A criação artística, nesse contexto cultural, não é vista como mera representação da natureza ou de conceitos éticos e metafísicos, mas como modo de conduta, ascese, prática para iluminação espiritual. A esse respeito, vale a pena citar Daisetz Suzuki, para quem “O aspecto prático e racional da pintura (vijnana) consiste no manuseio do pincel, na combinação de cores, no desenho das linhas, em resumo, na sua técnica. A mera maestria da técnica, porém, não satisfaz; nas profundezas de nossa consciência, sentimos que há algo mais profundo a ser atingido ou descoberto. Enquanto não descobrirmos este mistério, nenhuma arte será verdadeira. O mistério pertence ao reino da metafísica, está além da compreensão; surge do prajna, da sabedoria transcendental. Partindo desse ponto de vista, o povo japonês considera cada arte como uma forma de aprendizagem que confere uma percepção profunda da beleza da vida. Pois a beleza transcende todo pensamento racional e utilitário; ela é o próprio Mistério. No Japão, não se estuda a arte apenas pela arte em si, mas também como um meio de acesso à iluminação espiritual. Se a arte não transcendesse seus próprios limites, conduzindo a algo mais profundo e fundamental, isto é, se não se convertesse na equivalência de algo espiritual, os japoneses não a considerariam digna de estudo.” Um princípio essencial da filosofia da arte japonesa é o makoto, que pode ser traduzido “palavra verdadeira”, “essência”, “sinceridade”, “fidelidade”, “dedicação”, “lealdade”, “honestidade” ou “coração”. Esse princípio diz respeito a uma atitude interior, e ao mesmo tempo a um princípio cósmico. É “a lei suprema do universo”, segundo o tratado Chuang-Yung, a essência mais profunda do homem e do cosmo. Um poema tem makoto se ele tem sinceridade, se vem do coração, e não é apenas um artifício ou ornamento. Outro princípio importante é yugen. Yugen significa “mistério”, “charme sutil”. Os dois ideogramas que compõem a palavra significam, respectivamente, mistério e obscuridade. Segundo Darci Yasuco, “yugen possui um significado além das aparências.” “Os fatores primordiais que constituem o yugen são a beleza e a elegância, aliadas à suavidade; o refinamento físico e espiritual.” “São igualmente expressões de yugen a beleza ideal, sublime, com uma aura de mistério”.
Um haicai tem yugen se ele consegue enfocar o tema de modo raro, brilhante, mas com sutileza, leveza, sem ostentação ou vulgaridade. Assim, por exemplo, neste poema de Bashô, que trata do silêncio: “dia de finados / do jeito que estão / dedico as flores”. Ushin refere-se ao poema que consegue expressar uma emoção poética profundamente sentida. O ideograma de ushin é formado por dois kanjis que se traduzem por “ter coração”. Esse conceito, a princípio, denominava um estilo poético em que as qualidades predominantes eram a gentileza e a elegância; depois, passou a designar o poema que está repleto de emoção, como neste haicai de Buson, também traduzido por Leminski: “outono a tarde cai / penso apenas / em minha mãe e meu pai”. Já mushin significa a beleza transcendente e intuitiva, que não pode ser analisada ou explicada. Ela nomeia um estágio de desenvolvimento espiritual em que vigora a pura intuição e que só encontra paralelo na visão unificadora do satori. Por fim, vamos falar de mais dois conceitos essenciais à arte japonesa: sabi e wabi. Sabi se aplica a poemas caracterizados pelo clima de solidão e de tranqüilidade. Um texto tem sabi quando mostra a calma, a resignada solidão do homem em meio à grandeza do universo. Como neste poema de Issa, cheio de recolhimento e interiorização: “Em solidão, / como a minha comida / e sopra o vento de outono”. Wabi também conota solidão, mas desta vez com referência à vida do eremita, do asceta. Designa a tranqüilidade da pobreza voluntária, do despojamento que liberta o espírito dos desejos que prendem ao mundo. A arte que tem wabi trabalha com o mínimo de elementos, apenas com aqueles suficientes para indicar a integração entre homem e universo. É a perfeição do imperfeito, a beleza do assimétrico, humilde, irregular, que corresponde à visão budista da realidade como algo efêmero e mutável. Um exemplo de wabi é o jardim de pedra e areia de um templo em Kyoto. Outro exemplo de wabi consta numa história tradicional, que conta um episódio do mestre zen Riyoki: convidado por um nobre poderoso a mostrar sua perícia na arte dos arranjos florais, Riyoki é recebido no palácio, mas entregam a ele apenas as flores e uma bacia de água, sem os apetrechos necessários para fazer o arranjo. Em poucos minutos, Riyoki cortou as pétalas e as dispôs de maneira harmônica na água da bacia, com elegância e beleza. Um exemplo de wabi em haicai é este poema de Shiki, traduzido por Maurício Arruda Mendonça: “No meio do mato / a flor branca / seu nome desconhecido”.
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