quarta-feira, 7 de novembro de 2012

POEMAS DE LUIZ ARISTON


A VIDA É UMA MULHER NEGRA

A vida é uma mulher negra
Que sorri seus dentes brancos
De leite
Sobre as nossas cabeças
Como espadas cadentes que são
E são papões e são tutus
Monstros dos olhos e orifícios
Com muco nas mucosas
Pelos sombra e vida crua
Nos invadem vem de dentro
Eviscerando eviscerando
Até restar somente a pele
E o cheiro ocre muda em grito
E muda em grito interminável
E muda em choro
E muda em sonho
E muda em nada muda
Para quem corremos
E que nos socorre
Desta nossa vida a mulher negra


A vida é uma mulher negra
Que sorri seus dentes brancos
Em nossos espelhos
Cara a cara
Enquanto nos havemos outros mais felizes
Em quanto ela sorri
De quem dançamos quem sorrimos
Vai navalha nesta valsa
De olhos cegos sem coleira
Ela sorri ela sorri
A nos deixar felicidades
Nos lugares nas angústias
Da ilusão da verdade da ilusão
Da verdade da ilusão da verdade
Que de tão simples
Tão simplesmente simples
De tão óbvia
E de tão bêbados gozamos
Afogados entre os seios
Desta nossa vida a mulher negra

A vida é uma mulher negra
Que sorri seus dentes brancos
Em nossa cola
Nos nossos cangotes
E já não podemos olhar pra trás
Sem virar sal
E nos viramos e vemos
Na medusa a nós atrelada
A estrela de brilho intenso
Que não fomos
Porque não pudemos ver
Porque não podemos ver
A estrela de brilho intenso
Senão na medusa a nós atrelada
Que insistimos em ver e virar
A virar sal
Sem desejar mais nada
Além de deleitosamente
Dissolver-se entre os dentes brancos
Desta nossa vida a mulher negra

TREINAMENTO

Razão de ser, estava escrito,
Razão da existência, me calo.
Repito, interminavelmente,
Em pensamento e pensamento
Até que de tão rápido o fluxo
Estanca e a frase permanece
Infinita, suspensa, imóvel:
Razão de ser é vasto e nulo.

Razão de ser são objetivos
E seus planos para alcançá-los,
Leio em voz alta, lentamente,
E o meu cachorro, sonolento,
Levanta a cabeça e me escuta,
Trazendo a mim a sua espécie
Dos cachorros que, para Borges,
Não tem passado nem futuro.

Mas razão da existência existe?
E o texto cita como análogo:
O que somos principalmente
É mudarmo-nos, movimento,
Melhor que a razão nos conduza,
Como se nós nunca estivéssemos
Entre a beira da própria morte
E a do delírio da cultura.

Razão da existência é mijo.
Não já disse uma vez Heráclito,
Que presentes estão ausentes
Na ilusão do conhecimento?
Meu cachorro, lambendo o cu,
É darma e que se lhe impusessem
Razão de ser, seria só
Por doma, nunca por virtude.

 
HAPPY HOUR

Hoje bebemos mais cerveja,
E disse, depois de outro gole,
O consumidor brasileiro...
Procurei o consumidor
Em seus olhos embaciados,
Então me ocorreu: pouco importa!
E meu corte me recortou:
A morte é desimportância.

Quem sou eu, senão que não seja
Um que sinceramente bole,
Um que passe por verdadeiro
E que seja bom vendedor,
Quer auto, quer alteramado.
A morte é charada morta
No insight que se recortou
Em asco, nojo, náusea e ânsia.

Mas per capta talvez nem, veja,
Sessenta litros extrapole.
Demócrito, meu timoneiro,
Me diga se aquilo que for
Eternamente recortado,
Como um nada que nem se corta,
Não está morto, pois encontrou,
De si mesmo, a eterna distância?

Se eterno remorrer peleja
Com falações de bundas-moles...
Ah, a mijada no banheiro!
Um mercado bem promissor,
Um gole, se bem explorado.
Se bem for, o estômago aborta.
E sempre serei quem eu sou:
Ignorância da ignorância.


CONGRATULAÇÕES

Ela passava fugidia.
Parabéns, chefe! foi falado,
Todos olhamos e sorrimos,
Uns levantaram-se das mesas,
A conquista é merecida,
Disse outro e eu desfrutava
De um momento em que se comprazem
Sinceridade e hipocrisia.

Sinceridade e hipocrisia:
Simpatia. Muito obrigada,
Mas todos nós a construímos.
Não que somar duas fraquezas,
Vieses da visão da vida,
A crença mais não desagrava:
Pensamento e razão nos trazem
Realidade ou fantasia?

Realidade e fantasia,
Mais dois opostos conjuntados?!
Zenão, por que me desanimo?
Roubar do tirano a surpresa
Em haver a língua cuspida
Que o torturado desencrava
Com seus dentes, aos que se aprazem,
Só o sucesso sentencia.

Só o sucesso sentencia.
Nosso time é de resultado.
O alarme traiu, existimos.
Simulação (que sutileza!)
De incêndio. A brigada, a batida,
Fui ao banheiro, alguém cagava.
À vez, os que se contrafazem
Descansam da pedagogia.


* * *

Artistas e criação não se entendem
porque artistas não se entendem
e porque não se entende
o que não se entende
que não se entende

E ao contrário do fim
não se entende
o que se entende
como artistas não se entendem
E assim não se entende
o que não se entende
que se entende
até o fim dos artistas

Um comentário:

  1. Celso Vegro10.11.12

    A vida é uma mulher negra foi um dos poemas mais impactantes que já discutimos nos nossos encontros do laboratório. Trazer o Luis para aqui foi uma brilhante iniciativa.

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