domingo, 27 de setembro de 2009

DO LIVRO POETA EM NOVA YORK (XIV)


PANORAMA CEGO DE NOVA YORK

Se não são os pássaros
cobertos de cinza,
se não são os gemidos que golpeiam as janelas da boda,
serão as delicadas criaturas aéreas
que manam o sangue novo pelo escuro inextinguível.
Mas não, não são os pássaros,
porque os pássaros estão a ponto de ser bois;
podem ser rochas brancas com a ajuda da lua
e são sempre garotos feridos
antes que os juízes levantem a tela.

Todos compreendem a dor que se relaciona com a morte,
mas a verdadeira dor não está presente no espírito.
Não está no ar nem na nossa vida,
nem nestes terraços enfumaçados.
A verdadeira dor que mantém as coisas acordadas
é uma pequena queimadura infinita
nos olhos inocentes dos outros sistemas.

Um traje abandonado pesa tanto nos ombros
que muitas vezes o céu os agrupa em ásperas manadas.
E as que morrem de parto sabem na última hora
que todo rumor será pedra e toda trilha pulsação.
Nós ignoramos que o pensamento tem arrabaldes
onde o filósofo é devorado pelos chineses e pelas larvas.
E alguns meninos idiotas encontram nas cozinhas
pequenas andorinhas com muletas
que sabiam pronunciar a palavra amor.

Não, não são os pássaros.
Não é um pássaro o que expressa a turva febre de lagoa,
nem a ânsia de assassinato que nos oprime a cada momento,
nem o metálico rumor de suicidio que nos anima a cada madrugada.
É uma cápsula de ar onde nos dói o mundo inteiro,
é um pequeno espaço vivo ao louco uníssono da luz,
é uma escada indefinível onde as nuvens e rosas esquecem
a gritaria chinesa que ferve pelo desembarcadouro do sangue.

Eu muitas vezes me perdi
para buscar a queimadura que mantém as coisas acordadas
e só encontrei marinheiros largados sobre as varandas
e pequenas criaturas celestes enterradas sob a neve.
Mas a verdadeira dor estava em outras praças
onde os peixes cristalizados agonizavam dentro dos troncos;
praças do céu extranho para as antigas estátuas ilesas
e para a terna intimidade dos vulcões.

Não há dor na voz. Só existem os dentes,
mas dentes que calarão ilhados pelo negro relento.
Não há dor na voz. Aqui só existe a Terra.
A Terra com suas portas de sempre
que levam ao rubor dos frutos.

Tradução: Claudio Daniel

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