Rodrigo Garcia Lopes é um dos
mais expressivos poetas brasileiros que iniciaram sua jornada na década de 1990,
ao lado de Claudia Roquette-Pinto, Carlito Azevedo, Ricardo Aleixo e Josely
Vianna Baptista, para citar poucos nomes. Seu livro de estreia, Solarium, publicado em 1994, é um registro de dez anos de trabalho poético
do autor e apresenta poemas “dos mais variados estilos, com técnicas e texturas
que seduzem e declaram a liberdade de evocar diferentes performances em seu
discurso”, como escreve Maurício Arruda Mendonça na “orelha” do livro.
Encontramos neste volume desde poemas que exploram o espaço em branco da
página, a geometria e a variação tipográfica, com ecos da Poesia Concreta, até
o haicai, gênero que praticou com o pseudônimo de Satori Uso, na época em que
atuou como jornalista na Folha de
Londrina (“formigas dragam / uma abelha / ainda viva”; “pombos se aquecem /
num resto / de sol”). Os poemas mais característicos dessa fase de Rodrigo
Garcia Lopes, no entanto, são as composições mais discursivas, com versos
longos, próximos à prosa, imagens quase fotográficas da natureza e um intenso
lirismo, escritos numa linguagem direta e coloquial, como O processo: “Música devorando plantas, nossas palavras. / Quer
dizer, um ruído em você, a água irisando / entre pedras imóveis. / Como aqui: /
vendo nuvens soprarem / chuvas para o sul, onde o deserto / parece tão perto /
e continua a rolar suas areias / como num movimento decisivo / de um jogo de
Go”. Visibilia, publicado em 1997, traz
poemas mais concisos em que as rimas, aliterações e outros recursos sonoros são
usados para construir os jogos do pensamento, numa unidade entre fundo e forma.
Uma peça significativa desse volume é o poema Fugaz: “o outro é aquele que ficou à margem / no espanto de um
pronome, / no corpo de uma brisa suave; / o outro é como uma fome / pluma à
deriva, à distância, ou quase. // estranho em sua própria viagem, / garrafa com
uma mensagem, / olhar durando numa flor, / sem nome, secreta, selvagem”.
É possível reconhecer afinidades entre a
poética de Rodrigo Garcia Lopes e a de Paulo Leminski, que também conciliou a
fala coloquial e o humor com as rimas e outros jogos de linguagem, mas são
autores com projetos literários diferentes. Rodrigo Garcia Lopes tem vocação
para escrever poemas longos, polifônicos, que incorporam cenas do cotidiano
misturadas a referências literárias, cinematográficas e mitológicas de
diferentes idiomas e culturas, fazendo do próprio tecido poético a imagem do
mundo caótico em que vivemos. Esse
projeto alcançou o seu nível de maior radicalidade inventiva com Polivox, publicado em 2001. Como o
próprio título indica, este é um livro plural, onde encontramos desde um sutil
e delicado lirismo, que recorda a canção popular, até o impacto visual de
certas imagens e a violência tonal de farpas vocais. O poeta fratura a lógica
narrativa e sequencial do discurso, operando o corte imprevisto e a montagem de
frases, como se o volume fosse um cinema em versos. A metáfora está
presente, até com fúria barroca ("Céus de cristal líquido. / Limalhas de
ferro formam uma rosa imantada"), mas o que predomina é a reflexão
crítica, via linguagem, sobre a época ruidosa em que vivemos, época de
violência e banalidade em que o mercado, hostil ao artista e à obra de arte, se
sobrepõe a qualquer esforço de reconstrução da ética e do humanismo, impondo a
hegemonia do lugar-comum.
Em
vez de entoar um coral melancólico, porém, Rodrigo registra imagens da aldeia
enlouquecida, com sátira e ironia, usando inclusive, de maneira paródica,
recursos do videoclipe e o vocabulário digital. Assim, por exemplo, na peça de
abertura do livro, que recorda um jogo alucinado ("On line. Psiu: 'Épico é
poema / contendo história'. / E se um Plano de Saúde / Pudesse expressar / sua
/ Individualidade?"). Em contraste com o Leviatã midiático, que intenta o
exílio do refinamento pela imposição de caricaturas alienantes, Rodrigo compõe
sua sinfonia com símbolos vivos de múltiplos territórios e culturas. Ao longo
de Polivox, vamos encontrar
referências a mitologias, poéticas e religiões, como o budismo e o xamanismo,
concepções mais orgânicas do que pode ser o humano e o estar no mundo,
superando fronteiras espaciais e temporais e também balizas de repertório. Na
seção do livro chamada Thoth, o autor
dissolve as noções de prosa e poesia, razão e onirismo, para compor uma elegia
egípcia ao deus dos escribas e da linguagem ("Sou Thoth, deus dos dizeres,
senhor dos sentidos / o que assimila o semblante / de todos os deuses").
Em outra peça de boa fatura, nesta mesma seção, o autor diz: "A deusa lua
entra no salão de espelhos, em transe: / para onde olha, linguagem (vibrátil),
estranhos / estilhaços de um corpo que mutua / mente se reflete: até o infinito.
/ E feitos da mesma imagem / (que se rebate) / até o infinito".
O movimento alucinado de
imagens também comparece em Nômada,
livro mais recente de Rodrigo Garcia Lopes, publicado em 2004, onde encontramos
insólitas composições como esta: “Levamos mapas que modificam e se estendem a
cada passo sobre a língua do arvoredo ou universo plano de pétala pensada por
um animal, céu virando o rosto, a curvatura de sua mente, esse mais longo dos
dias” (Fragmentos em movimento). Maria Esther Maciel, a propósito desse trabalho,
escreve: “Nômada se aproxima tanto da música quanto do cinema. Seus trânsitos
se evidenciam por blocos rítmicos sem ponto de origem, sempre no meio da linha
ou da página e por imagens em movimento. Travellings , closes, avanços, recuos,
velocidades e lentidões marcam sua temporalidade, seu devir. (...) Aliás, todo
o livro se estrutura como uma totalidade aberta, uma montagem rítmica e
visual”. Rodrigo Garcia Lopes, que também é músico e compositor, lançou ainda
dois CDs, Polivox e Canções do Estúdio Realidade e já se
apresentou no programa Poesia pra tocar
no rádio, do Centro Cultural São Paulo, participou do I Seminário de Ação
Poética e publicou uma plaquete pela coleção Poesia Viva, editada pela
Curadoria de Literatura e Poesia do Centro Cultural São Paulo.
Artigo publicado na edição de maio da revista CULT, que também traz fotos e poemas inéditos do autor.
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