domingo, 12 de janeiro de 2014

CADERNOS BESTIAIS (II)



BREVE HISTÓRIA DO FABRICANTE DE CERVEJA

Cabeça com tentáculos de harpia,
obeso como grávido
escaravelho,
despreza (deliberadamente)
as leis
que o desagradam.
Contrata paraguaios, chilenos, peruanos,
hondurenhos, guatemaltecos,
haitianos
para trabalharem
em sua fábrica,
sem identidade, passaporte
ou carteira de trabalho.
Tudo é número
no anguloso inferno fabril.
Multiplica as horas
para a moagem do malte,
a maceração,
a fervura do mosto,
a adição dos lúpulos de aroma,
a decantação.
Com olhar imóvel de um porco morto,
contabiliza os ganhos
de sua rapinagem
clandestina,
como quem conta cordeiros
ou estrelas.
Um dia, cinco musculosos haitianos
pegaram o pilantra
pelas orelhas,
surraram-no
e jogaram-no
no meio da fervura.
Após o expediente,
reuniram todo o pessoal
no quintal da fábrica
e beberam muita, muita cerveja.


PAISAGEM

Árvores saqueiam o arco-íris.

Três banqueiros atiram-se
ao rio e morrem afogados.

Nuvens piscam o olho para o sol,
que enfurece os dentes-de-leão.

Ninguém me oferece uma estrela.

Quando eu morrer, me enterrem
na tua voz.


JUIZ

Cabeça de fungo 
reptilizada
olho-de-corvo
e coluna inclinada
calvo como um imperador
romano, sorriso áspero
e lustrosos sapatos italianos
toga escura como o medo
(enterra-te no escuro,
enterra-te no medo).

  
JUIZ (II)

“Tu, pessoa nefasta”
— Gilberto Gil

Fúria,
palavras afiadas 
em fúria, para fustigar 
a esfarrapada justiça
e sua voz estorricada 
que absolve os roubos dos ricos
e condena os insubordinados, 
ladrando trevas.


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