segunda-feira, 23 de março de 2015

A CHINA VOLTOU AO CAPITALISMO?














Não exatamente. Haroldo Lima, no livro “China: 50 anos de república popular” (São Paulo: Ed. Anita Garibaldi, 1999) escreve: “O papel dirigente do plano na economia manifesta-se na manutenção de 14.400 empresas estatais, de grande ou médio porte, plantadas nos setores estratégicos do país. Essas empresas contribuem com 52% das rendas do Estado. Asseguram o rumo geral socialista da economia, puxando um cortejo de centenas de milhares de iniciativas empresariais de variados tipos”. O estado chinês detém o monopólio de todas as terras – que podem ser arrendadas para exploração privada, mas permanecem propriedade estatal --, do petróleo, riquezas do subsolo, sistema financeiro, vias de transporte e meios de comunicação, além de controlar diversas indústrias de grande porte. Há serviços públicos e gratuitos de saúde para atender à população, embora também haja instituições privadas. A economia chinesa, desde as resoluções do XIII Congresso do Partido Comunista Chinês (PCCh), é uma “economia mercantil planificada socialista”, em que coexistem “múltiplas formas de propriedade dos meios de produção”, incluindo a privada e a estrangeira, sob “o predomínio da propriedade social”, escreve Haroldo Lima. 

Graças a esse novo modelo, introduzido por Deng Xiao Ping, a China conseguiu desenvolver suas forças produtivas, a ponto de tornar-se a maior economia do planeta, superando os Estados Unidos e a Europa, investir em ciência, tecnologia e na erradicação da miséria do país. A inspiração dos comunistas chineses é a Nova Política Econômica (NEP) implementada por Lênin na União Soviética, na década de 1920, que visava os mesmos objetivos: 1) manter o poder político nas mãos do partido da classe operária; e 2) usar mecanismos de mercado, investimentos estrangeiros e a propriedade individual para desenvolver em pouco tempo o país, submetendo esses mecanismos e formas de propriedade às necessidades da planificação estatal da economia. 

Marx e Engels consideravam o socialismo como a conseqüência lógica do desenvolvimento capitalista em seu mais alto grau, quando haveria uma contradição radical entre as relações de produção e o modo de produção. Rússia e China, que realizaram revoluções socialistas antes mesmo de passarem por um período de pleno desenvolvimento capitalista, foram obrigadas a acenarem ao capital privado como condição para criarem as bases materiais, científicas e tecnológicas necessárias para a construção do socialismo. Ao mesmo tempo, a adoção de mecanismos de mercado visa tornar as empresas estatais mais dinâmicas, ágeis, competitivas, produtivas. Conforme diz Lima: “um estudo mostra que cerca de 11 mil grandes e médias empresas industriais estatais chinesas, que representam 2,9% do número total das empresas industriais do país, contribuem com quase 50% do valor da produção nacional e pagam, em benefícios e impostos, 67% do que o Estado arrecada. Elas controlam artérias vitais da economia chinesa, como os setores energéticos básicos, de transporte, de eletricidade, de maquinaria pesada, de siderurgia e de produtos químicos”. 

Há pouco menos de cem anos, a China era um país semicolonial, semifeudal, com o seu território retalhado pela Inglaterra, Alemanha, França, Japão, Portugal, Rússia e Estados Unidos (um cartaz colocado pelos franceses em um parque público tinha os seguintes dizeres: "É proibida a entrada de cães e de chineses"). A imensa maioria da população camponesa vivia em situação de miséria e analfabetismo e as mulheres não tinham os mesmos direitos que os homens. A China exportava alimentos e matérias-primas e importava quase tudo, inclusive ópio, que os ingleses introduziram no país asiático para obter imensos lucros com o tráfico de drogas legal (o ópio, proibido na Inglaterra, era cultivado pelos ingleses na Índia e exportado para a China e outros países). Após se libertar da ocupação imperialista japonesa na Segunda Guerra Mundial, em que morreram 20 milhões de chineses, e a vitória da Revolução Socialista em 1949, organizada pelo Partido Comunista Chinês, liderado por Mao Tsé Tung, a China tornou-se um país soberano, independente, unificado, expropriou os senhores feudais, recuperou a maioria de seus territórios ocupados pelas potências estrangeiras, como Macau, Hong Kong e o Tibete (permanecem irresolvidas as questões de Taiwan, Quemoy e Matsu, tutelados pelos EUA) e reconheceu a igualdade de direitos entre homens e mulheres, o casamento civil, os direitos ao divórcio e ao aborto. 

Nas décadas de 1950-1960, a China realizou a reforma agrária e lançou um ambicioso plano de industrialização do país, inspirado no modelo soviético de planos quinqüenais, que permitiu ao país, em poucos anos, produzir aviões à jato, foguetes, satélites e até a bomba atômica (feitos que seriam impossíveis sem uma indústria moderna e diversificada e domínio científico e tecnológico). O Grande Salto para a Frente, implementado no final da década de 1950, porém, não atingiu todos os resultados esperados e a situação do país tornou-se caótica com a Revolução Cultural, que desorganizou a economia, o partido e quase levou o país à guerra civil. Após a morte de Mao Tsé Tung e a ascensão de Deng Xiao Ping a China voltou a investir nas bases necessárias para a construção socialista: desenvolvimento das forças produtivas, da tecnologia, eliminação da pobreza e inserção no plano internacional, fazendo frente ao imperialismo – por exemplo, colaborando para a criação do banco dos BRICs, realizando acordos de parceria com a Rússia e os países do MERCOSUL, defendendo a soberania da Síria, da Venezuela, da Coréia do Norte e de outros países ameaçados pelos Estados Unidos e também colaborando em projetos para o desenvolvimento de países africanos. A China é hoje a primeira economia do mundo, possui 1/4 da população do planeta e o êxito de sua estratégia de criação de novos caminhos de cooperação internacional é essencial para a superação da hegemonia norte-americana e o início de uma nova era multipolar.

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