segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

POEMAS DE HUIDOBRO (II)


ALTAZOR, CANTO I
(Fragmentos)

Altazor, por que perdeste tua primeira serenidade?
Que anjo mau parou à porta de teu sorriso
Com a espada em punho?
Quem semeou a angústia nas planícies de teus olhos
como o adorno de um deus?
Por que um dia de repente sentiste o terror de ser?
E esta voz que te gritou vives e não te vês viver
Quem fez convergir teus pensamentos na encruzilhada de todos
os ventos da dor?
Rompeu-se o diamante de teus sonhos em um mar de estupor
Estás perdido Altazor
Só em meio ao universo
Só como uma nota que cresce nas alturas do vazio
Não há bem não há mal não há verdade nem ordem nem beleza

Onde estás, Altazor?
A nebulosa da angústia passa como um rio
E me arrasta segundo a lei das afinidades
A nebulosa solidificada em aromas foge de sua própria solidão
Sinto um telescópio que me apontam como um revólver
A cauda de um cometa me açoita o rosto e passa repleta de eternidade
Buscando infatigável um lago quieto onde possa refrescar sua tarefa ineludível
Altazor morrerás
Secará tua voz e serás invisível
A Terra seguirá girando sobre sua órbita precisa
Temerosa de um tropeção como o equilibrista sobre o arame
que ata as visões do pavor.
Em vão buscas olho enlouquecido
Não há porta de saída e o vento desloca os planetas
Pensas que não importa cair eternamente se consegues escapar
Não vês que estás caindo, já?
Limpa tua cabeça de preconceito e moral
E se querendo alçar-te nada tens alcançado
Deixa-te cair sem deter tua queda sem medo ao fundo da sombra
Sem medo ao enigma de ti mesmo
Talvez encontres uma luz sem noite
Perdida nas gretas dos precipícios
Cai
Cai eternamente
Cai ao fundo do infinito
Cai ao fundo do tempo
Cai ao fundo de ti mesmo
Cai o mais baixo que se possa cair
Cai sem vertigem
Através de todos os espaços e de todas as idades
Através de todas as almas de todos os anelos e todos os naufrágios
Cai e queima ao passarem os astros e os mares
Queima os olhos que tem vêem e os corações que te aguardam
Queima o vento com tua voz
O vento que se enreda em tua voz
E a noite que tem frio em sua gruta de ossos

Cai em infância
Cai em velhice
Cai em lágrimas
Cai em risos
Cai em música sobre o universo
Cai de tua cabeça a teus pés
Cai de teus pés a tua cabeça
Cai do mar à fonte
Cai ao último abismo do silêncio
Como o barco que afunda apagando suas luzes

(...)

Sou todo homem
O homem ferido por quem sabe quem
Por uma flecha perdida do caos
Humano terreno desmesurado
Sim desmesurado e o proclamo sem medo
Desmesurado porque não sou burguês nem raça fatigada
Sou bárbaro talvez
Desmesurado enfermo
Bárbaro limpo de rotinas e caminhos marcados
Não aceito vossas selas de segurança cômoda
Sou o anjo selvagem que caiu uma manhã
Em vossas plantações de preceitos.
Poeta
Antipoeta
Culto
Anticulto
Animal metafísico carregado de angústias
Animal espontâneo direto sangrando seus problemas
Solitário como um paradoxo
Paradoxo fatal
Flor de contradições dançando um fox-trot
Sobre o sepulcro de Deus
Sobre o bem e o mal
Sou um peito que grita e um cérebro que sangra
Sou um tremor de terra
Os sismógrafos assinalam meu passo pelo mundo
Rangem as rodas da terra
E vou andando a cavalo em minha morte
Vou colado à minha morte como um pássaro ao céu
Como uma flecha na árvore que cresce
Como o nome na carta que envio
Vou colado à minha morte
Vou pela vida colado à minha morte
Apoiado no bastão de meu esqueleto
O sol nasce em meu olho direito e se põe em meu olho esquerdo
Em minha infância uma infância ardente como um álcool
Me sentava nos caminhos da noite
A escutar a eloquência das estrelas
E a oratória da árvore
Agora a indiferença neva na tarde de minha alma
Rompam-se em espigas as estrelas
Parta-se a lua em mil espelhos
Volte a árvore ao ninho de sua amêndoa
Só quero saber por quê
Por quê
Por quê
Sou protesto e arranho o infinito com minhas garras
E grito e gemo com miseráveis gritos oceânicos
O eco de minha voz faz troar o caos

Sou desmesurado cósmico
As pedras as plantas as montanhas
Me saúdam
As abelhas os ratos
Os leões e as águias
Os astros os crepúsculos as manhãs
Os rios e as selvas me perguntam
E então, como está você?
E embora os astros e as ondas tenham algo que dizer
Será por minha boca que falarão os homens
Que Deus seja Deus
Ou Satã seja Deus
Ou ambos sejam medo noturna ignorância
Dá na mesma
Que seja a Via Láctea
Ou uma procissão que caminha em busca da verdade
Hoje não me importa
Traga-me uma hora de vida
Traga-me um amor pescado pela orelha
E deixai-o aqui a morrer ante meus olhos
Que eu me precipite no mundo a todo vapor
Que eu corra pelo universo estrela por estrela
Que me afunde ou me eleve
Lançado sem piedade entre planetas e catástrofes
Senhor Deus se tu existes é a mim que deves

(...)

Silêncio a terra vai dar à luz uma árvore
A morte dormiu no colo de um cisne
E cada pluma tem um distinto tremor
Agora que Deus senta sobre a tempestade
Que pedaços de céu caem e se enredam na selva
E que o tufão despenteia as barbas do pirata
Agora sacai a morta ao vento
Para que o vento abra seus olhos
Silêncio a terra vai dar à luz uma árvore
Tenho cartas secretas na caixa do crânio
Tenho um carvão dolente no fundo do peito
E conduzo meu peito à bocaE a boca à porta do sonho
O mundo entra em mim pelos olhos
Entra em mim pelas mãos entra em mim pelos pés
Entra pela minha boca e sai
Em insetos celestes ou nuvens de palavras pelos poros
Silêncio a terra vai dar à luz uma árvore
Meus olhos na gruta da hipnose
Mastigam o universo que me atravessa como um túnel
Um calafrio de pássaro me sacode os ombros
Calafrio de asas e ondas interiores
Escadas de ondas e asas no sangue
Se rompem as amarras das veias
E salta fora da carne
Sai das portas da terra
Entre pombas espantadas
Habitante de teu destino
Por que queres sair de teu destino?
Por que queres romper os laços de tua estrela
E viajar solitário nos espaços
E cair através de teu corpo de teu zênite a teu nadir?
Não quero ligaduras de astro nem de vento
Ligaduras de luas benignas são para o mar e as mulheres
Dai-me meus violinos de vertigem insubmissa
Minha liberdade de música escapada
Não há perigo na noite pequena encruzilhada
Nem enigma sobre a alma
A palavra eletrizada de sangue e coração
É o grande pára-quedas e o pára-raios de Deus
abitante de teu destino
Colado a teu caminho como rocha
Vem a hora do sortilégio resignado
Abre a mão de teu espírito
O magnético dedo
Onde o anel da serenidade adolescente
Pousará cantando como o canário pródigo
Largos anos ausente
Silêncio
Se ouve o pulso do mundo como nunca pálido
A terra acaba de iluminar uma árvore

Tradução: Claudio Daniel

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