Augusto
de Campos realiza uma pesquisa poética regida pelo signo da invenção,
utilizando recursos das tecnologias digitais que permitem integrar palavra,
som, imagem, movimento, tempo e espaço em composições que solicitam a
participação inteligente do leitor para a construção de significados. Em Criptocardiograma, peça que
integra a série Clip-poemas,
publicada em sua página na internet, a leitura é interativa: cabe ao leitor
arrastar as letras de um menu-alfabeto para dentro de um campo de ícones,
substituindo cada ícone por uma letra para compor o poema, numa operação lúdica
que recorda o engenho barroco da poesia visual labiríntica. A interatividade
está presente no trabalho do poeta paulistano desde Colidouescapo (1971), pequeno álbum com folhas
soltas que podem ser intercambiadas em diferentes sequências, permitindo a
construção de palavras inusitadas, pela recombinação de morfemas (destinto,
desescanto, resiscanto). Em Poemóbiles (1974), obra realizada em parceria com
o artista visual Júlio Plaza, o autor nos apresenta a um ciclo de doze
poemas-objeto coloridos tridimensionais manipuláveis, assim como as esculturas
móveis de Alexander Calder, que podem ser lidos na horizontal, na vertical ou
na diagonal, de baixo para cima ou de cima para baixo, numa pluralidade de
rotas interpretativas. O poema Viva
Vaia, que integra o conjunto, chama a atenção pela tipologia empregada, que
abole as fronteiras entre palavra e imagem: os signos visuais podem ser lidos
como letras e ainda como formas plásticas, recuperando a dimensão visual da
escrita. Este é um dos aspectos centrais na poesia de Augusto de Campos, um dos
fundadores da Poesia Concreta – ao lado de seu irmão Haroldo de Campos e de
Décio Pignatari – e atinge o ponto de maior desenvolvimento na Caixa Preta (1975), conjunto de poemas visuais e
poemas-objeto elaborados novamente em parceria com Júlio Plaza, no qual se
destaca o poema Pulsar, em
que as letras mesclam-se a sinais gráficos como círculos e estrelas, que
substituem as vogais. A peça foi musicada por Caetano Veloso e consta na
gravação em vinil que acompanha a Caixa Preta. A relação de Augusto de
Campos com a música é antiga: já no ciclo de poemas coloridos de temática
amorosa Poetamenos (1955), publicado no segundo número da
revista Noigandres, a
sintaxe discursiva é substituída pela organização gráfico-visual das palavras,
inspirada na técnica da “melodia de timbres” do músico austríaco Anton Webern
(cada cor equivale a uma nota distribuída a um instrumento musical diferente).
É preciso destacar também a poesia participante de Augusto de Campos,
especialmente o poema Greve (1961), Luxo / Lixo (1965), construído como paródia das
logomarcas comerciais, e a série de poemas-cartazes Popcretos (1964-1966), que afirmam a contestação
da ordem capitalista via linguagem. Em Psiu,
poema circular construído a partir da colagem de textos e imagens recortados de
jornais e revistas, lemos a frase “Saber viver, saber ser preso, saber ser
solto” junto a retalhos semânticos como “bomba”, “dinheiro”, “amar”, “livre” e
“paz” e de “pedaços de mensagens comerciais, referências à ditadura militar e
aos atos institucionais”[1],
como observou Flora Sussekind. Os poemas mais recentes de Augusto de
Campos estão reunidos em Despoesia (1993) e Não (2003), além do volume Viva Vaia (2001), que reúne seus primeiros
livros, e do CD Poesia é Risco (1994), realizado em parceria com o
músico Cid Campos. O poeta desenvolve hoje trabalhos na área da poesia digital,
utilizando programas de multimídia para explorar a animação e a interatividade,
que podem ser acessados no site http://www.uol.com.br/augustodecampos.
(Artigo de Claudio Daniel publicado na edição
de fevereiro/2015 da revista CULT, na coluna RETRATO DO ARTISTA.)
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