terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

CÂNONE E ANTICÂNONE (I)



ARNALDO ANTUNES, O POETA DAS PALAVRAS E DAS COISAS

Arnaldo Antunes é um poeta que dialoga com o Tropicalismo e a Poesia Concreta, mas também com a tradição clássica, com sua métrica e rimas (“Pensamento vem de fora / e pensa que vem de dentro”), a canção popular, a tecnologia eletrônica e as artes visuais, como o desenho e a fotografia. Sua jornada poética começou em 1986, com a publicação do livro Ou e, composto de poemas caligráficos que exploram a dimensão visual das palavras, e logo seguiram outros, como Tudos (1990), As Coisas (1992, prêmio Jabuti de poesia), Nome (1993, trilogia composta de livro, CD e fita de vídeo), 2 ou + corpos no mesmo espaço (1997), Et Eu Tu (2003, em parceria com a fotógrafa Márcia Xavier), Como É Que Chama o Nome Disso (2006) e N. D. A. (2010). Em seus textos criativos, que não raro dissolvem as fronteiras entre a prosa e a poesia (o que é mais nítido no livro As Coisas), Arnaldo Antunes utiliza técnicas de diagramação, diferentes fontes, cores e corpos de letras, que moldam o sentido construtivo de cada composição. Sua estratégia de buscar novas formas de expressão poética levaram-no a fazer experiências que unem a palavra, a imagem, o som, o movimento, cujo resultado mais inventivo é o trabalho Nome. Arnaldo Antunes retoma a proposta “verbivocovisual” do movimento concretista, mas em outro diapasão, que aceita também a influência da linguagem das histórias em quadrinhos, das placas de sinalização, dos videoclipes e outros ícones da cultura de massa dos centros urbanos. Estes elementos são visíveis em seus poemas publicados em livros e também nas suas canções – ele integrou a banda de rock Titãs, na década de 1980, com a qual gravou sete discos, entre eles o clássico Cabeça dinossauro, e depois iniciou carreira solo, lançando discos como O silêncio, Um som, O corpo (trilha para dança), Paradeiro, Saiba, Qualquer, Ao Vivo no Estúdio (também em DVD), entre outros.

A linguagem coloquial da música pop está presente no trabalho criativo do poeta, assim como a fragmentação semântica do concretismo, o absurdo intencional de Gertrude Stein, o discurso e o imaginário das crianças – Arnaldo Antunes transforma as perplexidades do mundo infantil em versos anárquicos e contundentes (“como é que chama o nome disso?”). O próprio estilo caligráfico do poeta está impregnado da “mão infantil”, que traz para a escrita poética o encantamento de um olhar primitivo, de descoberta – ou redescoberta – dos nomes e das coisas. Em Palavra desordem (2002), por sua vez, o poeta cria paródias de anúncios publicitários: em oposição ao olhar receptivo de quem busca nomear as coisas, próprio do universo lúdico da criança, Arnaldo revela aqui o olhar da cultura de massa, que trabalha com a síntese, a concisão, os trocadilhos e ao mesmo tempo com o clichê e a redundância. Ao parodiar o estilo publicitário, Arnaldo faz uma crítica bem-humorada e provocativa ao repertório midiático. Em Et Tu Eu (2003), o artista mutante faz uma nova peripécia, dessa vez em diálogo com a fotografia de Márcia Xavier: palavras e imagens se completam, se opõem, se interpenetram, deixando ao leitor apenas pistas de significação. Há diversos outros aspectos que podem ser observados no trabalho de Arnaldo Antunes, um dos autores mais inventivos da atual literatura brasileira, mas vale a pena destacar suas intervenções na chamada poesia digital ou eletrônica, da qual é um dos precursores no Brasil, ao lado de Augusto de Campos, e sua atuação no campo da performance, em que o próprio corpo do poeta participa do fazer poético. Em 2011, aliás, o autor participou do festival ibero-americano de poesia performática 2011 poetas por km2, que aconteceu no Centro Cultural São Paulo (CCSP), que também apresentou seus experimentos na área da poesia digital na mostra Videopoéticas, que teve a curadoria de Elson Fróes. Já em 2012, Arnaldo Antunes participou da performance transoceânica PEDRA, juntamente com o artista visual Frederic Amal, de Barcelona – o evento, que aconteceu simultaneamente no Brasil e na Espanha, com transmissão via internet, faz parte da programação da Anilla Cultural, promovida pelo Centro Cultural São Paulo em parceria com instituições ibero-americanas. Arnaldo Antunes é um poeta que experimenta novas possibilidades para a poesia, indo além do livro como suporte e da palavra como única linguagem: tudo, para ele, pode ser transformado em poesia.

(Artigo publicado na edição de fevereiro da revista CULT)


Um comentário:

  1. uma poética que talvez ecoe o tractatus, do wittgenstein; porque ali a palavra tem algo em comum com o mundo - e este algo em comum ela não diz, mas exibe/mostra.

    por isso uma poesia de rompimento das fronteiras do dizer. acho fantástico.

    tenho a revista, ficou muito 10 a coluna, claudio.

    beijo,

    mar

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