quinta-feira, 4 de junho de 2015

RETRATO DO ARTISTA




UM LANCE DE BÚZIOS: A POESIA DE ANTONIO RISÉRIO

Antonio Risério pertence a uma geração de poetas brasileiros que, na década de 1970, assimilou o rigor formal da Poesia Concreta, a releitura crítica da realidade brasileira pelo Tropicalismo, as linguagens da publicidade, das histórias em quadrinhos, da música popular, a inquietação da contracultura. Poetas como Risério, Duda Machado, Waly Salomão, Paulo Leminski, Alice Ruiz e Régis Bonvicino publicaram poemas em revistas de vanguarda editadas nesse período, como Código, Raposa, Muda, Qorpo Estranho, e editaram seus primeiros livros por conta própria, com pequenas tiragens. Ao contrário de seus companheiros de geração, Risério reuniu sua poesia em livro vinte anos depois, com Fetiche, publicado em 1996 pela Fundação Casa de Jorge Amado. Nesse volume, o poeta baiano incluiu poemas visuais elaborados com recursos do computador, como “o peixe é sempre o último a saber da água”, e outras composições visuais, mais antigas, criadas a partir da colagem e montagem de fotos, desenhos e textos em várias tipologias de letraset, como é o caso do poema “risos estalam sisos / rios mudam a plumagem / quando renasce das cinzas / o kamikaze da linguagem”. A influência da Poesia Concreta é evidente, mas não exclusiva: podemos reconhecer, no humor, ironia, escatologia e em certo brutalismo desses poemas visuais um parentesco com o dadaísmo, assim como acontece na poesia visual de Glauco Mattoso e Sebastião Nunes.

O ready made, técnica recorrente na poesia e nas artes visuais dadaístas, comparece em várias peças de Risério, como no poema que reproduz um retrato de Fernando Pessoa, recortado e ampliado numa sequência de páginas em que o rosto do poeta português desaparece progressivamente até permanecer apenas um detalhe do bigode, invertido, sugerindo o formato da vagina. Em Guerra nas estrelas, o poeta baiano cria outro ready made, estampando na página um desenho de Flash Gordon, trocando o texto original dos “balões” de diálogo dos personagens da história em quadrinhos por frases de sentido metalinguístico (“se tenho uma estrela para trocar por um estilo novo / tenho um estilo para queimar por um sentido novo”).  Os textos poéticos de Festim exploram com felicidade a musicalidade das palavras, mesclando aliterações, assonâncias, neologismos e termos de origem indígena, iorubá e japonesa, como na série de poemas breves Abayté ya (“alokorô alakorô / oh oxotokanxoxô”) e na Arte poética: “na serra da desordem / no piracambu tapiri / em cada igarapé do pindaré / em cada igarapé do gurupi / existe uma palavra / uma palavra nova para mim”. Em Brasibraseiro, livro escrito a quatro mãos com Frederico Barbosa e publicado em 2004, há uma estratégia de revisitação da cultura brasileira em sua multiplicidade étnica, linguística, religiosa, estética, tendo como perspectiva utópica um novo projeto civilizacional (“para que seja / exterminado / o jugo / para não haver ignorância / tendo porto aberto / a liberdade popular”).

O livro recupera episódios da história brasileira, como a escravidão e a catequese, inclusive parodiando o discurso quinhentista, e chega até a época contemporânea, como no belíssimo poema Strassenkinder, que retrata o cenário de exclusão dos meninos de rua (“crianças de poucos pentelhos / de rubras roupas rasgadas”). É preciso destacar também os pioneiros estudos de etnopoesia realizados por Risério em livros como Textos e tribos e Oriki orixá, este último acompanhado por criativas traduções de poemas rituais da tradição oral nagô-iorubá que celebram os orixás do candomblé, como este belo oriki, pleno de sutilezas sonoras: “Xangô oluaxô fera faiscante olho de orobô / Bochecha de obi. / Fogo pela boca, dono de Kossô”.

(Artigo publicado na edição de maio da revista CULT)

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