quarta-feira, 6 de julho de 2011

OITO ELEGIAS CHINESAS, TRADUZIDAS POR CAMILO PESSANHA

SOBRE O TERRAÇO

Os antigos mortos, invisivelmente,
Vêm ainda ao seu terraço antigo...
Já sopra da nona lua o vento lamentoso.
De os três rios devem estar a chegar os gansos de arribação.

Cobrem nuvens a vastidão dos dois Kuangs.
Declina, pálido, o sol sobre Pang-Lai.
Desterrado da Pátria e sem notícias dela,
Para essas bandas volvo de contínuo os meus olhos.

Wang-Ting-Hsiang


À NOITE, NO PEGO-DRAGÃO

Donde vem este perfume de flores, embalsamando a noite puríssima?
Entre bouças e fragas, uma cabana de ola, perto da qual um arroio murmura...
Como de costume, o eremita parte ao surgir a Lua.
Em um covão do monte, um pássaro, poisado, ininterruptamente gorjeia.

Não lhe importa que as ervas, impregnadas do orvalho, lhe encharquem as alpercatas de junça.
As suas vestes de ligeiro cânhamo, soergue-as, enviesando, a brisa primaveril...
À borda da torrente, intento fazer versos ao viço das orquídeas.
Embargam-mo as saudades violentas, empolgando-me, do Kiang-Pei e do Kiang-Nan.

Wang-Shau-Jen

ASCENSÃO AO MIRADOURO DO KIANG

Este altíssimo torreão abandonado foi outrora célebre.
Aqui plantou seus estandartes, ornados de dragões, o fundador da dinastia Han.
Defendia-o, como inultrapassável fosso, a virtude do rei...
Eram supérfluos os circundantes canais.
Faziam-lhe guarda as próprias tribos bárbaras. De que serviriam muralhas de pedra?

Hoje, como então, a montanha esplende de régia majestade.
Rolam do Kiang as águas; e céu e terra confundem as suas vozes outonais.
Da comoção que sente, assomando no alto, quem poderia ordenar o poema?
Pavilhão novo, pavilhão novo! - de pungentes mágoas milenárias...

Wang-Shan-Jen

EM U-CH'ANG

Em Hsian-Hsian é já quase Outono,
Embora não caia ainda a folha nos jardins do Tung-Ting.
É noite, e da minha mansarda ouço chover,
Sozinho na cidade de U-Ch'ang.

E lembram-me a amoreira e a catalpa da casa paterna,
Ao sentir perto as águas do Kiang e do Han...
Vá entender alguém a grulhada dos gansos,
O festivo alvoroço com que emigram!

Hsii-Chên C'hing


EVOCAÇÕES DO PASSADO

Eis-me o forasteiro de Ing...Mas baldada romagem!
Emudeceram de Ing os afamados cânticos.
E alto o pavilhão para onde as beldades se retiraram.
A música da Torrente é a que ora modulam...

Os túmulos das princesas para que lado ficam?
Sobre Hsian-Hsiang pairam nuvens negras.
Deste abandono só eu penetro bem a essência.
Do Kiang à borda, desgarrado e triste.

Hsii-Chên C'hing


FANTASIA DA PRIMAVERA

Cai o sol no imenso horizonte, em flor, do Kiang.
Pára o viandante a olhar. A chuva, que do arvoredo ainda goteja, vai-lhe repassando a túnica...
Oh! se dos mil chorões, à volta das ruínas do palácio real de Ch'u,
As flores soltas me fizessem cortejo, à despedida, no regresso à Pátria.

Hsii-Chên C'hing

SOLEDADE

Deleita-me a solidão desta choupana...
Mas doí-me ao recordar vozes amigas.
Sim, geme o verdelhão - mas em país de exílio.
Conturba-me a cor da relva o coração, que remoça.

Desce o sol, em um poente de cirros amarelos.
Passam nuvens sobre o mar - que é mais ferrete.
Segunda Lua... . E, na algaravia dos grasnidos,
Oiço os gansos darem o alarme para o regresso.

Pien-Kung

QUEIXUMES DAS ESPOSAS DO HSIANG

Ilhéus do Norte de Hsiang , onde as orquídeas se ceifam!
Plainos do Sul do Lai, onde se talham as essências de preço!
As águas, puras, têm cromatismos de ágata,
Subtil a brisa vibrações de jada.

Sobe a névoa, entre as sombras do Tsang-u.
Baixa o sol entre as brumas do Ting-tang...
As penas dos bambus, quem é que as sabe?
Mas bem se lhes vêem os sinais das lágrimas.

Li-Mang-Iang

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