KOANS
I
Para que lado sopra o vento?
A pálpebra
do olho.
A curva
do rio.
A bosta
do cavalo.
O silêncio
antes do grito
do galo.
II
Onde canta o uirapuru?
Embaixo
da nuvem
em forma
de gato.
No círculo
de pedras
no centro
do lago.
Na lágrima
do homem morto.
Uirapuru
já voou.
III
O que o surdo disse ao mudo?
Três quilos
de alcatra.
27 de maio.
A sexta cor
do arco-íris.
A urina do cão
no poste
da rua.
A mulher nua
no quarto ao lado.
IV
Qual é a palma de um só som?
V
Vivo ou morto?
Um pedaço
de estrume.
O martelo.
Dois loucos
cantam no parque.
Uma, duas,
três estrelas.
Peixes vermelhos.
A baba
que escorre
da boca
do velho.
Um rato
boiando
no balde.
VI
Onde está o pensamento?
Na caixa
de pregos.
Na toalha
da cozinha.
Na garrafa
de pinga.
Na casa
da bruxa.
No esqueleto
que canta.
No focinho
do porco-
espinho.
VII
Onde está o Buda?
Na cabeça
da chave
de fenda.
Na pata
amputada
do macaco.
Dentro
da noz.
No tabuleiro
de xadrez.
No bueiro
do esgoto.
No buraco
do rato.
No carrinho
de māo
vermelho.
No choro
do bebê
nāo-nascido.
VIII
A lua que aponta para o dedo não é a lua.
IX
A mente é uma caixa de esterco.
O monte
Sumeru
na cabeça
do alfinete.
Escorpiões
em cópula
na areia
da praia.
Qualquer coisa
entre o nunca
o sempre
o quase
e o nunca
visto.
X
O que é o nirvana?
Gato branco
gato preto
jogam bola
na sala de jantar.
XI
Afundar-se na nudez
essencial de Deus
é comer quando
se tem fome;
é dormir
quando se tem
sono;
2023
À memória de D. T.
Suzuki e Thomas Merton
I
Caminho de pedras brancas
em Sāo Thomé;
lascas
assimétricas
ásperas
em trilhas
tortas;
pedras
em forma
de serpente;
nuvens
que simulam
ondas
de espuma
branca;
velho tronco
de galhos
retorcidos
que apontam
para
lugar
nenhum.
II
Tudo
tem olhos,
as folhas
o limo
as lascas;
fio de água
escorre
em rochas
negras
como madeira
queimada;
manchas brancas
de uma escrita
secreta
espraiam-se
como lepra
em pedras
e troncos.
Nuvens
concentram-se
como jorros
de esperma
sobre o verde
das colinas.
Estar aqui
como no centro
de uma galáxia.
2023
CABO FRIO
Cachos de flores amarelas
falésias, galhos,
conchas, líquens
na praia de areia fina;
barcos de pesca
em frente à linha
verde do mar.
Passos lentos
na orla diurna
voo fotográfico
de mergulhões.
Súbito, árvore caída
no meio do caminho
tronco coberto
de conchas brancas.
Quem já viu
a festa de Yemanjá
em Cabo Frio?
O canto das filhas
de mãe d’água
mistura-se ao azul
das ondas do céu.
De volta à cidade,
em frente à peixaria,
o magro gato cego
anseia pelo atum.
Morador de rua
diz boa noite
ao pássaro de outro
nunca.
2023
A MULHER QUE MATOU OS PEIXES
nada sabia das ilhas japonesas,
de suas cachoeiras, rios e cascatas;
nunca reparou na beleza ondulante
dos pequenos dragões vermelhos
brancos, amarelos, prateados
nem viu as “imagens do mundo flutuante”
pintadas em gravuras de madeira coloridas
nem as pipas em formato de peixe
hasteadas por meninos em dias festivos;
a mulher que matou os peixes
nada sabia sobre as antigas histórias
que as avós japonesas contavam aos
netos:
que as carpas nadavam contra a correnteza
saltavam cascatas e até mesmo montanhas
para depositarem os seus ovos
e por isso dizia-se que eram dragões.
Não, a néscia nada sabia dessas histórias
e mesmo que soubesse, não faria diferença:
ela só queria roubar as pequenas moedas
jogadas por turistas no lago do Palácio.
2023
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