quarta-feira, 30 de novembro de 2011

HOMENAGEM A PAULO LEMINSKI NO CENTRO CULTURAL SÃO PAULO


















Caros, no dia 06 de dezembro, terça-feira, às 19h30, o poeta Lúcio Agra fará uma palestra sobre Paulo Leminski no Centro Cultural São Paulo, dentro do ciclo mensal Poetas de Cabeceira (haverá interpretação em Libras). E no dia 16/12, sexta-feira, às 19h30, acontecerá o recital “O Ex-Estranho: Leituras de Paulo Leminski”, atividade do Clube de Leitura de Poesia, com a participação de Marcelo Tápia, Claudio Daniel, Neuza Pinheiro, Danilo Bueno, Andréa Catrópa, Dila Galvão, Estrela Leminski e Yun Jung Im. As duas atividades têm entrada franca, sem necessidade de retirada de ingressos, e acontecerão na Sala de Debates do CCSP.

terça-feira, 29 de novembro de 2011













A dançarina Cristina Antoniadis Bordokan.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

NOITE DO ORIENTE MÉDIO NO CENTRO CULTURAL SÃO PAULO


Caros, na próxima sexta-feira, dia 02 de dezembro, às 20h30, será realizado no Centro Cultural São Paulo um novo recital do ciclo Poesia dos 4 Cantos: será a Noite do Oriente Médio, que apresentará a leitura de poemas tradicionais e contemporâneos de autores do Líbano, Síria, Palestina, Irã e outros países com interpretação da poeta e atriz Francesca Cricelli e a participação dos músicos William Bordokan, Semi el Khouri Bordokan, Claudio Kairouz e Rogério de Queiroz e da dançarina Cristina Antoniadis Bordokan.

Local: Centro Cultural São Paulo – Praça das Bibliotecas

Rua Vergueiro, 1.000, próximo à estação de metrô.

Entrada franca - sem necessidade de retirada de ingressos

Durante a semana, haverá também uma exposição temática de obras da literatura do Oriente Médio nos exibidores da Biblioteca Sérgio Milliet do Centro Cultural São Paulo.


UM POEMA DE ROBERTO ECHAVARREN

CONFISSÃO PIRAMIDAL

pirâmides formando em um momento
Julián del Casal

Se a distribuição dos azuis nesta vertigem
cônica, em vésperas de primavera
sobre a colcha, espera tudo da música
ainda que colabore para o espelhismo de finais
plenos de sentidos, é que a vida
traz seus feixes apertados, suas gavelas, o torneado
turbante do qual o sol escapa girando
e não sabemos qual é a relação entre "arte" e "vida"
salvo quando o pêlo de uma gata no cio se eriça.
Se pudesses descrever a vida como uma coleção de vestidos
ou crimes que saltam à vista:
penso na foto de um indonésio com o crânio varado
por uma bala, porém esta imagem,
que está à minha disposição, é uma entre outras
e no espelhismo, nas imagens que meu corpo absorve, nas que expele,
uma onda de piolhos que, à luz tíbia da janela, aparecem na pele do macaco,
se desalinha uma cabeleira, colada com coágulos de sangue contra um crânio,
mas os olhos não se correspondem com essa ou outra imagem,
são os olhos da morte, ou melhor, do estar morrendo:
vertigem da mulher que desperta no teto de seu automóvel
feito um nó de ferros retorcidos, vê sua filha jazer a seu lado
e ao querer tocá-la percebe que não há nada onde havia um braço,
que não tem braços, que foram abolidos
como uma folha fica aprisionada entre as páginas de um livro;
onde havia um mundo ainda há um mundo.
"Nós quase te quisemos. Faltou pouco
para nos convencer. Talvez o problema não esteja em ti,
mas em uma nova forma de ver que se foi insinuando
ultimamente.
Ou então, e isto talvez nos permita ser mais exatos:
uma maneira de olhar que era a nossa
mas que já não consideramos útil, ou interessante, ou possível prosseguir.
Talvez os problemas de nossa economia
mudem as realidades de - não vamos dizer uma década,
mas daqueles poucos meses anteriores a este brutal
começo da primavera. O próprio ar,
quer dizer, as elevações repentinas no clima
desta cidade, os pináculos de som,
a luz do sol na água de uns olhos verdes, a certa hora da tarde,
muda algo tão incongruente como o cardigã da hora de jantar.
E tua vida assim, entre os crepúsculos
instantâneos e os incertos períodos de cegueira,
atravessa ruas que rapidamente deixaram de ser as mesmas
e todos os trastes de uma incipiente parafernália
com suas órbitas particulares de interesse, seus contrastes
ou divergências dentro do espírito de uma época,
quando alguém buscava simplesmente expandir ou aprofundar
os limites da compreensão e as condições do diálogo,
tornaram-se agora os mensageiros tresnoitados de uma mudança
em que os indícios não revertem a um sistema, senão implicam de súbito
que os mais inocentes sonhos de império ficaram
sem o menor xale para cobrir os ombros,
quer dizer, sem a menor possibilidade de acordo,
de somatórios que os desígnios propícios do princípio do dia
nos fazem ver agora como ruínas
antes que tenham sido completados sequer os alicerces.
Porém, a aventura é descrita em termos
tão encantadores, os cronistas continuam falando
de uma Flórida de saudações;
não já salões e salões, decorados e mobiliados
segundo o gosto prolixo dos aposentos de inverno,
onde a aurora, tão prematura agora, chega para mostrar
o leve desbotado ou deterioração dos materiais mais firmes,
o veludo, por exemplo, enroscando-se nas borlas torturadas
porém majestosas de um cortinado, atrás do qual
o Príncipe de Urbino está envolto como uma crisálida
diante da aurora já vermelha de desastres;
ou as amêndoas e o marzipã moídos neste bolo nupcial,
ou os pingentes aplastados com as colunas ainda verticais
porém partidas, e os diademas, e o índigo do mar
e o rímel de sobrancelhas e cílios;
as camisas arrancadas numa navegação de corpo perdido;
a paisagem decapitada; o indistinto
butim que um emigrado arrasta e incorpora,
de que caem fragmentos, jóias são roubadas,
novos frisos aparecem como um mar esmeralda
ou o cone de um sorvete de menta.
Pela colcha rasgada saem os pés indenes,
os pés de barro do colosso,
prestes a calçar-se de novo para a empresa
do conquistador da vez, pés alados,
pés cansados; pés que são com efeito
o único despojo da batalha."

Tradução: Luiz Roberto Guedes e Claudio Daniel

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

ATO DE SOLIDARIEDADE AO POVO PALESTINO













Caros, no dia 28 de novembro será comemorado o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino. Haverá uma sessão solene na Assembleia Legislativa de São Paulo, às 20h. Além das manifestações de parlamentares e líderes partidários, haverá uma exposição de fotos da ocupação sionista e da resistência palestina e a leitura de poemas de autores como Darwish. Compareçam e divulguem, vamos manifestar o nosso apoio à causa palestina!

terça-feira, 22 de novembro de 2011



POETAS DA PALESTINA (III)


REFUGIADO


O sol atravessa as fronteiras
sem que os soldados atirem
o rouxinol canta manhã e tarde
e dorme em paz
com todos os pássaros dos kibutz
um asno extraviado
pica o pasto
em paz
sobre a linha de fogo
sem que os soldados atirem nele
e eu
teu filho exilado
-- Ó terra de minha pátria
entre meus olhos e teus horizontes
a muralha das fronteiras

(Salim Jabran)


SOBRE OS ÍNDIOS VERMELHOS

A América
das flores mortuárias
danças e ritmos sobre as ruínas

de vocês não sobra mais que os filmes
que provocam risos... e as lágrimas
Ó meus irmãos os mortos
que provocam o riso e as lágrimas!
Os campos dos colonos se estendem por toda parte
amplos, ricos, reverdejantes
as fábricas dos colonos ensurdecem o mundo com sua algazarra
infectam o céu
que posso dizer irmãos meus?
Que vossa história durma em paz
e a morte à civilização
que se edifica sobre as ruínas
e o sangue!

(Salim Jabran)


JOSÉ NO FUNDO DO POÇO

Tuas palavras
ó condutor de caravanas
são tristes
tuas palavras se vão com o vento
e a noite é uma horda de lobos dementes
o transeunte manchou minha fronte
me transpassaram
os inimigos me torturaram
porque meus olhos só amaram
minha pátria
me crucificaram na solidão
Ó condutor de caravanas
meus irmãos me ataram
e me lançaram no fundo do poço
seu silêncio me mata
me assassinaram
Ó condutor de caravanas
porque amei

(Muhammad Al Qissi)

Traduções: Jaime W. Cardoso e José Carlos Gondim

(Do livro Poesia palestina de combate. Rio de Janeiro: Achiamé, 1981.)

POETAS DA PALESTINA (II)

CÓLERA E TRISTEZA

A aldeia em ruínas
como um espantalho
a terra rachada
e os troncos de vossas oliveiras
como ninhos de coruja ou de corvos
quem preparou este ano a carreta?
qum trabalhou a terra?
tu! Onde está teu irmão... onde teu pai
miragens
de onde vens? de uma muralha?
ou acaso das nuvens?
velas pela dignidade dos mortos?
ou fechas tua porta ao cair da noite?
por que não te sublevas
desde o momento em que a carne do pai de teu pai
está crucificada
sobre as botas da noite

tu a amas?
eu a amei antes de ti
e tremi em suas margens escuras
era bela
mas dançou sobre minha tumba

tu e eu
pedimos satisfações à história
à bandeira que perdeu sua virilidade
quem somos?
deixa que a pressa das ruas
beba na indignidade de nosso estandarte assassinado
por que não te rebelas
quando ela estende seus braços aos outros
e seus seios
temos suportado a tristeza durante anos
e o sol não tem nascido
a tristeza é um fogo que o tempo consome
e que o vento desperta
e como domaste o fogo
sem armas
exceto a coalizão de vento e fogo
numa pátria violada

(Mahmoud Darwish)


Traduções: Jaime W. Cardoso e José Carlos Gondim

(Do livro Poesia palestina de combate. Rio de Janeiro: Achiamé, 1981.)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011







POETAS DA PALESTINA (I)

LUA DE INVERNO

Tomarei teu cadáver mártir
mandarei metê-lo em sal e enxofre
depois o tomarei como chá

como um vinho fraco

como um poema
no mercado da má poesia
e direi aos poetas
Ó! Poetas de nossa gloriosa nação
eu sou o assassino da lua
da qual vocês eram os escravos...

(Mahmoud Darwish)


OS LÁBIOS CORTADOS

Eu poderia ter contado
a história do rouxinol assassinado
poderia ter contado
a história...
se não me tivessem cortado os lábios.

(Samih al Qassim)


PROVÉRBIOS

Segundo nosso primeiro antepassado
disseram nos provérbios

“Como uma raposa
que engole uma foice”

“O que o vento traz
a tempestade leva”

“Quem rouba os outros
vive sempre
com medo”.

(Tawfik Az- Zayad)


CARTEIRA DE IDENTIDADE

Registra-me
sou árabe
o número de minha identidade é cinqüenta mil
tenho oito filhos
e o nono... virá logo depois do verão
vais te irritar por acaso?
Registra-me
sou árabe
trabalho com meus companheiros de luta
em uma pedreira
tenho oito filhos arranco pedras
o pão, as roupas, os cadernos
e não venho mendigar em tua porta
e não me dobro
diante das lajes de teu umbral
vais te irritar por acaso?
Registra-me
sou árabe
meu nome é muito comum
e sou paciente
em um país que ferve de cólera
minhas raízes...
fixadas antes do nascimento dos tempos
antes da eclosão dos séculos
antes dos ciprestes e oliveiras
antes do crescimento vegetal
meu pai... da família do arado
e não dos senhores do Nujube
meu avô era camponês
sem árvore genealógica
minha casa
uma cabana de guarda
de canas e ramagens
satisfeito com minha condição
meu nome é muito comum
Registra-me
sou árabe
sou árabe
cabelos... negros
olhos... castanhos
sinais particulares
um kuffiah e uma faixa na cabeça
as palmas ásperas como rochas
arranharam as mãos que estreitam
e amo acima de tudo azeite de oliva e o tomilho
meu endereço
sou de um povoado perdido... esquecido
de ruas sem nome
e todos os seus homens... no campo e na pedreira
amam o comunismo
vais te irritar por acaso?
Registra-me
sou árabe
tu me despojaste dos vinhedos de meus antepassados
e da terra que cultivava
com meus filhos
e não os deixaste
nem a nossos descendentes
mais que estes seixos
que nosso governo tomará também
como se diz
vamos!
escreve
bem no alto da primeira página
que não odeio os homens
que eu não agrido ninguém
mas... se me esfomeiam
como a carne de quem me despoja
e cuidado...cuida-te
de minha fome
e minha cólera.

(Mahmoud Darwish)



Traduções: Jaime W. Cardoso e José Carlos Gondim

(Do livro Poesia palestina de combate. Rio de Janeiro: Achiamé, 1981.)

domingo, 20 de novembro de 2011

POEMAS DE JÚLIO ESPINOSA GUERRA

II

Num estranho processo de metamorfose
a língua nos mumifica
enchendo-nos a boca de algodão
Taxidermistas de nós mesmos
nossos olhos são as presas
alfinetes
os ruídos.

V

Ser como o grilo
e seu canto
Permanecer oculto
nas esquinas
da casa
e dizer tanto
com tão pouco.

IX

Você se aproxima aproxima da caixa
com tremenda devoção
a seus insetos
Examina-os, inspeciona-os
sem atrever-te a soltá-los
de seus alfinetes
Mas quando ninguém te vê
à hora da sesta
por fim te decides
Levantas o cristal
e percebes
que tantas mortes
também cabem numa página
Para tirar-lhes o pó
sopras sobre suas carapaças
Sem querer
tocam-se suas membranas
fundem-se suas barrigas
e outro animal
inclassificado
deixa seu rastro no poema.

XII

Mudar de linguagem
como a serpente
muda de pele.

Traduções: Claudio Daniel


Julio Espinosa Guerra (Chile, 1974) reside na Espanha desde 2001. Publicou os livros de poesia La soledad del encuentro (1999), Las metamorfosis de un animal sin paraíso (2004), a antologia La poesía del siglo XX en Chile (2006) e a novela El día que fue ayer (2006). Dirige a revista de poesia Heterogénea.

sábado, 19 de novembro de 2011

POETAS DE CABECEIRA: DANTE ALIGHERI
















No dia 24 de novembro, quinta-feira, às 19h30, o professor Pedro Heise fará uma palestra sobre o poeta italiano Dante Alighieri, comentando a biografia do autor, sua época, características estéticas e, sobretudo, sua experiência pessoal como leitor da poesia de Dante, autor da Divina Comédia e um dos maiores nomes da literatura universal.

Este evento faz parte das comemorações do Ano da Itália no Brasil.

Centro Cultural São Paulo – Sala de Debates

Entrada franca - sem necessidade de retirada de ingressos

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

UM ESTRANGEIRO NA LEGIÃO: LEITURAS DE ROBERTO PIVA


















Um Estrangeiro na Legião: Leituras de Roberto Piva é um recital dedicado a um dos poetas mais criativos da literatura brasileira da segunda metade do século XX, que em sua obra poética abordou temas como a ecologia, o xamanismo, a mitologia, o hermetismo, a diversidade sexual e novas formas de percepção da realidade. O evento, promovido pelo Centro Cultural São Paulo, é uma edição especial do ciclo Clube de Leitura de Poesia e integra a programação do MIX Brasil.

Data: 16 de novembro, das 19h30 às 21h.

Centro Cultural São Paulo

Rua Vergueiro, n. 1.000, próximo ao metrô

Sala Adoniran Barbosa

É necessário retirar os ingressos na bilheteria no dia do evento.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

GALERIA: RODCHENKO



POEMAS DE GUENÁDI AIGUI


O NOSSO

devo
chegar com meus lábios
aos seus olhos iluminados

e então hei de me surpreender com as veias pulsando de
leve,
suboculares,
e hei de compreender: é por causa de sua transparência
e de seu incorpóreo
que são assim claros e doentes
esses olhos ligeiramente trêmulos

e eu hei de amá-la com minhas mãos e meus lábios,
com o silêncio, o sono e as ruas dos meus versos
com a mentira - para o Estado
com a verdade - para a vida.

Tradução Boris Schnaiderman


NUVENS

Nesta
aldeia de ninguém
trapos indigentes nas cercas —
teréns de ninguém.

E sobre elas nuvens de ninguém,

e adiante — anúncios sobre a infância:
crianças esquálidas, bravias;

e música sobre o nu
de mulheres hunas e citas;

e aqui, no leito, ao rés dos olhos,
algures, junto a pestanas úmidas,
alguém morria e chorava,

enquanto eu compreendia
de uma vez por todas — era

minha mãe.

Tradução: Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman.


JARDIM-TRISTEZA

é
(talvez)
o vento
que inclina – tão leve
(para a morte)
o coração

Tradução: Jerusa Pires Ferreira

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

GALERIA: KAZIMIR MALIÉVITCH



UM POEMA DE ANDRÉI BIÉLI

CANÇÃO PARA GUITARRA

Eu
Estou nas palavras
Tão morbidamente
Mudo:
Minhas sentenças são
Máscaras.
E –
Falo
A vós todos –
– Falo
Fábulas, -
– Porque –
Assim me foi designado,
A razão -
Não a entendo; -
– Porque –
Há tempos tudo se foi no escuro,
Porque – tudo é igual:
Quer eu
Saiba ou não saiba.
Porque só há tédio em toda parte,
Porque a fábula é de esmeralda,
Onde -
Tudo é outro.
Porque há esta avidez dos borrifos
Do prazer;
Porque a difícil
Existência
Para todos
– Tem um só desenlace.
Porque –
– Em suma, -
– Para que
Este inferno?

Porque –
– Para todos
Há um só fim.
E me rompe este riso
Do
Destino
De todos –
– E -
– De
Mim.

Tradução: Augusto de Campos

(Do livro Poesia Russa Moderna, de Augusto e Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman )

terça-feira, 1 de novembro de 2011

UM POEMA DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


A MÁQUINA DO MUNDO


E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”

As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:

e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.