UMA POÉTICA ENTRE O SILÊNCIO E O RUÍDO
Duda Machado realiza uma arquitetura poética concentrada,
com economia sintática, densidade semântica, discurso fraturado, elíptico,
espacialização de palavras e linhas. Sua pesquisa formal deriva da leitura
intensa de João Cabral de Melo Neto e da Poesia Concreta, mas também da
ressonância do Tropicalismo e da contracultura, elementos presentes em outros
poetas de sua geração, como Antonio Risério e Waly Salomão. Como letrista de
música popular, Duda Machado assina canções como Hotel das estrelas, musicada por Jards Macalé e gravada por Gal
Costa no disco A todo vapor. Seu
livro de estreia, Zil, publicado em
1977, reúne poemas visuais brutalistas, com clara influência do grafitti, como Paint back, composições breves, irônicas e bem-humoradas (“Inferno:
os anjos ouvem / a décima sinfonia de Beethoven”), peças permutatórias,
construídas pela repetição das mesmas palavras, em ordem e combinação
diferentes (“habitar os abismos / manter a face / voltada para o sol // habitar
/ manter os abismos / voltados para o sol // os abismos / a face / o sol: /
gozo louco”) e inventivos poemas em prosa, como Ária (“lambança, aboio, maracatu, papoamarelo, caroá, xerém, gado
preto sobre o campo branco, esplendor de estandartes”).
O desenho minimalista terá continuidade em seu segundo livro de poemas, Um outro, reunido, juntamente com Zil, no volume Crescente,
publicado em 1990. A
nova coletânea radicaliza o esforço de concisão, só comparável ao desenvolvido
por Carlos Ávila, Ronald Polito e Júlio Castañon Guimarães, e o leque temático
se amplia, dialogando de modo mais enfático com a vida e o mundo, como nestas
linhas de Visão do avesso: “neon insone / esquinas
frigorífico // na madrugada / drogada / céu e asfalto / se ombreiam / exaustos
// a um canto / travesti e pivete / apressam um trato // : déja vu / restos /
pano rápido”. Em Hora do rush, peça composta
de apenas oito palavras, encontramos este pequeno retrato urbano, de um
expressionismo ácido: “moinhos / de braços / inimigos / ao vento / s’entre /
ferindo”. Em outra peça, Sortilégio,
Duda Machado faz um delicado retrato do cotidiano, dialogando com a passante de
Baudelaire: “moça / sob a chuva / anda / olha / como quem / abre cortinas // a
chuva lhe cai em cima / ou se limita / a segui-la?”. O lirismo não está
ausente, mas é redimensionado em estruturas poéticas calculadas que valorizam o
som e o silêncio, a figura e o vazio: pensamento, sonoridade e visualidade
formam uma unidade estética, na qual a voz lírica e o referente externo são
elementos da ficção encenada que é o próprio poema.
Margem de uma onda,
publicado em 1997, inaugura nova fase na escrita de Duda Machado: o poeta
reconstrói a sintaxe, em versos mais longos, sem cair na mera discursividade.
As figuras metonímicas, cortes bruscos, variações de ritmo e palavras
inesperadas vivificam a fala, compondo quadros expressivos da cena urbana, como
na peça Urubu-abaixo: “overdose de
dezenas / de dúzias / desovam / desossam / desencarnam / subterrâneos jardins
de infância / de quem mais carniça que criança / abocabraba / saliva rala /
tudo que os exprime / reinventa o crime / etês / erês / num bafo de forra / vão
mamando cola”. O realismo crítico, em outras peças, aproxima-se, pela paródia,
da linguagem jornalística, como acontece em Fim
de semana: “Já entraram no barraco fuzilando. / No balão de oito metros de
largura / o nome dele estava escrito / com lanternas na rabeira. / Deixaram um
corpo amarrado no poste / pra todo mundo ver. / A maior parte / é no fim de
semana”. Adivinhação da leveza, livro
mais recente do autor, publicado em 2014, mantém a discursividade linear, com
temas reflexivos, intimistas e a reinvenção do cotidiano, como no minipoema Jornada: “Sarcasmos do sol, / a pausa e,
depois, / o céu inflige / o seu recorde / de cicatrizes”.
(Artigo publicado na edição de junho da revista CULT)
(Artigo publicado na edição de junho da revista CULT)
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