segunda-feira, 16 de novembro de 2009

UMA CONVERSA COM ABREU PAXE

Zunái: Ao contrário da dicção mais discursiva, retórica, de conteúdo político direto, que esteve em evidência nos anos 60 e 70, tua poesia parece mover-se em outro sentido, buscando uma reinvenção da sintaxe e a força mântrica das palavras. A linguagem poética, a seu ver, é uma leitura crítica da realidade ou a criação de uma outra realidade?

Paxe: Penso que a poesia, como ato de criação, para mim não deve de forma objetiva nomear as coisas tal qual como elas acontecem no cosmos, tal como se movem, tal como o cosmos as regula, vistas, à vista desarmada ou macroscopicamente. A poesia deve constituir-se no mundo alternativo, este funcionando como mundo não codificado ou convencionado numa visão globalizante, senão como codificação singular do criador e do leitor. Ao serviço da arte, a poesia deve-se construir com certa erudição, ou seja, a partir do que já existe, do que já foi proposto nos matizes artísticos. A poesia deve convidar-nos a mergulhar no escuro, como dizia Gastão Cruz, não para o iluminar, mas para aprender a conhecê-lo, evocando todos os sentidos. Como se pode ver, para mim a linguagem poética é a criação de uma outra realidade, fundada numa realidade, ou seja, a recriação da realidade observável.

Zunái: O seu olhar está voltado para as mínimas coisas do cotidiano, que não é retratado de modo ingênuo, fotográfico, mas antes é fragmentado em cenas rápidas, como num videoclipe. Esta reconstrução das imagens pela palavra poética tem uma influência das mídias eletrônicas?

Paxe: De certo modo, sim. Persigo, neste exercício, a capacidade de recomposição e síntese, transformando meu olhar em unidades de análise, uma qualidade que impregna todas as criações resultantes de um processo interativo entre o homem e os meios eletrônicos em que a metamorfose e o virtual se projetam na mente humana como agentes da própria instabilidade e plasticidade, como agentes da invenção e da percepção, levando a poesia para além dos limites, numa viagem expansiva para o lugar inabitado, originando imagens simultâneas e diversas capazes de modificar os sentidos (ordenados) num elevado grau de fragmentação. Estes fragmentos, estes paradoxos, que vez ou outra nomeio, buscam anular a linearidade, a luminosidade, o detalhe. Mesmo quando experimento as vestimentas narrativas, sinto que só participo alegremente de uma festa que legitima os estímulos que nos cercam, nas atualizações materiais onde é preciso abrir os olhos e a mente de um modo diferente.

(Trechos da entrevista que realizei com o poeta angolano Abreu Paxe e publicada na edição n. 12 da Zunái, em maio de 2007.)

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