sábado, 14 de fevereiro de 2015

RETRATO DO ARTISTA















A MULTIPOESIA DE AUGUSTO DE CAMPOS

Augusto de Campos realiza uma pesquisa poética regida pelo signo da invenção, utilizando recursos das tecnologias digitais que permitem integrar palavra, som, imagem, movimento, tempo e espaço em composições que solicitam a participação inteligente do leitor para a construção de significados. Em Criptocardiograma, peça que integra a série Clip-poemas, publicada em sua página na internet, a leitura é interativa: cabe ao leitor arrastar as letras de um menu-alfabeto para dentro de um campo de ícones, substituindo cada ícone por uma letra para compor o poema, numa operação lúdica que recorda o engenho barroco da poesia visual labiríntica. A interatividade está presente no trabalho do poeta paulistano desde Colidouescapo (1971), pequeno álbum com folhas soltas que podem ser intercambiadas em diferentes sequências, permitindo a construção de palavras inusitadas, pela recombinação de morfemas (destinto, desescanto, resiscanto). Em Poemóbiles (1974), obra realizada em parceria com o artista visual Júlio Plaza, o autor nos apresenta a um ciclo de doze poemas-objeto coloridos tridimensionais manipuláveis, assim como as esculturas móveis de Alexander Calder, que podem ser lidos na horizontal, na vertical ou na diagonal, de baixo para cima ou de cima para baixo, numa pluralidade de rotas interpretativas. O poema Viva Vaia, que integra o conjunto, chama a atenção pela tipologia empregada, que abole as fronteiras entre palavra e imagem: os signos visuais podem ser lidos como letras e ainda como formas plásticas, recuperando a dimensão visual da escrita. Este é um dos aspectos centrais na poesia de Augusto de Campos, um dos fundadores da Poesia Concreta – ao lado de seu irmão Haroldo de Campos e de Décio Pignatari – e atinge o ponto de maior desenvolvimento na Caixa Preta (1975), conjunto de poemas visuais e poemas-objeto elaborados novamente em parceria com Júlio Plaza, no qual se destaca o poema Pulsar, em que as letras mesclam-se a sinais gráficos como círculos e estrelas, que substituem as vogais. A peça foi musicada por Caetano Veloso e consta na gravação em vinil que acompanha a Caixa Preta. A relação de Augusto de Campos com a música é antiga: já no ciclo de poemas coloridos de temática amorosa Poetamenos (1955), publicado no segundo número da revista Noigandres, a sintaxe discursiva é substituída pela organização gráfico-visual das palavras, inspirada na técnica da “melodia de timbres” do músico austríaco Anton Webern (cada cor equivale a uma nota distribuída a um instrumento musical diferente). É preciso destacar também a poesia participante de Augusto de Campos, especialmente o poema Greve (1961), Luxo / Lixo (1965), construído como paródia das logomarcas comerciais, e a série de poemas-cartazes Popcretos (1964-1966), que afirmam a contestação da ordem capitalista via linguagem. Em Psiu, poema circular construído a partir da colagem de textos e imagens recortados de jornais e revistas, lemos a frase “Saber viver, saber ser preso, saber ser solto” junto a retalhos semânticos como “bomba”, “dinheiro”, “amar”, “livre” e “paz” e de “pedaços de mensagens comerciais, referências à ditadura militar e aos atos institucionais”[1], como observou Flora Sussekind.  Os poemas mais recentes de Augusto de Campos estão reunidos em Despoesia (1993) e Não (2003), além do volume Viva Vaia (2001), que reúne seus primeiros livros, e do CD Poesia é Risco (1994), realizado em parceria com o músico Cid Campos. O poeta desenvolve hoje trabalhos na área da poesia digital, utilizando programas de multimídia para explorar a animação e a interatividade, que podem ser acessados no site http://www.uol.com.br/augustodecampos.

(Artigo de Claudio Daniel publicado na edição de fevereiro/2015 da revista CULT, na coluna RETRATO DO ARTISTA.) 


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