação do objeto artístico, o que levou Aristóteles a exaltar a tragédia em detrimento da comédia, pois a primeira expressava como o homem deveria ser, e a segunda, como o homem é. Já Horácio é conhecido pela máxima segundo a qual a função da literatura seria “instruir e deleitar”, em que está implícita a noção de busca do bem e da verdade.
O vínculo entre arte, ética e metafísica atravessa o Renascimento, quando o conceito de Beleza cresce em importância, prossegue no Barroco e entra em crise no século XVIII, com o Iluminismo, quando começa o divórcio entre ética e estética. A Beleza passa a ser o valor central na obra de arte, que não precisa se justificar como espelho da realidade ou veículo de moralização. O passo seguinte foi dado entre o final do século XIX e o início do século XX, quando o ideal da arte deixa de ser o Belo para ser o Moderno, como escreveu Paulo Leminski.
O poema é despido de sua aura ética e metafísica e apresentado como estrutura, forma construída, materialidade semântica. Essa mudança de paradigma tem reflexos também na crítica, que se volta ao estudo dos aspectos formais da obra poética, como acontece no formalismo russo ou no estruturalismo francês.
(CONTINUA)
CD, belo texto... Nada surge do nada... Poe, na minha modesta opinião, foi muito feliz, criativo e inteligente: a criação humana brota de algo, de um espanto, uma inquietude, um diálogo, um insight e até uma homenagem... Abs do Josealoisebahiabhzmg...
ResponderExcluirPS1: quero imprimir este texto na íntegra...
PS2: tô tentando postar comentários... Não consigo... Tentarei de novo...