A
PELE QUE HABITO
Invólucro da matéria
embrulha meus ossos
músculos, nervos
a carne do ser
A pele que me habita
poros do mundo
absorve a matéria
em todos os sentidos
dias cheios de opostos
A pele que me habita
envolve tempos
incertos
VIDA
E MORTE
Exorcizo o medo
voo sobre a cidade
vidas desconfiadas vagam
emudecidas
a fala é ponte ao perigo
Dar as mãos é proibido
o andar é solitário
viver ou morrer, aleatório
mesmo tendo feito opção
Despedidas tristes
humanos vão
sozinhos daqui
do inferno –
para onde?
Recolho as asas
pouso na janela
último olhar
lá fora
Já confundo
o imaginário projetado
na tela cibernética
no livro aberto
as notícias planetárias
com o mundo após a janela
TAÇA INGLÓRIA
A noite entrou
não há lua nem estrelas
os símbolos
as letras
o canto
são meros bibelôs.
Sonhos repousam num barco
no fundo do mar.
águas turvas agitam o mar
há vermelho borbulhando
e não é o néctar vital
nas veias do oceano
é o sangue das artérias
do corpo desfeito
das palavras surdas
é o sangue
da insensatez
da vileza
Casacas brindam
o luto cravado
nos corações de muitos
são loucos
tolos
Nada a celebrar
não há ganho
perdeu-se o elã
do mapa desenhado
Não pode haver brinde
quando a conquista é vil
quando se cravou
um punhal na crença
Lá fora...aqui dentro...
não há regozijo
os que brindam
olham para as masmorras
para as correntes
para o corpo infantil prostituído,
para corpos aviltados
para os que dormem na sarjeta,
para o nosso ouro que se foi
e que ainda irá
Não há ganhos.
Quando se é um
a vitória é de todos...
e a derrota também.
Que será?
EM
CÓDIGOS DESCE O VÉU
contorno a penumbra da noite
véu de chuva esmaece o dia
som de trovões acorda de sonhos
raios lampejam, só tênue chama
sugestão da névoa em riscos molhados
toda vida envolta nas incertezas
unir pontos de chuva em labirinto
a saída, molhar-se, enlamear-se
lavar-se nas mesmas gotas de barro
tornear-se nas mãos umedecidas
pés no pedal, novo em formatação
atenção nas filigranas, detalhes
o diabo mora nos sutilezas
preencher frestas com dedo certeiro
por à unha, inscrição do mais secreto
cravar com sangue o Sol que se avizinha
OPERETA
Maneirismo,
batuque na mesa.
mesóclise à la Jânio,
olha para trás.
Avisa:
é duro,
dedo em riste
vai e vem,
ligeiro,
golpe certeiro.
Aviso aos bandidos:
conheço-os bem,
vadios,
cercam-me,
sirvam–me
fiéis.
Sei o cheiro da traição,
de longe.
Pois eu sou.
Somos.
Pares da mesma dança
Acorrentados.
Peito a peito,
cuspe de um
é o de outro.
lambe o chão
que seu rei pisa.
Deposita no painel
o voto da vergonha.
Grata Cláudio por este susto bem-vindo na manhã de domingo!
ResponderExcluirLi num só fôlego e confesso: vejo-me diferente escritora e leitora, poeta, e quando me vejo assim, há tensão: "O que ditou a liberdade criadora, mesmo sendo depois esmerilhado, dando-lhe eu guarida?"
A palavra que tenho para este sobressalto domingueiro é gratidão, mestre.