terça-feira, 6 de julho de 2010

UMA CONVERSA COM HORÁCIO COSTA (I)





CD: Você viveu muitos anos no México, onde lecionou na UNAM e travou conhecimento com autores como Octavio Paz, Manuel Ullacia e Eduardo Milán. O que essa convivência com o ambiente cultural da América Hispânica trouxe para sua poesia e para a sua formação?

Horácio: A primeira parte da resposta é, sob todos os pontos de vista, previsível: a minha longa estada no México foi importante em todos os aspectos da minha vida, dos literários aos não-literários. Em poucas palavras, estive na iminência de virar mexicano, de solicitar uma segunda nacionalidade. Também nos Estados Unidos, onde vivi antes de ir dar ao México e por um longo período entre as minhas duas permanências no México, senti num dado momento que podia virar americano. Nas duas vezes, nos USA primeiro e no México depois, me deu uma vertigem, uma sensação de estar na frente de um abismo, e nas duas vezes eu literalmente dei para trás: era possível essa experiência, devido aos aspectos eminentemente burocráticos de quem permanece tanto em outro país, porém ela me parecia subjetivamente impossível.

Quando saí do Brasil, em 1981, para estudar em Nova Iorque, queria poder me dar o direito de escrever a minha obra no exterior. Pois bem, pude; e inclusive convivi intelectualmente com muita gente boa. Nos Estados Unidos, com Emír Rodríguez Monegal, que foi meu professor na USP e que me incentivou a sair do país; ao longo da minha permanência fora, com o Manuel Ullacia, com quem estive casado por dezessete anos, e no México, claro, estava o Paz, uma figura solar, que me recebeu muito bem e com quem por anos convivi cordialmente, até que deixei de fazê-lo, pouco antes de sua morte e do meu regresso ao Brasil. Ao redor de Vuelta reunia-se um grupo de jovens intelectuais de várias origens e idiossincrasias, foi assim que desenvolvi uma amizade literária profunda com o Milán, que era estrangeiro e sul-americano como eu, e que ironizava a organização um tanto piramidal da vida literária mexicana, mas também com outros mexicanos e hispano-americanos. Mas isso tudo você já sabe, é parte da minha biografia pública, digamos.

A segunda parte da resposta é menos previsível porque o mundo mudou e quase não nos lembramos mais de como as coisas eram nos anos setenta. Eu fui para o México porque tive uma formação latino-americanista na USP, na FAU principalmente — sim, eu estudei arquitetura e urbanismo e trabalhei no Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo antes de sair do Brasil. Lá tive aulas com Aracy Amaral e Renina Katz, que falavam entusiasticamente do México, e com Irlemar Chiampi e Jorge Schwartz, na Letras, bem como com o filósofo mexicano Leopoldo Zea, na História. Nos anos 70, a América Latina era um espaço imaginário de contestação política e cultural; sob os nossos militares, sonhávamos com a integração continental. Lembro-me que o Milton Hatoum e eu, numa casinha que compartilhávamos na rua Isabel de Castela — o nome sempre nos pareceu emblemático — compramos uma biblioteca de escritores hispano-americanos, e líamos Borges e Paz, Carpentier e Cortázar, e historiadores da América Hispânica. Foi muito bonito.

Pois bem, nos Estados Unidos eu me dei conta de que sim, eu poderia tornar-me um norte-americano se quisesse, mas nunca seria um americano completo se a experiência hispânica não se realizasse; parece simples como enunciado, mas foi um problemão logístico poder realizar este insight. Nos anos 70 ia-se via de regra estudar em Paris, no mais das vezes, no máximo nos USA, mas ninguém pensava em ir estudar e viver e escrever no México; isso era coisa de exilados políticos à la Francisco Julião, mas não de um jovem intelectual burguês ainda em formação. Então, ter ido ao México para ficar tem um sabor de realização de um projeto geracional para mim, que eu nunca olvidei e que ainda norteia a minha vida intelectual e a minha produção poética. Cresci intelectualmente under the volcano, foi lá que vi o Brasil a distância, e foi de lá que eu resolvi voltar para cá.

(Trechos da entrevista que fiz com Horácio Costa, publicada na revista argentina Tsé Tsé em 2004.)

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