No romance O Mestre, de Ana Hatherly, temos a definição do espaço estrutural em que acontece o jogo, a apresentação dos jogadores e ainda uma breve descrição de suas jogadas. A Discípula anseia obter o amor do Mestre, e todas as ações que desenvolve ao longo do romance são executadas neste sentido; logo, este é o objetivo do jogo. Se ela for vencedora, obterá “a Alegria plena e perfeita, como metáfora da aspiração amorosa”; se for derrotada, poderá recolher resultado inauspicioso, pois, como adverte o Mestre, “há coisas que a gente não deve querer”; este, para ela, é o risco do jogo. Os lances da partida transcorrem em dois cenários básicos, a sala de visitas da casa do Mestre, onde a Discípula vai visitá-lo, e um jardim onde ela tenta simular encontros casuais (lugar simbólico que remete, possivelmente, ao jardim do Éden, com a árvore do conhecimento do bem e do mal, aos labirintos vegetais, ao jardim de Belisa e Don Perlimplin, na peça de Lorca, e ainda ao Parque Eduardo VII, em Lisboa).
As tentativas de sedução da Discípula, como observa Nadiá Paulo Ferreira, colocam em cena “a estrutura da paixão: o amante suplica ser correspondido e exige ser amado do modo que ele imagina que se deve amar”. Seguindo uma regra do jogo amoroso, “a Discípula se oferece amável para o Mestre, seduzindo-o, porque o que ela deseja é ser a preferida do seu Mestre. Ou seja: entregar-se ao Mestre e em troca tê-lo no regime de exclusividade”. Essa trama, tradicional na literatura de amor, por si só constitui um jogo; conforme Huizinga, “Aquilo que o espírito da linguagem tende a conceber como jogo não é propriamente o ato sexual enquanto tal, trata-se principalmente do caminho que a ele conduz, o prelúdio e preparação do amor, que frequentemente revela numerosas características lúdicas”. Entre os “elementos dinâmicos do jogo” inerentes ao processo da sedução encontram-se “a criação deliberada de obstáculos, o adorno, a surpresa, o fingimento, a tensão etc.”, que podemos identificar em diversas passagens, ao longo da leitura do romance, como por exemplo, na primeira visita da Discípula à casa do Mestre, em que este cria dificuldades para recebê-la.
Segundo Huizinga, a compreensão do amor como um tipo de jogo é “especialmente, ou mesmo exclusivamente, reservada para as relações eróticas que escapam à norma social”, conceito que ilustramos com o mito de Tristão e Isolda, estudado por Denis de Rougemont na História do Amor no Ocidente, além de toda a literatura derivada da tradição trovadoresca, até o romantismo do século XIX e mesmo nos dias atuais. No caso de O Mestre, essa ruptura com a “norma social” não está num triângulo amoroso ou adultério, nem mesmo na assimetria de faixa etária ou posição social, mas na impossibilidade física da união erótica, já que o Mestre é homossexual, logo, incapaz de corresponder às expectativas da Discípula. A dissociação entre eles é marcada também por expressivas diferenças de personalidade: o Mestre que sempre ri é “cheio de contradições”, “perito na arte de simular”, “não sente”, está “sempre a mentir”, “troça de tudo”, é um “anjo indeciso”, comparável a um “muro”. A Discípula, por sua vez, “não gostava de rir nem tampouco de chorar e é por isso que andava à procura da Alegria, já que essa devia excluir o riso e o choro”; ela “tem a mania do encontro das almas” e ainda “a mania do conhecimento, da aprendizagem, é curiosa, ávida, inquisidora, persistente”. A comunicação entre eles sempre ocorre na fronteira da incomunicabilidade: nas reuniões lúdicas realizadas no jardim ou na casa do Mestre, os diálogos entre o Mestre e a Discípula são concisos, desencontrados, enigmáticos, quase antagônicos, num conflito ou tensão que evidencia a distância, mais do que o encontro entre aquela que ama e aquele que recusa ser amado.
As tentativas de sedução da Discípula, como observa Nadiá Paulo Ferreira, colocam em cena “a estrutura da paixão: o amante suplica ser correspondido e exige ser amado do modo que ele imagina que se deve amar”. Seguindo uma regra do jogo amoroso, “a Discípula se oferece amável para o Mestre, seduzindo-o, porque o que ela deseja é ser a preferida do seu Mestre. Ou seja: entregar-se ao Mestre e em troca tê-lo no regime de exclusividade”. Essa trama, tradicional na literatura de amor, por si só constitui um jogo; conforme Huizinga, “Aquilo que o espírito da linguagem tende a conceber como jogo não é propriamente o ato sexual enquanto tal, trata-se principalmente do caminho que a ele conduz, o prelúdio e preparação do amor, que frequentemente revela numerosas características lúdicas”. Entre os “elementos dinâmicos do jogo” inerentes ao processo da sedução encontram-se “a criação deliberada de obstáculos, o adorno, a surpresa, o fingimento, a tensão etc.”, que podemos identificar em diversas passagens, ao longo da leitura do romance, como por exemplo, na primeira visita da Discípula à casa do Mestre, em que este cria dificuldades para recebê-la.
Segundo Huizinga, a compreensão do amor como um tipo de jogo é “especialmente, ou mesmo exclusivamente, reservada para as relações eróticas que escapam à norma social”, conceito que ilustramos com o mito de Tristão e Isolda, estudado por Denis de Rougemont na História do Amor no Ocidente, além de toda a literatura derivada da tradição trovadoresca, até o romantismo do século XIX e mesmo nos dias atuais. No caso de O Mestre, essa ruptura com a “norma social” não está num triângulo amoroso ou adultério, nem mesmo na assimetria de faixa etária ou posição social, mas na impossibilidade física da união erótica, já que o Mestre é homossexual, logo, incapaz de corresponder às expectativas da Discípula. A dissociação entre eles é marcada também por expressivas diferenças de personalidade: o Mestre que sempre ri é “cheio de contradições”, “perito na arte de simular”, “não sente”, está “sempre a mentir”, “troça de tudo”, é um “anjo indeciso”, comparável a um “muro”. A Discípula, por sua vez, “não gostava de rir nem tampouco de chorar e é por isso que andava à procura da Alegria, já que essa devia excluir o riso e o choro”; ela “tem a mania do encontro das almas” e ainda “a mania do conhecimento, da aprendizagem, é curiosa, ávida, inquisidora, persistente”. A comunicação entre eles sempre ocorre na fronteira da incomunicabilidade: nas reuniões lúdicas realizadas no jardim ou na casa do Mestre, os diálogos entre o Mestre e a Discípula são concisos, desencontrados, enigmáticos, quase antagônicos, num conflito ou tensão que evidencia a distância, mais do que o encontro entre aquela que ama e aquele que recusa ser amado.
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