sábado, 10 de novembro de 2012

POEMAS DE MARCELI ANDRESA BECKER




SONHOS – IV

meia-noite.

meus seios doíam até o outro lado do atlântico. (era evidente por quê): uma fitinha estreita, vermelha, daquelas que facilitam a abertura de embalagens

*

de bolacha recheada, contornava internamente cada um dos mamilos. a ponta, língua de minúscula serpente, ficava bem na altura areolar em que o relógio marca

*

meia-noite.

(em que o sinal da cruz coloca
o pai).

*

silenciosa e pacientemente, posicionei os dedos para puxá-la.


 
203 - I

desta vez não falarei das bonecas que há anos
perdi debaixo da cama.

compraram ingressos para a minha
sessão blood de cinema —

cinevodu:

que se furam,
que se furam.

EM CARTAZ!

*

tomada 1: luz.

QUANTA DISTÂNCIA, mãe?
uma sala de costura.

na minúscula almofada, os vinte e dois alfinetes,
teu cobreiro de aço inoxidável.

*

tomada 2: câmera.

A QUANTOS METROS mais, para que não me ferisses,

hidra-de-lâminas, obsessiva sombra
da cozinha?

o olhar, uma pedra.

o silêncio a vapor do lado de dentro da pedra.
(lambê-la, lembras? afiar a língua.)

depois o teu doce
em banho-

maria,

*

uma criança a vapor no chuveiro.

as gotículas que se condensavam, aqui e ali,
porque aos poucos a noite aprendia

a chorar.

*

tomada 3: ação.

grande coisa corroer pedidos de desculpa
com a música gastrointestinal da lira.

o seu canto lactobacílico.

*

JÁ DISSE QUE NÃO,

desta vez não falarei da loja, das tesouras, das peças
dos manequins.

vinte metros de passarela,
o corredor do 203:

uma vitrine onde o meu corpo anoréxico
vagou durante anos, insone,

*

BANHEIRO, DESCARGA,
QUARTO.

banheiro, quarto, sessão de exorcismo.

a minha vida.
a minha vida.

*

todas as vozes de emily rose.

(uma rosa é uma rosa é uma rosa)
seus longos espinhos

furando

as minhas bonecas,
a tua minúscula almofada,
o meu coração.

*

cheguei a pensar que o teu negócio
fosse uma espécie

de,

sabes? — como se diz:
um necrotério haute couture.

2 comentários:

  1. Feliz de estar aqui. Grande abraço, Claudio.

    Mar

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  2. muito belo. alfinetes, costuras - essas "coisas de mulher" nunca me pareceram tão revolucionárias: surpreendente uso nessa outra rainha, a poesia.

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