sexta-feira, 1 de novembro de 2013

POEMAS DE MERCÈ RODODERA





FLOR TRISTEZA

Com as folhas da cor de pele de rato, abre-se nas tardes de chuva quando as acácias são um mar de cheiro de mel. Aberta à luz mais morta, goteja prantos para todo lado. Se tivesse mãos lhe dirias: “Toma” e lhe darias o lenço. Se caminhas nas pontas dos pés cansado da comédia, ouvirás uns pequenos gemidos. Se caminhas a passos largos, ela se espanta e cala. Se lhe dizes “coitadinha”, estás perdido. Vale mais te fazeres de distraído e a olhares sem interesse, esperares que ela se canse e que vá montanha acima porque ela já não agüenta.


FLOR GULOSA

Te come vivo. Te agarra, te dobra, te engole e cospe os botões. Te assimila muito lentamente porque parece que tem a digestão difícil. É melhor assim.


FLOR DOIDA

É muito pegajosa e muito perigosa. Foi desleixada e Deus nos livre do que já está feito. Não é nem bonita nem feia: é uma flor. Tem forma de aranha e cor de cera. O sangue doce dos homens a atrai. Espera, na beira dos caminhos, que passem; mas têm de usar calças compridas. De um salto sobe-lhes pelo sapato e, com grande cautela, se esconde entre a perna da calça e a pele, segue para cima e pára perto do joelho. Abraça-se e dorme.


FLOR MÁ

É de uma cor de caramelo de menta, cheia de matizes. Tem uma pétala pendente, com falbalás, e duas horizontais que lhe saem para fora como duas conchas de mexilhão, fechadas por uma aldraba tuberosa. É Flor-mexilhão com crista e aldraba. Se paras para olhá-la, a crista se move zangada, a aldraba se levanta, a flor-mexilhão se abre e mostra uma lingueta escura como chocolate, brilhante de verniz. Furiosa de ver ao lado uma cabeça no alto de um homem, põe a língua de fora. 


FLOR VERGONHA

Enquanto as pétalas se separam do botão para fazer-se flor, ela as expulsa de si. Não quer ser flor. Não quer que a retratem.


Tradução: Ronald Polito

(Poemas extraídos da plaquete Flores autênticas. Fuchu-shi, Tokyo-to: Edições do Outro Mundo, 2004)

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