quinta-feira, 23 de maio de 2013

UMA VOZ DISSONANTE NO PANORAMA DA POESIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA


Suplemento Literário de Minas Gerais publicou um dossiê sobre a nova poesia brasileira na forma de depoimentos em que poetas escrevem sobre poetas. Eu escolhi escrever sobre uma jovem autora que venho acompanhando há alguns anos e que sempre me surpreende pela ousadia e criatividade temática e formal: 


Marceli Andresa Becker é a voz mais interessante que surgiu na poesia brasileira nos últimos anos. Gaúcha, professora de filosofia e editora da revista eletrônica Mallarmargens, a autora vem publicando em seu blog, De ter de onde se ir (http://deterdeondeseir.blogspot/. com.br/), fragmentos de um poema longo, assimétrico e descontínuo chamado Das Irmãs, composição a meio fio entre o relato confessional e a mais pura abstração, em que sons e imagens formam uma estranha e sinestésica pintura semântica. O poema apresenta cenas de mutilação, de simbiose monstruosa, de deformação ou transfiguração intencional de corpos e objetos: é um relato sobre a sexualidade, mas não apenas isso, aborda também o problema da identidade (duplicada na irmã misteriosa), da efemeridade da vida (a morte como única realidade inescapável). Não há uma lógica linear discursiva no poema, mas uma ratio caleiodoscópica, combinatória, mais próxima talvez de Mallarmé e de Rimbaud do que de Herberto Helder. A maneira como os signos apresentam-se, aproximam-se, transformam-se, distanciam-se, obedece a um ritmo não apenas referencial, mas também plástico: nisso está a sua unidade. Admirável pelas sinestesias e metáforas como “a luz se despede do sangue. / as minhocas descem para aquele continente / onde o silêncio se avoluma / e produz ecos”, pelo brutalismo hellraiser de outras passagens -- “ganchos onde eu poderia pendurar / tuas vísceras, / (o peso), / levá-las de lá para cá, / (o amor), / como uma espécie de açougue / ambulante”, o poema incorpora ainda a ironia, o humor negro, o non sense e a teratologia, numa síntese de radical originalidade. A poesia de Marceli Andresa Becker é uma droga pesada, que nada tem a ver com milkshakes, jujubas ou patinhos de borracha. É uma vodka com alto teor alcoólico, para aqueles que amam a poesia como a mais radical experiência sensorial criada pela mente humana.

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