terça-feira, 25 de dezembro de 2012

QUATRO POEMAS DE DANÍIL IVÁNOVITCH KHARMS (1905-1942)



NOTAÇÃO Nº 10 NO CADERNO AZUL

Havia um cara ruivo que não tinha nem olhos, nem orelhas. Nem tinha cabelos, portanto, chamá-lo de ruivo é uma coisa teórica.

     Não podia falar, pois não tinha boca. E nem tinha nariz.

     Não tinha braços nem pernas. Não tinha barriga, e muito menos costas; não tinha espinha e nem qualquer tipo de entranhas. Não tinha nada de nada! Portanto, não há nem como saber de quem nós estamos falando.

     Na verdade, é melhor que a gente nem diga mais nada sobre ele.


UM ENCONTRO

Certa ocasião, um homem foi trabalhar e, no caminho, se encontrou com outro homem que tinha comprado um pão polonês e estava voltando para casa.

     E foi apenas isto.


INCIDENTES

Um dia, Orlóv se entupiu de ervilhas e morreu. E Krylóv, ao saber disso, morreu também. E Spiridonov morreu por sua própria conta. E a mulher de Spiridonov caiu do guarda-louças e morreu também. E os filhos de Spiridonov se afogaram no lago. E a sogra de Spiridonov encheu a cara e deu no pé. E Mikháilovitch parou de pentear o cabelo e acabou pegando sarna. E Kruglóv desenhou uma mulher com um chicote na mão e perdeu o juízo. E Pierekhriestóv recebeu quatrocentos rublos pelo correio e ficou tão0 posudo que acabou sendo mandado embora de seu emprego.

     São todos gente boa – mas não conseguem mais manter os pés no chão.


A ILUSÃO DE ÓTICA

Semiôn Semiônovitch, de óculos, olha para um pinheiro e vê: no pinheiro está sentado um camponês mostrando-lhe o punho.

Semiôn Semiônovitch, sem óculos, olha para o pinheiro e vê que não há ninguém sentado no pinheiro.

Semiôn Semiônovitch, de óculos, olha para um pinheiro e vê de novo que, no pinheiro, está sentado um camponês mostrando-lhe o punho.

Semiôn Semiônovitch, sem óculos, olha para o pinheiro e vê de novo que não há ninguém sentado no pinheiro.

Semiôn Semiônovitch, de óculos, outra vez, olha para um pinheiro e vê de novo que, no pinheiro, está sentado um camponês mostrando-lhe o punho.

Semiôn Semiônovitch não quer acreditar nesse fenômeno e considera esse fenômeno uma ilusão de ótica.


Tradução: Lauro Machado Coelho

(in Poesia Soviética. São Paulo: Algol Editora, 2007) 

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