A relevância da Academia Brasileira de Letras para a divulgação de nossa literatura é, há bastante tempo, discutível: poetas e escritores como Monteiro Lobato, Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Augusto de Campos, Paulo Leminski, Roberto Piva, jamais foram eleitos para se sentarem à mesa dos “imortais”.
A ABL ofereceu o fardão, o chá das cinco e o
túmulo gratuito para personagens sinistros de nossa história, entre eles o
general Lira Tavares, um dos autores do AI-5 (que assinava sua obra poética com
o pseudônimo de "Adelita"), Marco Maciel, José Sarney, Fernando
Henrique Cardoso (autor da célebre frase: “esqueçam tudo o que escrevi”), além
de personalidades midiáticas como o cirurgião plástico Ivo Pitanguy, o “bruxo”
Paulo Coelho e o jornalista do Globo Merval Pereira, conhecido pelo colérico
discurso antipetista.
Talvez devido à má fama desses nomes, em busca
de alguma credibilidade, a ABL aceitou recentemente como membros Gilberto Gil –
notável cantor, compositor e músico brasileiro, cujas letras de canções podem
ser consideradas obras literárias, e a atriz Fernanda Montenegro, a grande dama
do teatro brasileiro, cuja contribuição à literatura é desconhecida. A relação
de todos os nomes apresentada acima nos leva a pensar: que autoridade tem a ABL
para julgar a qualidade de uma obra literária? Qual tem sido a sua contribuição
para a divulgação da literatura brasileira, no país e no exterior? Qual é a
relevância da ABL em nosso cenário cultural e por qual motivo ela ainda existe?
Sem dúvida, todas essas questões merecem ser debatidas pela sociedade
brasileira, que merece ser informada sobre o que é realizado por essa
instituição.
O que pretendo discutir aqui, porém, é outro
coisa: o país está tão pobre assim em matéria de poesia? Ou será que não temos
uma crítica literária especializada séria na imprensa diária? Lançamentos de
livros de poesia raramente são noticiados na mídia impressa (a menos que seus
autores pertençam a famílias de prestígio social ou poderio econômico), autores
contemporâneos quase nunca são entrevistados em programas de rádio e televisão,
as grandes livrarias, como a Livraria Cultura, preferem colocar nas vitrines
livros esotéricos, de autoajuda ou de gurus da extrema-direita, como o falecido
astrólogo Olavo de Carvalho e o coronel torturador Brilhante Ustra e, para
completar o triste cenário, as escolas de ensino médio e muitas faculdades de
Letras evitam a literatura contemporânea.
Neste contexto cruel, quem faz a diferença são
as pequenas editoras, como a Kotter, Urutau, Córrego, Patuá, Demônio
Negro, Oficina Raquel, Dobra Editorial, Lumme Editor, entre outras, que
assumem o risco de publicar livros de poesia e prosa de qualidade, geralmente
em edições de pequena tiragem e com apurado cuidado gráfico. Livros que, quase
sempre, são totalmente ignorados pelos jurados de concursos literários como o
Jabuti, que, por razões pouco claras (mas que nada têm a ver com qualidade
literária), preferem premiar, sempre, livros publicados pela editora Companhia
das Letras (SEIS dos dez semifinalistas na categoria Romance Literário da
edição de 2022 do Jabuti são da mesma editora, fato escandaloso e pouco
comentado).
A mesma Companhia das Letras que também é a
principal beneficiária dos eventos da FLIP, que divulgam sobretudo autores
publicados por essa casa editorial, o que contribui tanto para o marketing da
editora quanto para a sua contabilidade. Está surgindo no Brasil, impulsionada
pelo establishment midiático-editorial, uma LITERATURA DE MERCADO, voltada não
à pesquisa de linguagem, à investigação e denúncia da realidade social, à
originalidade temática e à criatividade artística, mas destinada a atender um
público leitor “mediano”, que jamais leria o Finnegans Wake, mas é capaz
de assimilar romances mornos, lineares, com início, meio e fim, ou livros de
poesia “angelicais”, fáceis, cheias de piadinhas tolas, à maneira da Poesia
Marginal, e um conteúdo diluído do “politicamente correto”. Esta é a receita do
sucesso!
Claro: assim como relógio parado está certo ao
menos duas vezes por dia, notamos no catálogo da Companhia poetas de qualidade
que há muito tempo receberam o reconhecimento por parte da crítica literária,
como Arnaldo Antunes e Armando Freitas Filho, autores que “agregam valor à
marca” da editora, para usarmos o jargão do marketing. A Companhia publicou uma
tradução do Ulisses de James Joyce, mas podemos imaginar o que
aconteceria se, em vez de um nome basilar da literatura ocidental, Joyce fosse
um jovem romancista brasileiro que oferecesse os originais de Ulisses a
essa mesma editora... talvez nem ao menos recebesse uma carta de recusa em
linhas breves e polidas, por ser autor de livros difíceis, longos, “cheios de
palavras”, como diria certo capitão, que em matéria de livros conhece apenas o
de seu ídolo, o coronel torturador Brilhante Ustra.
O que faz a Academia Brasileira de Letras para divulgar os jovens autores de qualidade em relação à publicação, divulgação e reconhecimento de seus livros? Absolutamente nada, apesar do número expressivo de autores que têm publicado livros excepcionais nos últimos anos, como Jade Luísa, Paola Schroeder, Daniela Pace Devisate, Sidnei Olívio, Guilherme Delgado, Edelson Nagues, entre tantos outros, cercados pelo silêncio dos contentes. No entanto, essa é uma poesia que não depende do clube de autoelogio a que se resumiu a ABL, não obtém favores da moda e da mídia, mas insiste em existir e se reinventar, mesmo na condição de ruído, dissonância, resistência à mediocridade. Esta é a poesia de qualidade. É o que conta para hoje e para a posteridade.
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