A VIDA É UMA MULHER NEGRA
A
vida é uma mulher negra
Que
sorri seus dentes brancos
De
leite
Sobre
as nossas cabeças
Como
espadas cadentes que são
E
são papões e são tutus
Monstros
dos olhos e orifícios
Com
muco nas mucosas
Pelos
sombra e vida crua
Nos
invadem vem de dentro
Eviscerando
eviscerando
Até
restar somente a pele
E
o cheiro ocre muda em grito
E
muda em grito interminável
E
muda em choro
E
muda em sonho
E
muda em nada muda
Para
quem corremos
E
que nos socorre
Desta
nossa vida a mulher negra
A
vida é uma mulher negra
Que
sorri seus dentes brancos
Em
nossos espelhos
Cara
a cara
Enquanto
nos havemos outros mais felizes
Em
quanto ela sorri
De
quem dançamos quem sorrimos
Vai
navalha nesta valsa
De
olhos cegos sem coleira
A
nos deixar felicidades
Nos
lugares nas angústias
Da
ilusão da verdade da ilusão
Da
verdade da ilusão da verdade
Que
de tão simples
Tão
simplesmente simples
De
tão óbvia
E
de tão bêbados gozamos
Afogados
entre os seios
Desta
nossa vida a mulher negra
A
vida é uma mulher negra
Que
sorri seus dentes brancos
Em
nossa cola
Nos
nossos cangotes
E
já não podemos olhar pra trás
Sem
virar sal
E
nos viramos e vemos
Na
medusa a nós atrelada
A
estrela de brilho intenso
Que
não fomos
Porque
não pudemos ver
Porque
não podemos ver
A
estrela de brilho intenso
Senão
na medusa a nós atrelada
Que
insistimos em ver e virar
A
virar sal
Sem
desejar mais nada
Além
de deleitosamente
Dissolver-se entre os dentes brancos
Desta nossa vida a mulher negra
TREINAMENTO
Razão de ser, estava escrito,
Razão da existência, me calo.
Repito,
interminavelmente,
Em
pensamento e pensamento
Até
que de tão rápido o fluxo
Estanca
e a frase permanece
Infinita,
suspensa, imóvel:
Razão
de ser é vasto e nulo.
Razão de ser são objetivos
E seus planos para alcançá-los,
Leio
em voz alta, lentamente,
E
o meu cachorro, sonolento,
Levanta
a cabeça e me escuta,
Trazendo
a mim a sua espécie
Dos
cachorros que, para Borges,
Não
tem passado nem futuro.
Mas
razão da existência existe?
E
o texto cita como análogo:
O que somos principalmente
É mudarmo-nos, movimento,
Melhor que a razão nos conduza,
Como
se nós nunca estivéssemos
Entre
a beira da própria morte
E
a do delírio da cultura.
Razão
da existência é mijo.
Não
já disse uma vez Heráclito,
Que
presentes estão ausentes
Na
ilusão do conhecimento?
Meu
cachorro, lambendo o cu,
É
darma e que se lhe impusessem
Razão
de ser, seria só
Por
doma, nunca por virtude.
HAPPY HOUR
Hoje bebemos mais cerveja,
E
disse, depois de outro gole,
O consumidor brasileiro...
Procurei
o consumidor
Em
seus olhos embaciados,
Então
me ocorreu: pouco importa!
E
meu corte me recortou:
A
morte é desimportância.
Quem
sou eu, senão que não seja
Um
que sinceramente bole,
Um
que passe por verdadeiro
E
que seja bom vendedor,
Quer
auto, quer alteramado.
A
morte é charada morta
No
insight que se recortou
Em
asco, nojo, náusea e ânsia.
Mas per capta talvez nem, veja,
Sessenta litros extrapole.
Demócrito,
meu timoneiro,
Me
diga se aquilo que for
Eternamente
recortado,
Como
um nada que nem se corta,
Não
está morto, pois encontrou,
De
si mesmo, a eterna distância?
Se
eterno remorrer peleja
Com
falações de bundas-moles...
Ah,
a mijada no banheiro!
Um mercado bem promissor,
Um
gole, se bem explorado.
Se
bem for, o estômago aborta.
E
sempre serei quem eu sou:
Ignorância
da ignorância.
CONGRATULAÇÕES
Ela
passava fugidia.
Parabéns, chefe! foi falado,
Todos
olhamos e sorrimos,
Uns
levantaram-se das mesas,
A conquista é merecida,
Disse
outro e eu desfrutava
De
um momento em que se comprazem
Sinceridade
e hipocrisia.
Sinceridade
e hipocrisia:
Simpatia.
Muito obrigada,
Mas todos nós a construímos.
Não
que somar duas fraquezas,
Vieses
da visão da vida,
A
crença mais não desagrava:
Pensamento
e razão nos trazem
Realidade
ou fantasia?
Realidade
e fantasia,
Mais
dois opostos conjuntados?!
Zenão,
por que me desanimo?
Roubar
do tirano a surpresa
Em
haver a língua cuspida
Que
o torturado desencrava
Com
seus dentes, aos que se aprazem,
Só
o sucesso sentencia.
Só
o sucesso sentencia.
Nosso time é de resultado.
O
alarme traiu, existimos.
Simulação
(que sutileza!)
De
incêndio. A brigada, a batida,
Fui
ao banheiro, alguém cagava.
À
vez, os que se contrafazem
Descansam
da pedagogia.
*
* *
Artistas
e criação não se entendem
porque
artistas não se entendem
e
porque não se entende
o
que não se entende
que
não se entende
E
ao contrário do fim
não
se entende
o
que se entende
como
artistas não se entendem
E
assim não se entende
o
que não se entende
que
se entende
até
o fim dos artistas
A vida é uma mulher negra foi um dos poemas mais impactantes que já discutimos nos nossos encontros do laboratório. Trazer o Luis para aqui foi uma brilhante iniciativa.
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