Cena do filme Lua de Fel (Bitter Moon), de Roman Polanski.
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
CÂNONE E ANTICÂNONE: BERTOLD BRECHT
Haroldo de Campos
“Pode-se dizer que a posição poética de Bertold Brecht (1898-1956) é, até certo ponto, simétrica à de Maiakovski. Daí a singularidade da divulgação de poemas seus – já que ele é principalmente conhecido entre nós como grande renovador do teatro contemporâneo – para que a lição de sua poesia possa ser meditada na atual fase de nossa literatura. Anatol Rosenfeld, no admirável posfácio que escreveu para a edição brasileira do poema Cruzada das Crianças, ilustrada por Gerson Knispel (São Paulo: Brasiliense, 1962), acentuou que, em Brecht, se pode colher um elevado exemplo de lealdade do artista a um duplo compromisso, ético e estético. E acrescenta:
O que Brecht exige é a transformação produtiva das formas, baseada no desenvolvimento do conteúdo social. Mas este desenvolvimento material, por sua vez, exige a transformação dos processos formais. Isto explica a pesquisa incansável de Brecht, no terreno da palavra, do estilo, do verso, do ritmo, da cena, do desempenho do ator, da estrutura de sua arte. Esta pesquisa e experimentação incessante não deixaram de lhe render a censuras e a acusação de ser formalista e esteta, quando na realidade a consciência social e a consciência estética se lhe afiguram inseparáveis. O poeta que trai os valores estéticos, isto é, a sua honra profissional, é, no fundo, um traidor de sua consciência social.
Ora, justamente de Maiakovski é a postulação de que ‘sem forma revolucionária, inexiste arte revolucionária’.
A poesia de Brecht aplica à estrutura poemática processos de montagem que podem ser analisados em termos dialéticos, da mesma maneira que Eisenstein interpretava dialeticamente sua teoria da montagem baseada no ideograma chinês. Aliás, a influência da técnica de composição sino-japonesa em Brecht é evidente, seja no seu teatro, que pode buscar uma linhagem na estrutura das peças nô, seja na sua poesia, especialmente na da última fase, de extremo despojamento e de arquitetura elíptica, à maneira do haicai da tradição nipônica, só que com um nítido cariz crítico (como de resto muitos haicais, inclusive do mestre do gênero, Bashô, pois é apenas um equívoco imaginar-se que o breve poema japonês se preste apenas a efeitos lírico-paisagistas).”
(Do livro O Arco-Íris Branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997)
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
POEMAS DE BERTOLD BRECHT (IV)
ALGUMAS PERGUNTAS A UM HOMEM BOM
Bom. Para quê?
Você não é corrupto,
Mas o raio que destrói a casa
Também não é corrupto.
Você diz: jamais se desdiz.
Mas o que você diz?
Você é de boa fé
Declara a sua opinião
Mas qual opinião?
Você tem coragem
Contra quem?
Você é um artista
Repleto de sabedoria
Pleno de talento
Para quem?
Você não visa o próprio interesse
O interesse de quem, então?
Você é um bom amigo,
De boa gente?
Então, escuta:
Nós sabemos que você é o nosso inimigo.
Por isso vamos te encostar no paredão.
Mas, em consideração aos seus méritos
E às suas boas qualidades,
Num bom paredão.
E te fuzilar com boas balas
Disparadas por bons fuzis
E te enterrar
Com boa pá
Em terra boa.
Tradução: Maria Alice Vergueiro / Catherine Hirsch
CANÇÃO DE SALOMÃO
(fragmento)
O indiscreto Brecht quis saber
Escutem suas canções
Como os ricos têm poder
De acumular tantos milhões
Pobre no exílio foi parar
Brecht xereta
Bisbilhoteiro
E com o tempo a correr
Enfim o mundo percebeu
Fuçar demais foi a sua perdição
Melhor viver na discrição...
Tradução: Roberto Galizia
DISCURSO FINAL
Fundar um banco
É bom pra preto / branco
Se o dinheiro não se herda
Descole, senão merda.
Boas para isso são ações
Melhor que facas, canhões
Só uma coisa é fatal:
Capital inicial.
E se a grana falta?
Donde vem, se não se assalta?
Tradução: Elias Andreatto
Bom. Para quê?
Você não é corrupto,
Mas o raio que destrói a casa
Também não é corrupto.
Você diz: jamais se desdiz.
Mas o que você diz?
Você é de boa fé
Declara a sua opinião
Mas qual opinião?
Você tem coragem
Contra quem?
Você é um artista
Repleto de sabedoria
Pleno de talento
Para quem?
Você não visa o próprio interesse
O interesse de quem, então?
Você é um bom amigo,
De boa gente?
Então, escuta:
Nós sabemos que você é o nosso inimigo.
Por isso vamos te encostar no paredão.
Mas, em consideração aos seus méritos
E às suas boas qualidades,
Num bom paredão.
E te fuzilar com boas balas
Disparadas por bons fuzis
E te enterrar
Com boa pá
Em terra boa.
Tradução: Maria Alice Vergueiro / Catherine Hirsch
CANÇÃO DE SALOMÃO
(fragmento)
O indiscreto Brecht quis saber
Escutem suas canções
Como os ricos têm poder
De acumular tantos milhões
Pobre no exílio foi parar
Brecht xereta
Bisbilhoteiro
E com o tempo a correr
Enfim o mundo percebeu
Fuçar demais foi a sua perdição
Melhor viver na discrição...
Tradução: Roberto Galizia
DISCURSO FINAL
Fundar um banco
É bom pra preto / branco
Se o dinheiro não se herda
Descole, senão merda.
Boas para isso são ações
Melhor que facas, canhões
Só uma coisa é fatal:
Capital inicial.
E se a grana falta?
Donde vem, se não se assalta?
Tradução: Elias Andreatto
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
POEMAS DE BERTOLD BRECHT (III)
LISTA DE PREFERÊNCIAS
Alegrias, as desmedidas.
Dores, as não curtidas.
Casos, os inconcebíveis.
Conselhos, os inexeqüíveis.
Meninas, as veras.
Mulheres, insinceras.
Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.
Domicílios, os passageiros.
Adeuses, os bem ligeiros.
Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.
Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contingentes.
Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.
Cores, o rubro.
Meses, outubro.
Elementos, os fogos.
Divindades, o logos.
Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.
OS ESPERANÇOSOS
Pelo que esperam?
Que os surdos se deixem convencer
E que os insaciáveis
Devolvam-lhes algo?
Os lobos os alimentarão, em vez de devorá-los!
Por amizade
Os tigres convidarão
A lhes arrancarem os dentes!
É por isso que esperam!
EPITÁFIO 1919
A Rosa Vermelha desapareceu.
Para onde foi, é um mistério.
Porque ao lado dos pobres combateu
Os ricos a expulsaram de seu império.
A QUEIMA DE LIVROS
Quando o regime ordenou que fossem queimados publicamente
Os livros que continham saber pernicioso, e em toda parte
Fizeram bois arrastarem carros de livros
Para as pilhas em fogo, um poeta perseguido
Um dos melhores, estudando a lista dos livros queimados
Descobriu, horrorizado, que os seus
Haviam sido esquecidos. A cólera o fez correr
Célere até sua mesa, e escrever uma carta aos donos do poder.
Queimem-me! Escreveu com pena veloz. Queimem-me!
Não me façam uma coisa dessas! Não me deixem de lado! Eu não
Relatei sempre a verdade em meus livros? E agora tratam-me
Como um mentiroso! Eu lhes ordeno:
Queimem-me!
ORGULHO
Quando o soldado americano me contou
Que as alemãs filhas de burgueses
Vendiam-se por tabaco, e as filhas de pequenos burgueses por chocolate,
E as esfomeadas trabalhadoras escravas russas, porém, não se vendiam
Senti orgulho.
Tradução: Paulo César Souza
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
POEMAS DE BERTOLD BRECHT (II)
A LENDA DA PUTA EVELYN ROE
1 - Veio a Primavera era azul o mar
Mas ela não sossegou
Com o último barco ao navio chegou
A jovem Evelyn Roe.
2 - Vestido bem simples cobria seu corpo
Belo celestial
Em vez de jóias o ouro só
Do seu cabelo tão sensual.
3 - “Meu capitão, ai, leva-me à Terra Santa
Anseio por meu Jesus!”
“Pois vem, mulher, porque bela és tu
E loucos somos nós!”
4 - “Cristo vos pague que pobre eu sou
Minh’alma é de Jesus, é do Senhor”.
“Pois dá-nos teu tenro corpo, mulher
Porque o Deus que tu amas não nos pode pagar
Pois já morreu na cruz”.
5 - Eles navegaram com vento e sol
E amaram Evelyn Roe.
Que comeu seu pão e bebeu seu vinho
Mas com lágrimas o amargou…
6 - Dançavam de dia
Dançavam de noite
E o leme ficou ao léu
Evelyn Roe era branda e doce
Eles duros qual pedra e fel.
7 - Ela viu primavera e verão passar
De sapatos rotos de noite andou
De verga em verga, perdido o olhar
Uma praia tranqüila quis vislumbrar
A pobre Evelyn Roe.
8 - Dançava de dia
Dançava de noite
Qual doente enlanguesceu
“Meu capitão, quando afinal
Terra Santa verei eu?”.
9 - Nas coxas o capitão sorriu
E beijando-as lhe falou:
“Quem disso tem culpa não sou eu
E sim a Evelyn Roe”.
10 - Dançava de dia
Dançava de noite
Qual cadáver ela ficou
E do capitão ao grumete, enfim
Todo mundo dela se fartou.
11 - Trapos cobriam seu corpo já
gasto ferido inchado
E grenhas imundas a lhe cair
No rosto desfigurado.
12 - “Jamais te verei, Cristo meu Jesus
Com meu corpo pecador
Tu não podes com puta Te encontrar
Com esta pobre mulher, Senhor!”
13 - Da popa à proa ela vagueou
Coração e pés a sangrar
Numa noite quando ninguém a viu
Ela se atirou no mar.
14 - E a onda glauca a acolheu
E o seu corpo alvo tornou
E agora bem antes do capitão
Terra Santa ela alcançou.
15 - Quando enfim chegou ao Paraíso
São Pedro o portão trancou
Deus disse:
“Não vou acolher no céu a puta Evelyn Roe”.
16 - Também quando ao Inferno ela chegou
A porta na cara levou
E o diabo gritou:
“Não quero aqui a beata Evelyn Roe”.
17 - Então ela anda de déu em déu
Ao vento e ao luar vagueando
Em verdade vos digo eu a vi passar
Tarde da noite… no campo a errar…
Às tontas, sem paz, sem jamais parar
Alma penada
Sem morada
A pobre Evelyn Roe.
Tradução: Tatiana Belink, Maria Alice Vergueiro e Catherine Hirsch
1 - Veio a Primavera era azul o mar
Mas ela não sossegou
Com o último barco ao navio chegou
A jovem Evelyn Roe.
2 - Vestido bem simples cobria seu corpo
Belo celestial
Em vez de jóias o ouro só
Do seu cabelo tão sensual.
3 - “Meu capitão, ai, leva-me à Terra Santa
Anseio por meu Jesus!”
“Pois vem, mulher, porque bela és tu
E loucos somos nós!”
4 - “Cristo vos pague que pobre eu sou
Minh’alma é de Jesus, é do Senhor”.
“Pois dá-nos teu tenro corpo, mulher
Porque o Deus que tu amas não nos pode pagar
Pois já morreu na cruz”.
5 - Eles navegaram com vento e sol
E amaram Evelyn Roe.
Que comeu seu pão e bebeu seu vinho
Mas com lágrimas o amargou…
6 - Dançavam de dia
Dançavam de noite
E o leme ficou ao léu
Evelyn Roe era branda e doce
Eles duros qual pedra e fel.
7 - Ela viu primavera e verão passar
De sapatos rotos de noite andou
De verga em verga, perdido o olhar
Uma praia tranqüila quis vislumbrar
A pobre Evelyn Roe.
8 - Dançava de dia
Dançava de noite
Qual doente enlanguesceu
“Meu capitão, quando afinal
Terra Santa verei eu?”.
9 - Nas coxas o capitão sorriu
E beijando-as lhe falou:
“Quem disso tem culpa não sou eu
E sim a Evelyn Roe”.
10 - Dançava de dia
Dançava de noite
Qual cadáver ela ficou
E do capitão ao grumete, enfim
Todo mundo dela se fartou.
11 - Trapos cobriam seu corpo já
gasto ferido inchado
E grenhas imundas a lhe cair
No rosto desfigurado.
12 - “Jamais te verei, Cristo meu Jesus
Com meu corpo pecador
Tu não podes com puta Te encontrar
Com esta pobre mulher, Senhor!”
13 - Da popa à proa ela vagueou
Coração e pés a sangrar
Numa noite quando ninguém a viu
Ela se atirou no mar.
14 - E a onda glauca a acolheu
E o seu corpo alvo tornou
E agora bem antes do capitão
Terra Santa ela alcançou.
15 - Quando enfim chegou ao Paraíso
São Pedro o portão trancou
Deus disse:
“Não vou acolher no céu a puta Evelyn Roe”.
16 - Também quando ao Inferno ela chegou
A porta na cara levou
E o diabo gritou:
“Não quero aqui a beata Evelyn Roe”.
17 - Então ela anda de déu em déu
Ao vento e ao luar vagueando
Em verdade vos digo eu a vi passar
Tarde da noite… no campo a errar…
Às tontas, sem paz, sem jamais parar
Alma penada
Sem morada
A pobre Evelyn Roe.
Tradução: Tatiana Belink, Maria Alice Vergueiro e Catherine Hirsch
POEMAS DE BERTOLD BRECHT (I)
REMAR, CONVERSA
Noite. passam deslizando
dois barcos. Dentro
dois jovens. Torsos
nus. Lado a lado remando
conversam. Conversando
remam lado a lado.
HOLLIWOOD
Toda manhã, para ganhar meu pão
Vou ao mercado, onde se compram mentiras.
Cheio de esperança
alinho-me entre os vendedores.
SOBRE UM LEÃO CHINÊS DE RAIZ DE CHÁ
Os maus temem tuas garras.
Os bons alegram-se com teu garbo.
O mesmo
quero ouvir
de meus versos.
EPITÁFIO
Escapei aos tigres
Nutri os percevejos
Fui devorado
Pela mediocridade
LENDO O JORNAL ENQUANTO FERVE O CHÁ
De manhã cedo leio no jornal os memoráveis planos
do Papa e dos reis, dos banqueiros e dos magnatas do petróleo.
Com o rabo do olho vigio
a panela com água para o chá,
como esta fica turva e borbulha e de novo se aclara
e ao transbordar do vaso apaga o fogo.
A MORTE VOLUNTÁRIA DO FUGITIVO W. B.
Ouvi dizer que levantaste a mão contra ti mesmo
antecipando o carniceiro.
Oito anos banido, o olho no triunfo do inimigo,
impelido afinal a uma fronteira intranspassável
passaste, como se diz, o passo transpassável.
Ruem os reinos. Chefes de quadrilha
acodem em compasso de estadistas. Os povos
somem da vista, toldados pelas armas.
O futuro no escuro. Frágeis
os poderes benignos. E vias tudo isso
quando destruíste o corpo torturável.
Tradução: Haroldo de Campos
Noite. passam deslizando
dois barcos. Dentro
dois jovens. Torsos
nus. Lado a lado remando
conversam. Conversando
remam lado a lado.
HOLLIWOOD
Toda manhã, para ganhar meu pão
Vou ao mercado, onde se compram mentiras.
Cheio de esperança
alinho-me entre os vendedores.
SOBRE UM LEÃO CHINÊS DE RAIZ DE CHÁ
Os maus temem tuas garras.
Os bons alegram-se com teu garbo.
O mesmo
quero ouvir
de meus versos.
EPITÁFIO
Escapei aos tigres
Nutri os percevejos
Fui devorado
Pela mediocridade
LENDO O JORNAL ENQUANTO FERVE O CHÁ
De manhã cedo leio no jornal os memoráveis planos
do Papa e dos reis, dos banqueiros e dos magnatas do petróleo.
Com o rabo do olho vigio
a panela com água para o chá,
como esta fica turva e borbulha e de novo se aclara
e ao transbordar do vaso apaga o fogo.
A MORTE VOLUNTÁRIA DO FUGITIVO W. B.
Ouvi dizer que levantaste a mão contra ti mesmo
antecipando o carniceiro.
Oito anos banido, o olho no triunfo do inimigo,
impelido afinal a uma fronteira intranspassável
passaste, como se diz, o passo transpassável.
Ruem os reinos. Chefes de quadrilha
acodem em compasso de estadistas. Os povos
somem da vista, toldados pelas armas.
O futuro no escuro. Frágeis
os poderes benignos. E vias tudo isso
quando destruíste o corpo torturável.
Tradução: Haroldo de Campos
domingo, 26 de dezembro de 2010
COLEÇÃO CAIXA PRETA
Caros, a coleção de poesia Caixa Preta, que organizo para a Lumme Editor, já tem onze títulos publicados. São eles:
Paulistanas e Homoeróticas, de Horácio Costa
Pincel de Kyoto, de Wilson Bueno
Poemas Diversos, de Élson Fróes
Mergulho às Avessas, de Andréa Catrópa
Prática do Azul, de Jorge Lúcio de Campos
Fronteiras da Pele, de Ana Maria Ramiro
Trânsitos, de Virna Teixeira
A Cartografia da Noite, de Micheliny Verunschk
Nave, de Lígia Dabul
De Gestos Lassos ou Nenhuns, de Thiago Ponce de Moraes
Quem estiver interessado em adquirir algum desses títulos pode escrever para a Lumme, pelo e-mail vendas@lummeeditor.com
Paulistanas e Homoeróticas, de Horácio Costa
Pincel de Kyoto, de Wilson Bueno
Poemas Diversos, de Élson Fróes
Mergulho às Avessas, de Andréa Catrópa
Prática do Azul, de Jorge Lúcio de Campos
Fronteiras da Pele, de Ana Maria Ramiro
Trânsitos, de Virna Teixeira
A Cartografia da Noite, de Micheliny Verunschk
Nave, de Lígia Dabul
De Gestos Lassos ou Nenhuns, de Thiago Ponce de Moraes
Quem estiver interessado em adquirir algum desses títulos pode escrever para a Lumme, pelo e-mail vendas@lummeeditor.com
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
FIO, FENDA, FALÉSIA
eu sou
(na medida
do meu silencio)
e nada me agarra
assim com força
eu sou efêmera
fêmea de pleno ar
profusão de escape
e passagem
eu vou ali e
já não sou mais
estou, onde pensam
me ver: sumi-
douros pr'além mar
— desculpe,
já não estou
eu sinto muito
(eu sinto demais)
meu corpo é quem
responde por mim
um esqueleto
vermelho
minha túnica
de estrelas
minha mão
um espelho
cravejado
de dentes
minha boca
em ferrugem
sem nenhuma
garantia
estilhaço
de pensamento
e breu, meu
coração acelerado
(Poema do livro fio, fenda, falésia, de Érica Zíngano, Roberta Ferraz e Renata Huber, publicado neste ano com o apoio do Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura. Um belíssimo livro de poesia.)
(na medida
do meu silencio)
e nada me agarra
assim com força
eu sou efêmera
fêmea de pleno ar
profusão de escape
e passagem
eu vou ali e
já não sou mais
estou, onde pensam
me ver: sumi-
douros pr'além mar
— desculpe,
já não estou
eu sinto muito
(eu sinto demais)
meu corpo é quem
responde por mim
um esqueleto
vermelho
minha túnica
de estrelas
minha mão
um espelho
cravejado
de dentes
minha boca
em ferrugem
sem nenhuma
garantia
estilhaço
de pensamento
e breu, meu
coração acelerado
(Poema do livro fio, fenda, falésia, de Érica Zíngano, Roberta Ferraz e Renata Huber, publicado neste ano com o apoio do Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura. Um belíssimo livro de poesia.)
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
CONFISSÕES INCONFESSÁVEIS
Caros, o Ano do Tigre foi melhor do que eu esperava. Fui aprovado no exame para o ingresso no doutorado na USP, no programa de Literatura Portuguesa, obtive a faixa roxa (4º kyu) em Aikidô, arte marcial japonesa que pratico há algum tempo, e agora fui nomeado curador de Literatura no Centro Cultural São Paulo. Ministrei cursos de criação poética na Casa das Rosas e em seis bibliotecas públicas, além de manter o Laboratório de Criação Poética, que está em atividade há três anos. Participei de eventos literários no Rio de Janeiro (Artimanhas Poéticas, do qual fui curador, ao lado de Gabriela Marcondes), São Paulo (III Festival Simpoesia), Santa Catarina (Folia das Falas), Paraíba (I Seminário Sesc de Literatura), Distrito Federal (IV Concurso Literatura para Todos, no qual fui jurado) e ainda estive uma semana em Portugal, participando do II Festival Tordesilhas, Poetas de Língua Portuguesa, que organizei com Virna Teixeira e aconteceu na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa. Publiquei a plaquete Letra Negra, talvez o melhor poema que escrevi até hoje (selo Arqueria), uma segunda edição de A Sombra do Leopardo (selo Orpheu, da editora Multifoco) e agora a antologia Todo começo é involuntário: a poesia brasileira no início do século 21 (Lumme Editor). Ufa, pensam que foi só isso? Editei três números da revista Zunái, desta vez sem a colaboração do amigo Rodrigo de Souza Leão, que se foi há um ano, e ainda publiquei artigos acadêmicos em revistas impressas e eletrônicas. Ufa... sem falar dos últimos lançamentos da coleção Caixa Preta, que organizo para a Lumme Editor — livros dos poetas Micheliny Verunschk, Lígia Dabul e Thiago Ponce de Moraes. Ufa! Como diria Macunaíma: ai, que preguiça! Minha vontade era passar o final de ano numa bela praia caribenha, bem distante de tudo e de todos, mas ficarei aqui em Sampa, organizando novos projetos para 2011, o Ano do Coelho, incluindo um novo livro de poemas, Portão 7. Agora, não é possível encerrar este brevíssimo resumo do ano sem citar o falecimento de Wilson Bueno e Roberto Piva, dois queridos poetas que estavam na linha de frente da literatura brasileira contemporânea, e a eleição de nossa presidente Dilma Rousseff, que venceu por nocaute o candidato dos ricos e dos reacionários. Quase 150 poetas, escritores e críticos literários brasileiros assinaram um manifesto em apoio à candidatura de Dilma, que representa a continuidade de um projeto generoso de construção da cidadania brasileira. Bem, vou ficando por aqui. Vejo vocês assim que conseguir respirar um pouco.
Há besos,
CD
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
CÂNONE E ANTICÂNONE: HELDER
HERBERTO HELDER: A RAZÃO DA LOUCURA
Contador Borges
A poesia de Helder é assombrosa; é desmedida, e chega a ser desconcertante em seu trânsito entre o absurdo e o sublime, pois nos coloca diante do impossível. E a margem mínima se abre ao rio caudaloso do poema, abolindo a fronteira entre a razão e a loucura, para que o essencial do ser venha à tona.
A poesia de Helder é assombrosa; é desmedida, e chega a ser desconcertante em seu trânsito entre o absurdo e o sublime, pois nos coloca diante do impossível. E a margem mínima se abre ao rio caudaloso do poema, abolindo a fronteira entre a razão e a loucura, para que o essencial do ser venha à tona.
Basta entrar de vez neste volume intitulado Poesia Toda (Herberto Helder. Poesia toda. Lisboa, Assírio & Alvim, 1996) e constatar os seres da linguagem (mistura de coisas e palavras), gerando prodígios em relações surpreendentes. "A manhã começa a bater no meu poema" (...) "As manhãs, os martelos velozes, as grandes flores / líricas". Todas as coisas "Batem nas portas das palavras". "Batem" e entram, acrescente-se. O poema as recebe porque é ao mesmo tempo a casa (o corpo) e a voz da enunciação. Eis "a complicada carne / do poema", o espaço onde o ser se relaciona com a linguagem.
Este estranho comércio entre as palavras, esta economia inflacionaria de sentidos, afetam (iluminam) não apenas o que entendemos por linguagem, mas também o que entendemos por mundo.
Os poemas assim nos ensinam a ver as coisas de outro modo, como se nesse exato momento de claridade e sombra da leitura pudéssemos parar o tempo e isolar o ser no espaço para surpreendê-lo em seu labor secreto, simultaneamente em silêncio e turbulência. Atente-se ao poeta: "Escuta como só agora bate a cor nas maçãs." Sim, porque o poema a surpreende nesse instante inapreensível, nesse plano suspenso, quando a fruta se torna o que é, ao ser atingida pelo movimento espacial da cor, e, por assim dizer, se encarna, deixando o estado bruto, larval, de pré-coisa. O poema apreende a fruta no devir do ser.
A maçã que nos oferece é outra e, ao mesmo tempo, se encontra na essência de todas as frutas. Ele a quer em seu estado adâmico, antes que ela seja mordida pelo verbo, antes que apodreça ou degenere pelo uso do sentido na comunicação, antes que seu ser se perca; ele apanha a maçã com a rede do poema, "sem as mãos", desde a origem, em ato e potência, para restaurar a fruta aos nossos olhos, no instante desse acontecimento em que o ser irrompe das palavras. O poema enriquece nossa relação com as coisas, pois quer a maçã que não pode ser comunicada, o ser perdido da fruta: a nudez essencial.
Devir é movimento. O movimento que se percebe ser.
Não há nada estático na poesia de Helder. Como o rio de Heráclito, tudo nela flui. O devir e o signo coincidem na leitura.
O ser da linguagem, no fundo, é o ser das coisas que se revela ao pensamento, como " o peixe que "vai nadando até se consumar em lento / lírio". O ser é o puro movimento do devir. O peixe que lentamente se consuma em lírio é o acontecimento que nos permite vislumbrar o movimento em cores do ser, ao mesmo tempo em que o pensamento se descobre ele próprio na base desse movimento. Nesse instante, o ser do pensamento é o mesmo que o ser do poema. (Leia o texto integral na Zunái, na página http://www.revistazunai.com/ensaios/contador_borges_herberto_helder.htm)
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
POEMAS DE HERBERTO HELDER
Não te queria quebrada pelos quatro elementos.
Nem apanhada apenas pelo tacto;
ou no aroma;
ou pela carne ouvida, aos trabalhos das luas
na funda malha de água.
Ou ver-te entre os braços a operação de uma estrela.
Nem que só a falcoaria me escurecesse como um golpe,
trêmulo alimento entre roupa
alta,
nas camas.
Magnificência.
Levantava-te
em música, em ferida -
aterrada pela riqueza -
a negra jubilação. Levantava-te em mim como uma coroa.
Fazia tremer o mundo.
E queimavas-me a boca, pura
colher de ouro tragada
viva. Brilhava-te a língua.
Eu brilhava.
Ou que então, entrecravados num só contínuo nexo,
nascesse da carne única
uma cana de mármore.
E alguém, passando, cortasse o sopro
de uma morte trançada. Lábios anônimos, no hausto
de árdua fêmea e macho
anelados em si, criassem um órgão novo entre a ordem.
Modulassem.
E a pontadas de fogo, pulsavam os rostos, emplumavam-se.
Os animais bebiam, ficavam cheios da rapidez da água.
Os planetas fechavam-se nessa
floresta de som unânime
pedra. E éramos, nós, o fausto violento, transformador
da terra
Nome do mundo, diadema.
* * *
A oferenda pode ser um chifre ou um crânio claro ou
uma pele de onça
deixem-me com as minhas armas
deixem-me entoar as onomatopéias, a minha canção de glória.
À noite o cabelo frio
de dia caminho por entre a fábula das corolas
sim, eu sei, queimam-se de olho a olho selvagem mas não se movem
mais altas que eu, mais soberanas, amarelas.
Escuto a travessia cantora dos rios no mundo
depois aparece a longa frase cheia de água.
Guio-me pelas luas no ar desfraldado e
grito de água para água levanto as armas
gritando
enquanto danço o algodão cresce fica maduro o tabaco.
Ninguém fez uma guerra maior. Corno chumbado em sangue e osso,
crânio com luz própria pousando na sua luz,
na pele
as pálpebras abrindo e fechando quem se exaltava
vestido com elas?
Meti na boca um punhado de diamantes - e
respirei com toda a força. E tremi ao ver como eu era inocente, assim
com dedos e língua calcinados; e
levando a mão à boca entoei a canção inteira das onomatopéias;
era a guerra. Como se caça uma fêmea com tanto sangue entre as ancas?
A ouro rude. Boca na boca
enchê-la de diamantes. Que fique a brilhar nos sítios
violentos. Doce, que seja doce, acre
mexida na sua curva de argila sombria andando coberta de olhos,
onça pintada no meio de flores que expiram.
Quem ergue o hemisfério a mãos ambas acima da testa?
quem morre porque a testa é negra?
quem entra pela porta com a testa saindo da fornalha?
O animal cerrado que se toca a medo:
o braço estremece, o coração estremece até à raiz do braço
entre carmesim e carmesim
bárbaro, estremecem
a memória e a sua palavra. Tocar na coluna
vertebral o continente todotoda a pessoa -
transformam-se numa imagem trabalhada a poder
de estrela. Quando se agarra numa ponta e a imagem
devora quem a agarra.No chão o buraco. da estrela -
Nem apanhada apenas pelo tacto;
ou no aroma;
ou pela carne ouvida, aos trabalhos das luas
na funda malha de água.
Ou ver-te entre os braços a operação de uma estrela.
Nem que só a falcoaria me escurecesse como um golpe,
trêmulo alimento entre roupa
alta,
nas camas.
Magnificência.
Levantava-te
em música, em ferida -
aterrada pela riqueza -
a negra jubilação. Levantava-te em mim como uma coroa.
Fazia tremer o mundo.
E queimavas-me a boca, pura
colher de ouro tragada
viva. Brilhava-te a língua.
Eu brilhava.
Ou que então, entrecravados num só contínuo nexo,
nascesse da carne única
uma cana de mármore.
E alguém, passando, cortasse o sopro
de uma morte trançada. Lábios anônimos, no hausto
de árdua fêmea e macho
anelados em si, criassem um órgão novo entre a ordem.
Modulassem.
E a pontadas de fogo, pulsavam os rostos, emplumavam-se.
Os animais bebiam, ficavam cheios da rapidez da água.
Os planetas fechavam-se nessa
floresta de som unânime
pedra. E éramos, nós, o fausto violento, transformador
da terra
Nome do mundo, diadema.
* * *
A oferenda pode ser um chifre ou um crânio claro ou
uma pele de onça
deixem-me com as minhas armas
deixem-me entoar as onomatopéias, a minha canção de glória.
À noite o cabelo frio
de dia caminho por entre a fábula das corolas
sim, eu sei, queimam-se de olho a olho selvagem mas não se movem
mais altas que eu, mais soberanas, amarelas.
Escuto a travessia cantora dos rios no mundo
depois aparece a longa frase cheia de água.
Guio-me pelas luas no ar desfraldado e
grito de água para água levanto as armas
gritando
enquanto danço o algodão cresce fica maduro o tabaco.
Ninguém fez uma guerra maior. Corno chumbado em sangue e osso,
crânio com luz própria pousando na sua luz,
na pele
as pálpebras abrindo e fechando quem se exaltava
vestido com elas?
Meti na boca um punhado de diamantes - e
respirei com toda a força. E tremi ao ver como eu era inocente, assim
com dedos e língua calcinados; e
levando a mão à boca entoei a canção inteira das onomatopéias;
era a guerra. Como se caça uma fêmea com tanto sangue entre as ancas?
A ouro rude. Boca na boca
enchê-la de diamantes. Que fique a brilhar nos sítios
violentos. Doce, que seja doce, acre
mexida na sua curva de argila sombria andando coberta de olhos,
onça pintada no meio de flores que expiram.
Quem ergue o hemisfério a mãos ambas acima da testa?
quem morre porque a testa é negra?
quem entra pela porta com a testa saindo da fornalha?
O animal cerrado que se toca a medo:
o braço estremece, o coração estremece até à raiz do braço
entre carmesim e carmesim
bárbaro, estremecem
a memória e a sua palavra. Tocar na coluna
vertebral o continente todotoda a pessoa -
transformam-se numa imagem trabalhada a poder
de estrela. Quando se agarra numa ponta e a imagem
devora quem a agarra.No chão o buraco. da estrela -
domingo, 12 de dezembro de 2010
CÂNONE E ANTICÂNONE: HELDER E CELAN
Celan está embebido de história, geografia e da saga do povo judeu; Helder movimenta-se fora de planos reconhecíveis de espaço e tempo, erguendo fronteiras imaginárias (fazendo lembrar o Rimbaud de Uma Estação no Inferno: “Jamais pertenci a este povo; jamais fui cristão; sou da raça que cantava no suplício”, na tradução de Ledo Ivo). Se há uma religiosidade ou mitologia em Helder, ela está mais próxima do orfismo, da jornada simbólica ao Hades em busca de Eurídice (“Beberei sua boca, para depois cantar a morte / e a alegria da morte”). No campo semântico, porém, é possível traçarmos um paralelo entre os dois poetas, começando pela similaridade de temas ou palavras-chave, extraídas da tradição romântica: noite, cegueira, loucura, sangue, morte. O uso da analogia e das imagens poéticas (compreendidas aqui conforme o conceito de Réverdy) também é nítido, especialmente, na primeira fase de ambos (Papoula e Memória, de Celan, e O Amor em Visita, de Helder). Objetos retirados do cotidiano, elementos da natureza, instrumentos musicais, estados de espírito, partes do corpo humano ou substâncias orgânicas são combinados de maneira inusitada com outros materiais, concretos ou abstratos, em versos de deliberada alquimia: “crê no escaravelho dentro do feto”; “amamo-nos como papoila e memória” (Celan, em tradução de João Barrento); “a morte sobe pelos dedos, navega o sangue”; “a paisagem regressa ao ventre, o tempo / se desfibra” (Helder). Apesar dessa convergência, é preciso traçar uma distinção fundamental entre as duas poéticas: em Celan, a imagem é um dos elementos constitutivos do discurso, que tem uma respiração meditativa, um andamento quase litúrgico (ecoando, não raro, o hino bíblico); em Helder, ela é a base estrutural; todo o poema se desencasula a partir de entrecruzamentos de símbolos. A evolução posterior de ambos irá evidenciar outras diferenças essenciais: enquanto no português há um crescente desregramento, um fluxo incessante de figuras e percepções, no romeno revela-se maior equilíbrio, síntese e concentração; essa disciplina severa é responsável por linhas lacunares, de teor quase oracular, pela concisão e obscuridade.
A experiência imagética é mais evidente na lírica erótico-amorosa destes poetas, onde a mulher assume dimensão sobrenatural, ela é a origem da Criação, o Universo e cada uma de suas manifestações: “As coisas nascem de ti / como as luas nascem dos campos fecundos, / os instantes começam da tua oferenda / como as guitarras tiram seu início da música nocturna” (Helder); “Projecta a sua luz ao longe sobre o mar, / desperta as luas no estreito e ergue-as sobre mesas de espuma” (Celan, traduzido por João Barrento). (Leia mais na página http://www.revistazunai.com/ensaios/claudio_daniel_apontamentos.htm)
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
DIÁRIO DE UM VIAJANTE
Caros, estive em Brasília nos dias 08 e 09 de dezembro, a convite do Ministério da Educação. Ontem, participei de um debate na UnB com Maria Esther Maciel, José Eduardo Agualusa, Luiz Ruffatto e Ronaldo Correias de Brito sobre a literatura brasileira contemporânea. O auditório estava lotado e as conversas foram muito boas. Gostei do resultado do evento.
POEMAS DE PAUL CELAN (VII)
Verde-bolor é a casa do esquecimento.
Diante de cada portão flutuante azuleia o teu músico decapitado.
Bate o tambor feito de musgo e amargo pêlo púbico;
Com o dedo do pé ulcerado desenha a tua sobrancelha na areia.
Desenha-a, maior do que era, e o vermelho dos teus lábios.
Tu enches aqui as urnas e alimentas o teu coração.
Tradução: João Barrento
(Do livro Sete Rosas mais Tarde. Lisboa: Cotovia, 1993)
Diante de cada portão flutuante azuleia o teu músico decapitado.
Bate o tambor feito de musgo e amargo pêlo púbico;
Com o dedo do pé ulcerado desenha a tua sobrancelha na areia.
Desenha-a, maior do que era, e o vermelho dos teus lábios.
Tu enches aqui as urnas e alimentas o teu coração.
Tradução: João Barrento
(Do livro Sete Rosas mais Tarde. Lisboa: Cotovia, 1993)
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
POEMAS DE PAUL CELAN (VI)
RETRATO DE UMA SOMBRA
Os teus olhos, rastro de luz dos meus passos;
a tua testa, lavrada pelo brilho dos punhais;
a tua sobrancelha, orla pelo caminho da tragédia;
as tuas pestanas, mensageiros de longas cartas;
os teus cabelos, corvos, corvos, corvos;
as tuas faces, campos de armas da madrugada;
os teus lábios, hóspedes tardios;
os teus ombros, estátua do esquecimento;
os teus seios, amigos das minhas serpentes;
os teus braços, alámos à porta do castelo;
as tuas mãos, tábuas de juras mortas;
as tuas ancas, pão e esperança;
o teu sexo, lei do fogo na floresta;
as tuas coxas, asas no abismo;
os teus joelhos, máscaras da tua altivez;
os teus pés, campos de batalha dos pensamentos;
as tuas solas, criptas em chamas;
as tuas pegadas, olho da nossa despedida.
Tradução: João Barrento.
(Do livro A morte é uma flor. Lisboa: Cotovia, 1998.)
Os teus olhos, rastro de luz dos meus passos;
a tua testa, lavrada pelo brilho dos punhais;
a tua sobrancelha, orla pelo caminho da tragédia;
as tuas pestanas, mensageiros de longas cartas;
os teus cabelos, corvos, corvos, corvos;
as tuas faces, campos de armas da madrugada;
os teus lábios, hóspedes tardios;
os teus ombros, estátua do esquecimento;
os teus seios, amigos das minhas serpentes;
os teus braços, alámos à porta do castelo;
as tuas mãos, tábuas de juras mortas;
as tuas ancas, pão e esperança;
o teu sexo, lei do fogo na floresta;
as tuas coxas, asas no abismo;
os teus joelhos, máscaras da tua altivez;
os teus pés, campos de batalha dos pensamentos;
as tuas solas, criptas em chamas;
as tuas pegadas, olho da nossa despedida.
Tradução: João Barrento.
(Do livro A morte é uma flor. Lisboa: Cotovia, 1998.)
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
POEMAS DE PAUL CELAN (V)
A pequena realidade
duplicada
manda a sua loucura
cercar-te,
ora uma, ora outra,
amanhã
tudo isso recolherá a si,
e as palavras, sem disfarce,
nascem,
as primeiras.
***
Poema-fechado, poema-aberto:
aqui as cores correm
para o desabrigado,
o da fronte nua,
o judeu.
Aqui levita
o mais pesado.
Aqui estou eu.
***
No inclarável
abre-se uma porta,
dela
caem em escamas as manchas da camuflagem,
repassadas de verdade.
***
Na selva do sangue, aí
está a despedida, de dedos
finos, em
cada ponta, em forma de
coração, uma
lente, aí
os tigres caçam
o dia.
Tradução: João Barrento.
duplicada
manda a sua loucura
cercar-te,
ora uma, ora outra,
amanhã
tudo isso recolherá a si,
e as palavras, sem disfarce,
nascem,
as primeiras.
***
Poema-fechado, poema-aberto:
aqui as cores correm
para o desabrigado,
o da fronte nua,
o judeu.
Aqui levita
o mais pesado.
Aqui estou eu.
***
No inclarável
abre-se uma porta,
dela
caem em escamas as manchas da camuflagem,
repassadas de verdade.
***
Na selva do sangue, aí
está a despedida, de dedos
finos, em
cada ponta, em forma de
coração, uma
lente, aí
os tigres caçam
o dia.
Tradução: João Barrento.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
POEMAS DE PAUL CELAN (IV)
Este é o momento em que
os lobisomens se
ficam pelo caminho.
Nenhum
esbirro vive
já.
O Homem, verdadeiro e solitário,
passeia o porte íntegro por entre
os Homens.
Tradução: João Barrento
os lobisomens se
ficam pelo caminho.
Nenhum
esbirro vive
já.
O Homem, verdadeiro e solitário,
passeia o porte íntegro por entre
os Homens.
Tradução: João Barrento
POEMAS DE PAUL CELAN (III)
O OUTRO
Feridas mais fundas do que em mim
abriu em ti o silêncio,
estrelas maiores
enredam-se na rede dos seus olhares,
cinza mais branca
repousa sobre a palavra em que acreditaste.
Tradução: João Barrento
Feridas mais fundas do que em mim
abriu em ti o silêncio,
estrelas maiores
enredam-se na rede dos seus olhares,
cinza mais branca
repousa sobre a palavra em que acreditaste.
Tradução: João Barrento
domingo, 5 de dezembro de 2010
POEMAS DE PAUL CELAN (II)
Conversas com cascas de árvore. Tu,
tira a casca, anda,
tira-me, feito casca, da minha palavra.
É tarde já, mas nós
queremos estar nus e à beira
da navalha.
Tradução: João Barrento.
tira a casca, anda,
tira-me, feito casca, da minha palavra.
É tarde já, mas nós
queremos estar nus e à beira
da navalha.
Tradução: João Barrento.
POEMAS DE PAUL CELAN (I)
A MORTE
Para Yvan Goll
A morte é uma flor que só abre uma vez.
Mas quando abre, nada se abre com ela.
Abre sempre que quer, e fora de estação.
E vem, grande mariposa, adornando caules ondulantes.
Deixa-me ser o caule forte da sua alegria.
Tradução: João Barrento.
sábado, 4 de dezembro de 2010
ÚLTIMAS NOTÍCIAS (III)
O Jornalismo como Gênero Literário, curso de extensão coordenado pela profa. Edilamar Galvão, será realizado na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo, em março de 2011. O curso incluirá a matéria Linguagens Poéticas, que será ministrada por mim. Mais informações na página https://academico.faap.br/faap_pos2010/cursos/detalhes_curso.asp?unidade=21&curso=CPJGL&insc=E
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
TODO COMEÇO É INVOLUNTÁRIO
Adriana Versiani, Adriana Zapparoli, Ana Maria Ramiro, André Dick, Andréa Catrópa, Camila Vardarac, Carlos Besen, Carol Marossi, Daniel Sampaio de Azevedo, Daniela Osvald Ramos, Danilo Bueno, Delmo Montenegro, Diego Vinhas, Donny Correia, Douglas Diegues, Eduardo Jorge, Florbela de Itamambuca, Gabriela Marcondes, Greta Benitez, Izabela Leal, Jacineide Travassos, Leonardo Gandolfi, Lígia Dabul, Marcelo Montenegro, Marcelo Sahea, Márcio-André, Marília Kubota, Micheliny Verunschk, Nicollas Ranieri, Pablo Araújo, Rodrigo de Souza Leão, Sérgio Medeiros, Simone Homem de Mello, Thiago Ponce de Moraes, Virna Teixeira
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
ÚLTIMAS NOTÍCIAS (II)
A antologia Todo começo é involuntário -- A poesia brasileira no início do século 21, que organizei para a Lumme Editor, acaba de sair da gráfica. O lançamento será no dia 19 de janeiro de 2011, das 19 às 22h, na Casa das Rosas. O livro reúne 35 poetas que publicaram livro ou em revistas literárias a partir do ano 2000, entre eles Virna Teixeira, Leonardo Gandolfi, Micheliny Verunschk, Lígia Dabul, Márcio-André, Gabriela Marcondes, Marcelo Sahea, Delmo Montenegro, Diego Vinhas, entre outros. Além dos poemas, o livro inclui dois ensaios críticos.
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