quinta-feira, 29 de julho de 2021

TERCEIRO OLHO

 

 


Para Henri Michaux

Galho retorcido

de árvore

corcunda.

Cabeças

cúbicas

de formigas.

Paisagem

de margens mudas

onde o vento

sopra

ao contrário.

Onde as pedras

não são mais pedras.

Ninguém vive

aqui.

Aranhas tecem teias

nos meus

pesadelos.

Salamandra procria

no fundo

de meu olho direito.

Este não é o Olho de Buda.

Paisagem construída

com dedos

e unhas

de mortos;

com a pele,

cabelos

e olhos

de mortos.

Meu pai,

um mapa borrado;

minha mãe,

bússola

sem ponteiros;

eu mesmo,

pedra negra

no tabuleiro

de xadrez.

Apenas sombras

uivam.

Tudo tão pesado,

tão pesado,

âncora de pensamentos.

Tudo tão

detestável.

Por que as geleiras,

por que os abismos?

Faca desenha círculos

concêntricos

na água estagnada,

à esquerda

de lugar algum.

Este não é o Olho de Shiva.

Formas desfiguradas

em farrapos.

Essa escada que não leva

a parte alguma.

Palavras, palavras, palavras

já não fazem mais

sentido.

Silêncio.

Depois, espectros escrotos

em alto-falantes

anunciam a morte

de Deus.

O terceiro olho

então

se abre.

 

Claudio Daniel, julho / 2021

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