NOTAÇÃO Nº 10 NO CADERNO
AZUL
Havia um cara ruivo que não tinha nem olhos, nem orelhas. Nem tinha cabelos, portanto, chamá-lo de ruivo é uma coisa teórica.
Não podia falar,
pois não tinha boca. E nem tinha nariz.
Não tinha braços
nem pernas. Não tinha barriga, e muito menos costas; não tinha espinha e nem
qualquer tipo de entranhas. Não tinha nada de nada! Portanto, não há nem como
saber de quem nós estamos falando.
Na verdade, é
melhor que a gente nem diga mais nada sobre ele.
UM ENCONTRO
Certa ocasião, um homem foi trabalhar e, no caminho, se
encontrou com outro homem que tinha comprado um pão polonês e estava voltando
para casa.
E foi apenas isto.
INCIDENTES
Um dia, Orlóv se entupiu de ervilhas e morreu. E Krylóv, ao
saber disso, morreu também. E Spiridonov morreu por sua própria conta. E a
mulher de Spiridonov caiu do guarda-louças e morreu também. E os filhos de
Spiridonov se afogaram no lago. E a sogra de Spiridonov encheu a cara e deu no
pé. E Mikháilovitch parou de pentear o cabelo e acabou pegando sarna. E Kruglóv
desenhou uma mulher com um chicote na mão e perdeu o juízo. E Pierekhriestóv
recebeu quatrocentos rublos pelo correio e ficou tão0 posudo que acabou sendo
mandado embora de seu emprego.
São todos gente boa
– mas não conseguem mais manter os pés no chão.
A ILUSÃO DE ÓTICA
Semiôn Semiônovitch, de óculos, olha para um pinheiro e vê:
no pinheiro está sentado um camponês mostrando-lhe o punho.
Semiôn Semiônovitch, sem óculos, olha para o pinheiro e vê que
não há ninguém sentado no pinheiro.
Semiôn Semiônovitch, de óculos, olha para um pinheiro e vê de
novo que, no pinheiro, está sentado um camponês mostrando-lhe o punho.
Semiôn Semiônovitch, sem óculos, olha para o pinheiro e vê de
novo que não há ninguém sentado no pinheiro.
Semiôn Semiônovitch, de óculos, outra vez, olha para um
pinheiro e vê de novo que, no pinheiro, está sentado um camponês mostrando-lhe
o punho.
Semiôn Semiônovitch não quer acreditar nesse fenômeno e
considera esse fenômeno uma ilusão de ótica.
Tradução: Lauro Machado Coelho
(in Poesia Soviética.
São Paulo: Algol Editora, 2007)
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