domingo, 17 de julho de 2016

POEMAS DE MARIA ALEXANDRE DÁSKALOS

 


1º. POEMA

Nasceu em  mim uma fonte

nada sabia dessa água

até encontrar as margens

desta escrita

que quis fosse lisa

como pedra mármore


2º. POEMA

Amendoeiras selvagens

em flor

a rasgar o verde

da mata de inverno.


Plenitude de maturidade

como relógio de areia

a marcar os quarenta anos.

  
3º. POEMA

Um homem ao crepúsculo

sabe que os poetas e as mulheres

percorrem as ruas da cidade

na peregrinação dificílima do amor.
Esperam-nos em caves secretas

ungüentos e odores tropicais

então, um homem tranqüilo torna fácil a nudez.

  
4º. POEMA

As velhas tias organizam velórios

e com o pêndulo do ocaso

invertem as rotas dos barcos

saídos do cais ao fim da tarde.


Ecos que já não lutam com ventos perigosos

de aromas marinhos 

anseiam chegar à ilha para ver os pássaros

e

preguiçar na promessa de uma ilusão cumprida

Ao fim da tarde...


E AGORA SÓ ME RESTAM
E agora só me restam
os poetas gregos.
O silêncio diz — esquece.
E o espinho da rosa enterrado no peito
é meu.
 
Os deuses não assistiram a isto.


* * *


talvez o nosso corpo
seja pequeno
para ser a casa
do amor

que não guarde só indícios
e
não troque só sinais e entregas
que não seja tranquilo
nem fiel à rosa
e ao fio da lâmina


* * *

cheguei às portas secretas
atravessei as passagens interditas
e
no labirinto que negou os meus passos
vi tesouros que não eram meus


* * *

Ali estão elas de cabelos brancos
lisos ou em tranças apertados.
Ali estão elas suspensas sem um suspiro,
sem uma lágrima.

Os cabelos brancos gritam
gritos alucinados.


* * *

Poeta, somos filhos da diáspora
olhamos para trás e desfilam
os que amamos.
Os deuses abandonaram-nos –
–  é  conhecer o desespero
e saber
que uma mulher ajoelhada
não os faz regressar.


* * *

O rio corre manso
fumos sobem até ao azul-cinza.
A memória dos nossos corpos
perde-se nas águas.
E as nossas palavras
desfazem-se em círculos.
Perdemo-nos quando olhamos o rio.
Saudade de chegar ao mar.


* * *

A noiva costurava com pontos de alquimia
o seu vestido branco.
Chegou a guerra e jaz morto
o noivo.
Ela não pode lavar
com o seu vestido feito de fumos e água.

Vieram os soldados e levaram-na.
Para lá, onde cada palavra
é um silêncio
e cada silêncio
um túnel
como um olho cego.


* * *

O relâmpago desfez o sonho
como a raiz ficou nua na terra seca.
Uma palavra matou a onça e a zebra.

O porto é um abismo
e
das chaminés dos barcos naufragados
saem fumos listrados.


Maria Alexandre Dáskalos nasceu no Huambo (antiga Nova Lisboa), em Angola, em 1957. Depois de ter frequentado o Colégio Ateniense e o de São José de Cluny, licenciou-se na área de Letras.  Devido aos graves problemas decorrentes da guerra civil, em 1992 vem para Portugal com a mãe e o filho, reiniciando, em Lisboa, os seus estudos em História. Filha do poeta Alexandre Dáskalos e casada com Arlindo Barbeitos, outro grande nome da poesia angolana, Maria Alexandre é hoje uma das principais vozes femininas da poesia angolana. Publicou, entre outros livros, os seguintes:  O jardim das delícias (1991), Do tempo suspenso (1998), Lágrimas e laranjas (2001).


Um comentário: