sábado, 13 de agosto de 2011
POEMAS DE AIMÉ CÉSAIRE
CADASTRE, 1961
MÁGICO
com um naco de céu sobre um quinhão de terra
vocês feras que assobiam sobre o rosto desta morta
vocês livres avencas por entre as rochas assassinas
no extremo da ilha por entre as conchas muito vastas para seu destino
quando o meiodia cola seus timbres ruins sobre as dobras tempestuosas da loba
fora do quadro de ciência nula
e a boca das paredes do ninho sufeta das ilhas engolidas como um tostão
com um naco de céu sobre um quinhão de terra
profeta das ilhas esquecidas como um tostão
sem sono sem vigília sem dedo sem palancre
quando o tornado passa roedor do pão das cabanas
vocês feras que assobiam sobre o rosto dessa morta
a bela onça da luxúria e o caracol operculado
mole deslizamento dos grãos do verão que fomos
belas carnes a transpassar com o tridente das araras
quando as estrelas chanceleiras de cinco galhos
trevos no céu como gotas de leite derramado
reajustam um deus negro mal nascido de seu trovão
FILHO DO TROVÃO
E sem que ela tenha se dignado a seduzir os carcereiros
em seu bustiê se descamou um buquê de pássaros-moscas
em suas orelhas germinaram brotos de atóis
ela me fala uma língua tão doce que de início não compreendo mas ao longo adivinho que ela
me afirma que a primavera chegou à contracorrente
que toda sede está estancada que o outono se conciliou conosco que as estrelas na rua
floriram em pleno meio-dia e muito baixo suspendem seus frutos
TOTEM
De longe ao perto de perto ao longe o sistro dos circuncisos e um sol sem modos
bebe na glória do meu peito um grande gole de vinho tinto e de moscas
como de piso em piso de destreza em herança o totem
não saltaria ao topo dos buildings sua tepidez de chaminé e de traição?
como a distração salgada de tua língua destruidora
como o vinho de teu veneno
como teu riso de costas de marsuíno na prata do naufrágio
como a ratazana verde que nasce da bela água cativa de tuas pálpebras
como a corrida das gazelas de sal fino da neve sobre a cabeça selvagem das mulheres e do
abismo
como os grandes estames de teus lábios no filete azul do continente
como o resplendor de fogo do minuto na trama serrada do tempo
como a cabeleira de giesta que se obstina a brotar em fim de outono de teus olhos de marina
cavalos da quadriga pisem a savana de minha palavra vasta aberta
do branco ao fulvo
há os soluços o silêncio o mar vermelho e a noite
AS ARMAS MILAGROSAS
SOL SERPENTE
Sol serpente olho fascinando o meu olho
e o mar miserável de ilhas crepitando nos dedos das rosas
lança-chamas e o meu corpo intacto de fulminado
a água exalta as carcaças de luz perdidas no corredor sem pompa
dos turbilhões de gelo em pedaços aureolam o coração fumegante dos corvos
nossos corações
é a voz dos raios cativados girando sobre seus gonzos de camaleoa
transmissão de anolis à paisagem de vidros quebrados são
as flores vampiras na troca das orquídeas
elixir do fogo central
fogo justo fogo mangueira de noite coberta de abelhas meu
desejo um acaso de tigres surpresos nos enxofres mas o despertar
estanhoso dá jazidas infantis
e o meu corpo de seixo comendo peixe comendo
pombas e sonos
o açúcar da palavra Brasil no fundo do pântano.
MITOLOGIA
em amplos golpes de espada de sisal dos teus braços selvagens
em grandes golpes selvagens dos teus braços livres de amassar o amor a teu grado batéké
dos teus braços de receptação e de dom que batem com clarividência os espaços cegos banhados
por pássaros
profiro ao vão linhoso da vaga infantil dos teus seios o jorro do grande mapu
nascido do teu sexo onde pende o fruto frágil da liberdade
Tradução: Eclair Antonio Almeida Filho
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