Luciana Garcia de Oliveira*
“Escute, eu sei que você está
gravando, mas eu pessoalmente gostaria de ver todos eles mortos ... Eu gostaria
de ver todos os palestinos mortos porque são uma doença em qualquer lugar que
vão.”
Tenente do Exército israelense,
Líbano, 16 de junho de 1982.
Três décadas se passaram do
episódio considerado como um dos mais sangrentos nas últimas décadas. Mesmo
diante de um crime de enorme proporção, são muito poucos que conhecem de fato a
história das guerras do Líbano com todos os detalhes. Talvez esse seja o motivo
pelo qual, o cenário do que foram os campos de refugiados palestinos de Sabra e
Chatila, tenha tido poucas mudanças efetivas. De acordo com diversos
correspondentes internacionais que visitam esses locais hoje, os cerca de 13
mil refugiados que vivem em Chatila, além de conviverem com os traumas do
passado, sobrevivem com um presente de miséria e abandono.
A mudança deve-se ao fato de que
Sabra deixou de ser reconhecido como campo de refugiados, convertendo-se em um
dos bairros mais miseráveis de Beirute, sem que haja reconhecimento desses
locais como parte do país. Não há coleta de lixo e nem quaisquer serviços
públicos, o que torna a situação de moradia e saúde muito mais alarmante do que
podemos imaginar.
O pouco conhecimento se deve
principalmente ao fato de haver poucos vestígios das lembranças do massacre de
Sabra e Chatila. Mesmo diante do boicote israelense na época, as imagens ainda
existentes em vídeos e fotografias, podem traduzir com fidelidade o desespero
dos sobreviventes diante de centenas de corpos empilhados e ou enfileirados nas
ruas estreitas de terra, cercada por casas simples e muitos barracos.
Lembranças traumáticas vividas à
partir da noite do dia 16 de setembro de 1982, no instante em que os refugiados
palestinos foram surpreendidos com a iluminação de sinalizadores de fogo
disparados no céu, clareando a noite. Nessa altura, a população dos campos não
pode imaginar o que seriam as primeiras movimentações israelenses para proteger
e garantir a entrada das forças falangistas (milícias da extrema direita cristã
libanesa) nos campos de refugiados.
O medo e o terror foram
imediatamente instalados, quando muitos tanques cercaram a entrada e a saída
dos campos. A partir daí Israel e as milícias falangistas deram início à 62
horas de pura violência contra a população civil palestina. Estima-se que esse
episódio tenha tido no mínimo, um saldo de 3 mil mortes, entre idosos, mulheres
e crianças, em sua maioria.
Israel teria invadido o Líbano em
represália ao assassinato de um embaixador de Israel em Londres por um
palestino que supostamente vivia no campo de Chatila. Dentro desse mesmo
contexto de guerra civil libanesa, o Exército israelense entra em acordo com os
chefes das milícias cristãs para viabilizar a invasão dos dois campos de
refugiados. O agravante estaria na constatação de que pouco dias antes do
atentado, Israel e Palestina haviam assinado um cessar fogo, intermediado por
um enviado norte-americano, Philip Habib, que resultou no consentimento
palestino pela saída de todos os integrantes da Organização de Libertação da
Palestina (OLP) da capital libanesa. Fato que reafirma o massacre civil de uma
população absolutamente indefesa.
Naquele instante, o então
Ministro da Defesa de Israel não cumpriu com o acordo e permitiu que a Falange
entrasse nos campos e realizasse o massacre. Ao mesmo tempo, o Exército de
Israel detinha o controle da entrada e saída dos campos. Testemunhas relataram
que muitas mulheres grávidas e com crianças de colo foram sumariamente
impedidas de saírem dos campos. Alguns dias após o massacre e ainda durante o
cerco em Beirute, a OLP acusou Israel de empregar táticas semelhantes às
utilizadas por Adolf Hitler contra os judeus, durante a Segunda Guerra Mundial.
Os responsáveis pelo massacre
nunca foram punidos. Ariel Sharon, chegou a ser condenado pelas Nações Unidas,
porém nunca foi penalizado de fato. Ao contrário, continuou exercendo
impunemente sua carreira política em diversos cargos dentro do Ministério de
Israel.
A impunidade e a injustiça estão
absolutamente divulgados no chamado relatório da comissão Kahan, datado de
1983, documento pelo qual o jornalista Robert Fisk não se furtou em classificar
o massacre como o resultado “da obsessão selvagem de Israel com o terrorismo”.
Em sua obra Pobre Nação ressaltou: “Os israelenses retrataram o documento como
uma poderosa evidência de que sua democracia ainda brilhava como um farol sobre
as ditaduras dos outros Estados do Oriente Médio” (FISK, 2001, p. 518). Mesmo
diante dessa constatação, ao analisar o texto desse documento oficial, é
possível concluir que trata-se, acima de tudo, de um documento extremamente
falho e tendencioso em seu conteúdo. A começar com o título: sobre “os eventos
nos campos de refugiados”, ao invés de qualifica-lo como massacre, sem ao menos
mencionar a palavra palestino.
E por falar em terrorismo tão
repetidas vezes, os autores do relatório Kahan demostravam que haviam esquecido
a regra básica que todos os invasores do Líbano deveriam aprender: “que, ao se
tornar amigo de um grupo terrorista, você também se torna terrorista” (FISK,
2001, p. 523). A informação é a arma mais eficaz para que a impunidade não
prevaleça e a história jamais seja esquecida.
(*) Integrante do Grupo de
Trabalho sobre o Oriente Médio e o Mundo Muçulmano do Laboratório de Estudos
sobre a Ásia da Universidade de São Paulo (LEA-USP).
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