domingo, 30 de maio de 2010

POESIA EM REVISTA (III)







ZUNÁI, REVISTA DE POESIA E DEBATES
Ano VI, edição XX.


Flores de cerejeira: breves considerações sobre o haicai no Brasil, de Gustavo Felicíssimo.

Luigi Russolo e a arte dos ruídos: uma introdução à música futurista, de Sérgio Medeiros.

Cartas de Luanda: O dinheiro nas marcas simbólicas da água, de Abreu Paxe.

“Uma poesia solar: aquela que dialoga com o mistério da semente.” Uma conversa com o poeta angolano João Maimona.

Galeria: exposição virtual de Francisco Faria.

Depoimentos e Debates: É possível mudar o cânone literário?

Alguns contos: onze novos narradores, apresentados por Marcelino Freire.

Poemas de Wilson Bueno, Horácio Costa, Virna Teixeira, Micheliny Verunschk, Yao Feng, Fernanda Dias.

Traduções de Joyce Mansour (Inglaterra), Malcolm de Chazal (Ilhas Maurício), Norma Cole (EUA), Edmond Jabès (Egito), Adonis (Líbano), Shu Wang (Macau), Sohrab Sepehri (Irã).

Zunái, Revista de Poesia & Debates: www.revistazunai.com.

Preço: Inefável; inconcebível.

Onde encontrar: no ciberespaço, essa “Gran Cualquierparte” (Vallejo).

sábado, 29 de maio de 2010

POESIA EM REVISTA (II)





A revista Coyote, em sua edição n. 20, publicou um caderno dedicado a Ana Hatherly, um nome histórico da vanguarda literária da segunda metade do século XX e integrante do grupo da PO-EX (Poesia Experimental Portuguesa). Além de fragmentos de seu diário de sonhos Anacrusa, que acaba de ser publicado pela editora Cosmorama, o caderno traz um ensaio de minha autoria, intitulado Ana Hatherly em seu jardim feito de tinta, em que analiso as relações entre sonho, mito, cinema e escritura na obra da poeta portuguesa. A revista, editada em Londrina e em São Paulo por Marcos Losnak, Ademir Assunção e Rodrigo Garcia Lopes, traz ainda uma entrevista com Rodrigo de Haro, poeta catarinense que pratica uma escrita de estilo surrealista rara e refinada, traduções de Delmo Schwartz por Virna Teixeira, de Mityo Sugimoto por Maurício Arruda Mendonça e de Bob Kaufman por Eclair Antônio de Almeida, entre outros quitutes. Vale a pena destacar também a capa desta edição, assinada pelo fotógrafo Egberto Nogueira. A revista pode ser encontrada em livrarias ou encomendada pelo site da Iluminuras, http://www.iluminuras.com.br/

quinta-feira, 27 de maio de 2010

POESIA EM REVISTA (I)







Caros, tive uma ótima surpresa com a Revista Poiesis, cujo lançamento aconteceu na Casa das Rosas, poucos dias antes de minha viagem a Lisboa. A revista traz artigos sobre o escritor tcheco Franz Kafka, poemas inéditos de Augusto de Campos e Horácio Costa, traduções de Novalis e Apollinaire, uma entrevista com Virna Teixeira e resenhas de livros de poetas brasileiros contemporâneos, entre várias outras matérias de interesse. A direção editorial é do poeta André Dick, que também vem se destacando como crítico literário e ensaísta, e a direção de arte é de Angela Kina. A Revista Poiesis é uma publicação bimestral da Poiesis, Organização Social de Cultura, entidade responsável pela gestão da Casa das Rosas, Casa Guilherme de Almeida, Biblioteca São Paulo e Museu da Língua Portuguesa. Os interessados em adquirir a publicação podem escrever para o e-mail revistapoiesis@poiesis.org.br.

A SOMBRA DA AUSÊNCIA

ASSIM RESPIRO

É quando as nuvens migram aves através
do meu pensamento
É quando o relâmpago centelha azul através
de meus olhos
É quando o trovão atroa tambor através
do meu silêncio
É quando o aroma da aurora sobe rosa através
de minhas narinas
É quando o sol e a lua fundem-se através
de minha face
É quando o rio ri correndo através
de minhas lágrimas
É quando o mar onda e se areia através
dos meus dedos
É quando o vento redemoinha e uiva através
de minha dor
É quando um buraco negro abre a boca através
de minha sombra
É quando as estrelas nascem e morrem através
de minha luz
É quando a chuva cristalina através
de minha melancolia
É quando a noite e o dia se abraçam através
do meu peito
É quando o amor garça suas asas brancas através
de meus braços negros
É quando a árvore se eleva solitária através
de meu trono
É quando as raízes unem-se à terra através
dos meus pés
É quando o sopro divino vibra o invisível através
de minha voz

(Do livro A sombra da ausência, de Antônio Moura. Bauru: Lumme Editor, 2010.)

O LIVRO DA CARNE

AO REVELAR PARA-SEMPRES

Cabe-me a tutela dos répteis
Entrelaçar aços e trigos
Percorrer tranças
E anelos sustenidos
Metamorfosear garatujas
(amor delineia esconderijos)
Palpebrar lábios
Sibilar madrugadas
Quando porém ceder.

VISÃO

Reconhecer o nada imerso no nada
O talhe branco no branco
A palavra escondida na palavra
A gota submersa no rio
Os contornos são a memória dos cegos.

(Poemas de O Livro da Carne, de Whisner Fraga. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010.)

O ANIMAL ESCRITO

“Uma incursão na história da literatura ocidental permite-nos também rastrear uma possível história literária dos animais. De Esopo (620-560 a. C.), Aristóteles (384 - 322 a. C.) e Plínio o Velho (23-79 d. C.), passando por Isidoro de Sevilha (560 – 636 d. C.) e os bestiários medievais, até os relatos de viajantes do século XVI e os inúmeros bestiários modernos e contemporâneos de distintas nacionalidades, os animais nunca deixaram de se inscrever de maneira incisiva no imaginário poético do Ocidente tomados geralmente como o estranho por excelência, como o que só pode ser apreendido a partir de sua relação com o humano, os animais sofreram, ao longo dos séculos e milênios, múltiplas representações e interpretações, convertendo-se não apenas em signos vivos daquilo que sempre escapa a nossa compreensão, mas também no nosso ‘possível ilimitado’, visto que assumem inúmeros registros, formas, intensidades e papéis em nossa imaginação.

Se, na Antiguidade clássica, coube a Esopo, com suas fábulas moralizantes, a tarefa de levar os animais (convertidos em metáforas do humano) para o campo exclusivo da ficção, inaugurando uma vertente zooliterária que atravessará os séculos com seu tom sentencioso e proverbial, foi A história dos animais, de Aristóteles, o primeiro grande compêndio científico-literário sobre o reino zoológico, no qual os animais foram tratados como animais, a partir de uma abordagem minuciosa que conjuga pesquisa, esforço taxonômico e imaginação criadora. Pode-se dizer que Aristóteles inaugura, assim, não apenas a tradição enciclopédica a que se filiarão Plínio, o Velho, Santo Isidoro e Lineu, como também a dos catálogos descritivos de animais reais e fantásticos, conhecidos como bestiários, que proliferarão na Europa a partir da Idade Média.”

(Do livro O animal escrito — Um olhar sobre a zooliteratura contemporânea, de Maria Esther Maciel. Bauru: Lumme Editor, 2008.)

UM POEMA DE ALFREDO FRESSIA


HORA DE SAL

Esta é a hora amarela dos lobos.
Esta é a hora dos ossos incendiados
como colunas ocas ao pé de sua queda.
(Há duas mil pistas de sabujos
até as unhas profanadas de todas as estátuas.)
Esta é a hora composta em que o ator suado
grita seu penúltimo monólogo
— e na praia a rocha não resiste sua horrível nudez,
a areia assobia seu delírio
na boca esquelética do peixe morto e seco.
O grito do ator cava um túnel de medo
porque esta é a hora dos lobos,
porque esta é a hora do sal ameaçando
as costas esgotadas das cruzes.
Esta é a hora em que viram de costas os relógios.
Esta é a hora em que o osso não resiste seu desvario de séculos.
Aqui já não suporta o pó suas colunas.
Derrubam-se as torres em sal e dinamite
para romper o último grito da estátua.
Aqui a boca quebrada das pedras.

Tradução: Fábio Aristimunho Vargas.

(Do livro Canto desalojado, de Alfredo Fressia. Bauru: Lumme Editor, 2010.)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

FESTIVAL TORDESILHAS: O DIÁLOGO LITERÁRIO ENTRE BRASIL E PORTUGAL

A primeira edição do Tordesilhas aconteceu em 2007, na cidade de São Paulo, com curadoria minha e da poeta Virna Teixeira, e reuniu cerca de 70 autores do Brasil, Portugal, Espanha e América Latina, desde autores jovens, ainda inéditos em livro, até nomes consagrados no plano internacional, como a mexicana Coral Bracho, o uruguaio Roberto Echavarren, o espanhol Joan Navarro e a argentina Tamara Kamenszain, entre outros participantes. Foi um evento histórico, que muito colaborou para a aproximação entre os poetas dos dois idiomas. Esta aproximação resultou no intercâmbio intelectual, na amizade, no conhecimento da produção poética de nossos vizinhos e também em iniciativas práticas, como a tradução de poetas de língua espanhola para o português e a tradução de autores brasileiros para o espanhol, com publicação em revistas literárias, sites e antologias. Para citar um exemplo, a coletânea Todo Começo é Involuntário, que reúne poetas brasileiros da novíssima geração, organizada por mim e traduzida ao castelhano pelo poeta chileno Leo Lobos, foi publicada na revista chilena El Navegante, e depois reproduzida em numerosas publicações eletrônicas na Espanha, Peru, México e outros países. Revistas brasileiras como a Zunái, Et Cetera, Coyote e Oroboro também publicaram autores da Venezuela, Equador, Chile e de outros países do continente. Houve ainda a circulação de artigos de análise crítica da poesia contemporânea brasileira e latino-americana nessas publicações, numa época em que a reflexão analítica sobre o fazer literário encontra pouco espaço fora do âmbito acadêmico. Por outro lado, a experiência do I Festival Tordesilhas indicou que, se foi possível ampliar a comunicação com a América Latina, ainda havia um diálogo escasso com os poetas de nosso próprio idioma, nos países da comunidade de língua portuguesa. A poesia portuguesa da segunda metade do século XX para cá ainda é pouco conhecida pelo público leitor brasileiro, fora do circuito universitário. Há poucos anos apenas saíram no Brasil livros de autores seminais como Herberto Helder, Ana Hatherly, Luiza Neto Jorge, e outros permanecem ainda inéditos em nosso país, como Salette Tavares ou Fiama Hasse Pais Brandão. Isto sem falar dos poetas que estrearam a partir dos anos 80-90. A poesia produzida em Angola, Moçambique, Macau, Goa ou Timor Leste, então, é praticamente desconhecida, fora ou mesmo dentro da universidade. Circula alguma coisa dessa produção em blogues e sites de literatura, mas não há livros disponíveis no mercado editorial brasileiro, com exceção de uma antologia africana lusófona organizada por Arlindo Barbeitos e do livro Ovi-sungo, Treze Poetas de Angola, este último organizado por mim e publicado pela Lumme Editor. De Moçambique, temos os romances de Mia Couto, e de Goa e Macau, apenas ensaios publicados por especialistas, como a professora Mônica Simas, da Universidade de São Paulo, que aliás publicou um artigo sobre a poesia de Macau no último número da revista Zunái.

Ou seja, o cenário é desolador, e não acredito que a poesia brasileira tenha divulgação melhor em Angola, Goa ou Timor Leste. Ainda somos ilustres desconhecidos para nós mesmos, apesar de falarmos o mesmo idioma e de termos tantos vínculos históricos e culturais. Dessa triste constatação, surgiram vários projetos com a mesma estratégia de borrar a linha divisória de Tordesilhas entre os nossos países. A revista Zunái, que circula na internet, publicou autores angolanos como Abreu Paxe e João Maimona, moçambicanos como Luís Carlos Patraquim, portugueses como Ana Hatherly e Casimiro de Brito, e no próximo número deve publicar poetas de Macau. A revista Et Cetera, editada em Curitiba até 2008, também publicou poetas africanos e portugueses, e a Coyote, em sua edição mais recente, publicada agora em maio, publicou um caderno especial dedicado a Anacrusa, de Ana Hatherly. No campo editorial brasileiro, a Escrituras tem publicado livros de autores portugueses contemporâneos, e a Lumme tem se interessado por projetos de divulgação de autores da lusofonia, como a citada antologia de poesia angolana e uma outra, prevista para futuro breve, de poesia moçambicana. Merece atenção especial as atividades desenvolvidas pelo poeta português Luís Serguilha, que tem sido um eficiente embaixador das letras brasileiras em Portugal. Ele é um leitor culto e atento da poesia brasileira mais recente, que tem divulgado com rara dedicação e empenho. Foi Luís Serguilha que me apresentou ao poeta e editor português André Sebastião, um dos responsáveis pela publicação da Antologia da Poesia Brasileira do Início do Terceiro Milênio, organizada por mim e editada pela 07 Dias 06 Noites. Ele também me apresentou a Jorge Melícias, poeta e editor da Cosmorama, que tem publicado livros de vários autores brasileiros contemporâneos de qualidade, como Ricardo Corona, Horácio Costa e Rodrigo Garcia Lopes. Luís Serguilha apoiou a realização do festival Portuguesia, organizado pelo poeta brasileiro Wilmar Silva em Vila Nova de Famalicão, e tem publicado periodicamente textos sobre poesia brasileira em sites como Cronópios. Todas estas iniciativas, a meu ver, são passos importantes para um intercâmbio que pode crescer ainda mais nos próximos anos, e a proposta do Festival Tordesilhas é justamente a de impulsionar novas ações neste sentido. Precisamos conhecer e divulgar o que se faz de mais inventivo hoje na poesia de Moçambique, Timor Leste, Brasil, Portugal, Goa, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné Bissau, enfim, em todos os países e territórios da comunidade de língua portuguesa, pois este é um legado cultural que pertence a todos nós. É a nossa riqueza cultural. Grato a todos pela presença!
(Comunicação que apresentei na mesa de abertura do Festival Tordesilhas, sobre o tema "O diálogo literário entre Brasil e Portugal".)

CRÔNICAS DE LISBOA (VII)

Após almoçar no restaurante indiano, aceitei a sugestão de Horácio Costa e fui visitar o Museu do Oriente, que traz coleções de objetos de arte da China, Índia, Japão, Coréia e principalmente dos territórios que fizeram parte do império português no continente asiático: Goa, Macau, Timor Leste. Fiquei encantando com as gravuras chinesas que fizeram parte da coleção pessoal de Camilo Pessanha, as esculturas que representam Kwanin (o Buda feminino da Compaixão), os biombos japoneses dos séculos XVII e XVIII, as armaduras e espadas de samurais do período Meiji (1868-1912) e um rico acervo com obras de Timor Leste. Na loja do museu, comprei, entre outras coisas, as Cartas do Extremo Oriente, de Wenceslau de Moraes, escritor português que viveu em Macau e no Japão no final do século XIX, converteu-se ao budismo e vestia-se com roupas tradicionais japonesas. Assim como Camilo Pessanha, ele foi um dos primeiros intelectuais portugueses que estudaram com seriedade a arte e a filosofia orientais. No final da tarde, visitei o Museu Nacional de Arte Antiga, na rua das Janelas Verdes, que possui uma coleção de pinturas de mestres como Albrecht Dürer e Cranach, o Velho, além do tríptico As Tentações de Santo Antão, de Hieronymus Bosch. O museu apresenta ainda peças de ourivesaria e joalheria portuguesas, obras em cerâmica da China e do Japão e uma sala decorada com mobiliário português do século XVIII. É preciso percorrer, por várias horas, as salas desse museu, para saborear aos poucos o seu acervo. À noite, como despedida, fui jantar em um excelente restaurante francês, onde comi um prato de carneiro inesquecível. No dia seguinte, eu deveria voltar a São Paulo, se não perdesse o avião, mas já contei essa história a vocês...

CRÔNICAS DE LISBOA (VI)

No dia 08 de maio, apesar da forte chuva, fui visitar o Castelo de São Jorge, localizado sobre a mais alta colina do centro histórico da cidade. Esta fortificação foi construída no século XI pelos árabes, que chamavam Lisboa de Al-Ushbuna. O castelo foi tomado pelas forças cristãs lideradas por D. Afonso Henriques em 1147, e recebeu o nome do santo de devoção dos cavaleiros medievais portugueses. Percorrer as salas, pátios e escadarias desse castelo tão impregnado de história é uma experiência que nos faz pensar na brevidade dos impérios e da ambição humana: esse local, hoje reduzido a ruínas, já foi habitado por fenícios, romanos, árabes, portugueses, ao longo de 25 séculos. Foi ali, no Paço Real, que aconteceu a recepção a Vasco da Gama, para comemorar a descoberta do caminho marítimo para as Índias; foi ali que Gil Vicente representou a sua primeira peça teatral, o Auto do Vaqueiro, para a família real portuguesa; foi ali que se travaram batalhas entre os mouros e a cristandade, que disputavam o domínio da Europa. Caminhar por corredores antes percorridos por monges e soldados, príncipes e cortesãs, prisioneiros e poetas, era como participar, simbolicamente, dos fatos históricos gravados naquele chão, naquelas torres e muralhas. Saindo do castelo, e ainda sob forte chuva, fui visitar a Catedral da Sé de Lisboa, erguida em 1150 por D. Afonso Henriques, em local onde antes havia uma mesquita. O estilo arquitetônico dessa igreja escura, de altas colunas, arcos austeros e poucos ornamentos, como o vitral em forma de rosácea, combina elementos góticos e românicos que nos falam de uma época em que o mundo era visto como um teatro demoníaco, um antro de tentações do qual deveríamos escapar pela vida virtuosa, pela prece contínua, pela modéstia e despojamento de qualquer ambição mundana ou sensualidade. É um espírito próximo ao da Contra-Reforma, mas, em sua manifestação estética, é o extremo oposto: severidade em vez de encantamento, humilhação das formas, em vez de sua vertigem alucinatória. A sensação de estar ali é um pouco sufocante. Após essa experiência, nada mais agradável do que ver a paisagem de Lisboa pelo miradouro de Santa Lúcia, caminhar pelas ruas e descobrir um restaurante indiano, onde comi um delicioso samosa, nan e um prato de carneiro com curry. O restante do dia foi dedicado a visitas a alguns museus, mas sobre isso escreverei na próxima crônica.

CRÔNICAS DE LISBOA (V)

No dia 07 de maio, visitei a igreja de São Roque, uma construção do século XVI, localizada no Chiado. A igreja, uma das mais belas de Lisboa, começou como uma simples ermida, que D. Manuel I mandou erigir para abrigar uma relíquia do santo, trazida de Veneza após um surto de peste, em 1505. Quando a Companhia de Jesus chegou a Portugal, em 1540, a ermida foi transformada em igreja, e nos anos seguintes passou por diversas modificações, que podem ser percebidas na mescla de elementos arquitetônicos renascentistas e barrocos. A Capela de Nossa Senhora da Doutrina, decorada com talhas douradas e mármores de influência italiana, recorda algumas igrejas barrocas brasileiras, como as de Recife e Olinda. O excesso visual, a dramaticidade das imagens, toda a atmosfera do lugar parece nos transportar a uma outra dimensão, que seduz os sentidos do espectador pela festa de cores e formas. A estratégia da arte barroca, aliás, era exatamente esta, levar a mensagem da Contra-Reforma aos fiéis apelando para as sensações visuais, auditivas e olfativas (a missa barroca era um verdadeiro teatro, que de certo modo antecipou a "obra de arte total" de Wagner, somando a arquitetura, a música, as artes visuais e outras formas de expressão no ritual de encenação da saga de Cristo). No Museu de São Roque, além de um acervo com peças de arte religiosa, em que se destacam obras como as esculturas de Santo Inácio de Loyola e São Francisco Xavier em madeira policromada (que chamaram a minha atenção pela vivacidade dos rostos e pelos detalhes das vestes, que simulam movimentos espiralados), é possível ver obras de arte oriental, como uma arca de Macau datada do século XVIII, construída em madeira com incrustações de madrepérola e ferragens metálicas, detalhes com figuras de serpentes e dragões. Uma peça fascinante, que me deixou perturbado por sua beleza. Saindo do museu, perambulei sem rumo pelas ruas do Chiado, e encontrei uma livraria especializada em gravuras e livros antigos. Uma pena eu estar com poucos euros no bolso! À noite, voltei à Casa Fernando Pessoa, para o encerramento do Festival Tordesilhas, com o debate "A poesia de língua portuguesa na era da globalização", com João Miguel Henriques (Portugal), Virna Teixeira e Eduardo Jorge (Brasil). Em seguida, houve um recital com esses poetas e o português Ruy Ventura, e por fim o lançamento do livro Ravenalas, de Horácio Costa, que saiu pela Demônio Negro, e da plaquete Entulho, de João Miguel Henriques, que saiu pela Arqueria Editorial. O final do evento mereceu comemoração em alto estilo, num ótimo restaurante português, com direito a bacalhau, queijos e vinhos.

CRÔNICAS DE LISBOA (IV)

No dia 06 de maio, acordei cedo, peguei o metrô até o Cais do Sodré e fiz um passeio de barco sobre o rio Tejo. Após chegar à outra margem, desci para tomar uma cerveja e fiquei observando as placas com os nomes curiosos de alguns bares: “Atira-te ao rio” e “Ponto final”. Descobri um elevador que conduzia até o alto de um mirante, chamado “Boca do Vento”, e não resisti à tentação de subir, para contemplar bem do alto a paisagem portuária. Depois, caminhei sem destino até chegar ao bairro da Almada, com suas ruas estreitas, casas antigas com ladrilhos nas paredes e sacadas nas janelas. Encontrei um cinema chamado “Cine Incrível”, a sede da “Sociedade Filarmônica Incrível Almadense” e um pequeno museu dedicado à Revolução dos Cravos, que ostentava na fachada a frase “O povo é quem mais ordena”, extraída da canção Grândola Vila Morena. Era um dia de sol, e caminhar de modo aleatório por aquelas ruas, notando estas cenas cotidianas, mas inusitadas para mim, parecia uma aventura fascinante. Consegui, não sei como, chegar até uma estação de metrô, que levou-me até a Praça Marquês de Pombal. Fiz nova visita à feira de livros, onde comprei A Ampola Miraculosa, romance visual do poeta surrealista português Alexandre O'Neill, que recorda um pouco as experiências de narrativa visual de Valêncio Xavier (O Mez da Grippe) e de Sebastião Nunes (Antologias Mamalucas) e ainda outra obra bem singular, Acaba de Aparecer o Quadrado Azul, de Almada Negreiros, o mais construtivista dos poetas da geração de Orpheu. Por fim, voltei ao hotel e descansei por algumas horas antes de ir para o Festival Tordesilhas, na Casa Fernando Pessoa, onde fui mediador num debate sobre o tema “A poesia contemporânea de língua portuguesa na África”, com os poetas Jorge Arrimar (Angola), Jorge Viegas e Delmar Maia Gonçalves (Moçambique). Após o debate, aconteceu uma breve leitura da poeta portuguesa Catarina Nunes de Almeida, a exibição de um vídeo de Eduardo Jorge e a apresentação de meu livro Escrito em Osso, publicado em Portugal pela editora Cosmorama. No final do evento, saí com Eduardo Jorge, Virna Teixeira e João Henriques para uma noitada num bar da rua das Salgadeiras, frequentado por jovens que se vestem de preto, gostam de botas de cano longo, piercings e fumam excessivamente. A coisa toda foi até as duas horas da madrugada; confesso que já estou meio velho para baladas.

CRÔNICAS DE LISBOA (III)


A Casa Fernando Pessoa, situada no Campo de Ourique, reúne livros, objetos pessoais e mobiliário que pertenceram ao poeta português, inclusive o célebre retrato pintado por Almada Negreiros. Mantida pela Câmara Municipal de Lisboa, a Casa possui uma biblioteca dedicada exclusivamente à poesia e realiza conferências, recitais poéticos, encontros de escritores, espetáculos musicais e de teatro, exposições de artes plásticas e outras atividades. O Festival Tordesilhas aconteceu nesse espaço cultural graças ao apoio de sua diretora, Inês Pedrosa. No primeiro dia do evento, em 05 de maio, aconteceu um debate sobre o tema "O diálogo literário entre o Brasil e Portugal", com o português Casimiro de Brito (um nome histórico da poesia portuguesa, que pertenceu à Geração 61), Horácio Costa e Claudio Daniel, com mediação de Virna Teixeira. Em seguida, houve um recital com leituras de Nuno Júdice (Portugal), Horácio Costa (Brasil), Jorge Velhote (Portugal) e Simone Homem de Mello (Brasil). Durante todo o festival, houve a exposição e venda de revistas literárias como Confraria e Coyote (que em sua última edição publicou textos de Ana Hatherly) e livros de poetas brasileiros e portugueses contemporâneos.

CRÔNICAS DE LISBOA (II)

Caros, cheguei em Lisboa no dia 05 de maio para participar do II Festival Tordesilhas, Poetas de Língua Portuguesa, que aconteceu na Casa Fernando Pessoa, com apoio da embaixada brasileira. Fiquei hospedado num hotel localizado próximo ao Parque Eduardo VII, onde aconteceu uma feira de livros a céu aberto, a poucos metros do Jardim Botânico. Claro que visitei os estandes da Assírio e Alvim, Relógio de Água, Cotovia e outras editoras portuguesas que publicam livros de poesia. Comprei as obras completas de Fiama Hasse Pais Brandão, Al Berto, alguns volumes de Wenceslau de Moraes e vários outros títulos interessantes, que mais tarde comentarei com vocês. Logo no primeiro dia de viagem visitei o Mosteiro dos Jerônimos com a poeta brasileira Ana Ramiro, que reside em Lisboa. Confesso que a visita a esse mosteiro, uma construção do século XVI projetada pelo arquiteto Diogo de Torralva, foi a experiência estética mais intensa que vivenciei até hoje, só comparável (talvez) às óperas de Wagner e à arte da esgrima japonesa. O mosteiro, construído por D. Manuel como símbolo da aliança entre o poder temporal e o religioso, deveria abrigar as tumbas dos reis portugueses, como D. Sebastião, mas ao longo do tempo recebeu os restos mortais de poetas como Luís Vaz de Camões, Fernando Pessoa, do escritor Alexandre Herculano e do navegante Vasco da Gama, que descobriu o caminho marítimo para as Índias, atravessando o Cabo das Tormentas. O Mosteiro dos Jerônimos pertence ao período manuelino, mas já antecipa o barroco com suas abóbadas polinervadas e todo um excesso visual que causa uma sensação de deslumbramento (ao contrário da austeridade medieval da Catedral da Sé de Lisboa, que segue um estilo de transição entre o românico e o gótico). É uma arquitetura que fala aos sentidos de maneira quase alucinatória. Suas escadarias, colunas, câmaras e múltiplas passagens sugerem as trilhas de um labirinto. Percorrer várias vezes esse complexo arquitetônico, perder-se nele e não desejar encontrar a saída é uma experiência estética única.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

POETAS AFRICANOS EM LISBOA












O debate "A poesia contemporânea de língua portuguesa na África" reuniu os poetas moçambicanos Jorge Viegas e Delmar Maia Gonçalves e o angolano Jorge Arrimar, com mediação de Claudio Daniel, no segundo dia do Festival Tordesilhas, realizado na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa. Leiam uma matéria a respeito no site Cultura: Palop-Portugal, na página http://www.culturapalopsportugal.com/1813/festival-tordesilhas-em-pessoa/

CRÔNICAS DE LISBOA (I)

Caros, contarei a história do final para o começo.

No dia 09 de maio, saí do hotel e fui até o aeroporto de Lisboa, onde deveria embarcar no voo das 11h da TAP, com destino para São Paulo.

O aeroporto estava tomado por imensas filas de passageiros em frente aos guichês de atendimento, pois diversos voos para outras capitais europeias foram cancelados, por conta das cinzas vulcânicas, e as pessoas precisavam trocar as suas passagens e embarcar em outras aeronaves para prosseguirem até os seus locais de destino.

O tempo de espera nessas filas era agravado pelas condições do próprio aeroporto, que dispõe de poucos funcionários e guichês de atendimento em relação ao número de pessoas que trafegam no local.

Eu não sabia de nada disso quando cheguei lá, com apenas uma hora de antecedência, e fui informado de que perdi o meu voo, pois não haveria tempo de fazer o check in. Fui então para a fila de compra de passagens aéreas, e após duas horas consegui trocar o meu bilhete por outro, com data de 10 de maio, às 15h, pagando a diferença de 92 euros (além da despesa adicional de uma diária de hotel, refeições e táxis, não previstos em meu orçamento inicial).

No dia seguinte, fui ao aeroporto com três horas de antecedência, consegui embarcar no avião, já desesperado para voltar a São Paulo, mas a aeronave só decolou duas horas depois do previsto.

Nota: o tempo de voo entre Lisboa e São Paulo é de DEZ HORAS.

Pensei: vou chegar em casa à meia-noite, ou às duas da manhã, mas tudo bem.

Ledo e ivo engano.

Após o avião ter realizado metade do trajeto, o comandante informou que talvez o avião fosse obrigado a RETORNAR a Lisboa, devido ao risco das cinzas vulcânicas provenientes da Islândia.

Gelei.

Quinze minutos depois, o comandante informou que o voo continuaria, mas que, devido às condições metereológicas de São Paulo, seria feito um pouso inesperado em Recife, e a viagem prosseguiria no dia seguinte ao seu destino.

Gelei.

Eu tinha compromissos importantes em meu trabalho, na universidade, consulta médica, minha família não sabia de nada (não uso celular), esse atraso ia causar uma confusão dos diabos em minha vida.

E causou mesmo.

Ficamos num hotel de 5 estrelas em Recife, em frente ao mar, mas não pude sequer aproveitar o imprevisto, pois toda a minha roupa e produtos de higiene pessoal ficaram na mala retida dentro do avião.

Caraca!

Às 13h de ontem, finalmente, um ônibus fretado nos levou até o aeroporto de Recife, o avião decolou às 14h e consegui chegar no aeroporto de Guarulhos às 18h.

Às 20h, cheguei em casa.

Trouxe na mala as obras completas de Fiama Hasse Pais Brandão, Al Berto, livros de poetas contemporâneos de Portugal e Moçambique e muitas recordações de museus, castelos, igrejas históricas e outros locais que visitei.

Aos poucos, contarei tudo aqui.

Em tempo: o Festival Tordesilhas superou as minhas expectativas, e o diálogo literário entre os poetas do Brasil, Portugal, Angola e Moçambique com certeza aumentará muito nos próximos anos.

Há braços,

CD

CINZAS VULCÂNICAS NOS CÉUS...

O aeroporto de Lisboa vive um completo caos, com voos atrasados, outros cancelados e filas de check in que podem durar até três horas. O meu voo partia ontem de Lisboa às 15h, com destino ao aeroporto de Guarulhos (horário previsto para a chegada: 21h30 de ontem). O voo atrasou duas horas para a partida, e no meio da viagem quase retorna a Lisboa, por causa das cinzas vulcânicas (ainda há brasileiros lá, esperando encaixe num voo para retornarem ao Brasil). Às 20h, o comandante anunciou que o avião pousaria em RECIFE (!!!!!), devido ao mau tempo em SP. Estou aqui num hotel da capital pernambucana, com alguma dose de sorte, voltarei a Sampa ainda hoje.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

DIÁRIO DE UM VIAJANTE (II)

Caros, amanhã eu pegarei o avião até Lisboa, onde acontecerá a segunda edição do Festival Tordesilhas, organizado por mim e pela poeta Virna Teixeira. Participarão do evento autores como os portugueses Nuno Júdice, Casimiro de Brito e Ana Marques Gastão, o angolano Jorge Arrimar, os moçambicanos Delmar Maia Gonçalves e Jorge Viegas, os brasileiros Horácio Costa, Simone Homem de Mello e Eduardo Jorge, entre outros poetas da comunidade de países da língua portuguesa. Contarei as novidades aqui, assim que possível. E claro que vou visitar o Mosteiro dos Jerônimos, o Castelo de São Jorge, a Torre de Belém, algumas livrarias e casas de fado. E voltarei para São Paulo com a mala cheia de livros de Ana Hatherly, Al Berto, Fiama Hasse Pais Brandão, Ernesto de Melo e Castro, Sophia de Mello Breyner Andresen e outros vates lusitanos. Bom, agora eu vou arrumar as malas. Hasta luego, e lembrem-se de ler o Romanceiro de Dona Virgo antes de dormir!

HAICAIS DE JOÃO RASTEIRO

Abri a passagem:
A terra chegou-me
até à garganta.

* * *

Agora, em silêncio,
espreito bem esta aldeia
que eu reinvento.

* * *

Tudo é divino e trágico,
saboreia-se o seu verbo
o leito do delírio, a sílaba.

* * *

Tudo sobrevém dos olhos
que dilaceram no centro.
O infindo sopro da lavra.

* * *

Sinto como a estrita cegueira
invoca o mais recôndito lugar
para que nada solidifique o medo…


* * *
como decifrar a ira do clarão
se é do eixo da luz que cego
e da soldadura que agora rezo?

(Leiam mais haicais de João Rasteiro na edição de maio da Zunái, saindo do forno.)

sábado, 1 de maio de 2010

UM POEMA DE PAULO LEMINSKI

AÇO E FLOR
Quem nunca viu
que a flor, a faca e a fera
tanto fez como tanto faz,
e a forte flor que a faca faz
na fraca carne,
um pouco menos, um pouco mais,
quem nunca viu a ternura que vai
no fio da lâmina samurai,
esse, nunca vai ser capaz.

(Do livro Distraídos Venceremos.)