FLOR TRISTEZA
Com as folhas da cor de pele de rato, abre-se nas tardes de
chuva quando as acácias são um mar de cheiro de mel. Aberta à luz mais morta,
goteja prantos para todo lado. Se tivesse mãos lhe dirias: “Toma” e lhe darias
o lenço. Se caminhas nas pontas dos pés cansado da comédia, ouvirás uns
pequenos gemidos. Se caminhas a passos largos, ela se espanta e cala. Se lhe
dizes “coitadinha”, estás perdido. Vale mais te fazeres de distraído e a
olhares sem interesse, esperares que ela se canse e que vá montanha acima
porque ela já não agüenta.
FLOR GULOSA
Te come vivo. Te agarra, te dobra, te engole e cospe os
botões. Te assimila muito lentamente porque parece que tem a digestão difícil.
É melhor assim.
FLOR DOIDA
É muito pegajosa e muito perigosa. Foi desleixada e Deus nos
livre do que já está feito. Não é nem bonita nem feia: é uma flor. Tem forma de
aranha e cor de cera. O sangue doce dos homens a atrai. Espera, na beira dos
caminhos, que passem; mas têm de usar calças compridas. De um salto sobe-lhes
pelo sapato e, com grande cautela, se esconde entre a perna da calça e a pele,
segue para cima e pára perto do joelho. Abraça-se e dorme.
FLOR MÁ
É de uma cor de caramelo de menta, cheia de matizes. Tem uma
pétala pendente, com falbalás, e duas horizontais que lhe saem para fora como
duas conchas de mexilhão, fechadas por uma aldraba tuberosa. É Flor-mexilhão
com crista e aldraba. Se paras para olhá-la, a crista se move zangada, a
aldraba se levanta, a flor-mexilhão se abre e mostra uma lingueta escura como
chocolate, brilhante de verniz. Furiosa de ver ao lado uma cabeça no alto de um
homem, põe a língua de fora.
FLOR VERGONHA
Enquanto as pétalas se separam do botão para fazer-se flor,
ela as expulsa de si. Não quer ser flor. Não quer que a retratem.
Tradução: Ronald
Polito
(Poemas extraídos da plaquete Flores autênticas. Fuchu-shi, Tokyo-to: Edições do Outro Mundo, 2004)
Grande blog:)
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