terça-feira, 23 de dezembro de 2008

UM POEMA DE HERBERTO HELDER

massas implacáveis, tensas florações químicas, fortemente
maduras, na alvorada que aparece
atrás, mortas, e no lençol de gelo
manchas bloqueadas, cortes, negras estrias,
o som, sangue, tubos de sangue, sangue,
tubular, som tubular, gemem,
rudimentares, assoberbados,
os pulmões, folhagem quente,
perfura o som no ar a traquéia eruptiva,
respiração, cacho a arder nas redes finas,
jorro de lâminas,
e a morosa manhã renascente, compreendida,
rarefeita
de folhas, tumulto branco,
cancro, precipitação em brasa,
uma abertura interior latente,
barcos levam todo o álcool
lívido
sobre águas fotografadas explodindo,
a lentidão consome a carne, formigas incrustadas,
uma gota de veneno na cabeça
transparente, antenas de ouro, o doce povoamento
carnívoro, bruscamente o sono
exalta
as apuradas linhas do esquecimento, ao fundo,
batem, pulsam paisagens de uma canção
irregular, clara, onde
se treme, levemente alto, crivado
de imagens implacáveis, os pés tocando a folhagem
negra, a cabeça degolada por um esplendor obsessivo

(Poema de Herberto Helder, do livro Ou o poema contínuo.
São Paulo: A Girafa Editora, 2006.)

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