Caros, confiram meus novos poemas publicados em Cronópios, http://www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=4883.
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
ENCANTAÇÃO DO TIGRE
o
mar;
digo: tigre,
pupilas de verde fúria;
suas tígricas vagas, garras,
punhais esfervilhantes
em arcadas de espuma, presas aguçadas;
o fluir e o refluir de suas águas
em ondulação, tigrinoso emblema da fera,
cantabile alabarda em jaspe e luzidia prata urdida,
nos seduz como selvagem dança sarracena,
seus lenços de tépida alfazema escura;
dissolvidos em seu puro olhar
de algas em si algas, najas, corais
em opalino alvoroço musgoso,
não mais resistimos, estancados na argêntea areia,
e entramos em suas águas de água
sob o sol; aí cessamos.
1994
(Poema do livro Yumê. São Paulo: DIX Editorial, 2008, segunda edição)
mar;
digo: tigre,
pupilas de verde fúria;
suas tígricas vagas, garras,
punhais esfervilhantes
em arcadas de espuma, presas aguçadas;
o fluir e o refluir de suas águas
em ondulação, tigrinoso emblema da fera,
cantabile alabarda em jaspe e luzidia prata urdida,
nos seduz como selvagem dança sarracena,
seus lenços de tépida alfazema escura;
dissolvidos em seu puro olhar
de algas em si algas, najas, corais
em opalino alvoroço musgoso,
não mais resistimos, estancados na argêntea areia,
e entramos em suas águas de água
sob o sol; aí cessamos.
1994
(Poema do livro Yumê. São Paulo: DIX Editorial, 2008, segunda edição)
LOJINHA DO TURCO
Caros, quem tiver interesse em adquirir a segunda edição de meu livro A Sombra do Leopardo, que saiu em 2010 pela editora Multifoco (selo Orpheu), pode soliciar a obra pelo e-mail orpheu@editoramultifoco.com.br
domingo, 30 de janeiro de 2011
O ESPELHO E AS COISAS
I
OLHO-de-virgo, barriga-de-peixe, dentes-de-leão: palavras são reflexos. Habitei no espelho e comi serragem, vidro moído, trapos de jornal; e copulei com os relógios de pulso, com as navalhas, com fechaduras. Sobre a mesa da sala, entre as vogais dispersas do alfabeto, estilhaços de ampolas para abolir a idéia do tempo. Os vermes saem pelo buraco da agulha, a palavra jade é pus, a palavra jalde é cuspe. A palavra janga está nua, vestida de alarme. As maçãs enlouquecem. O verde enfurece as conchas e a lesma pensa na árvore da palavra despida que sonha.
II
Tudo são nomes e formas. Lâminas cortam os fios desatados de água estagnada. Há uma praça onde comprei pêras ou figos, não sei. Onde ouvi a menina dizer eibishuá. A lua pisca um olho para a jovem parca, ela é cega e surda, e come entulho no banco da praça. Sua voz arisca, bruta, tantaliza: fio de arame tenso, buraco de agulha, cano de pistola. Tudo são palavras, e palavras são coisas. Que não permanecem. Tudo queima, e o sol vegetal é a urina de um cão que arde em vermelho.
III
A poesia pode dizer o tempo que escorrega de seus dedos? Tudo são simulacros, pegadas no limo do nada. Todavia, o velho coxo sangrado disputa comida com o cão. A poesia pode andar de bicicleta, deslancha no mar azul, onda em castelhano se diz ola, nuvem em francês se dia nuage. Ela pode ser escrita em pele viva, em algodão, no suor do Marrocos, no violoncelo de São Petersburgo, numa bodega de La Habana. Porém, a tesoura corta tudo em pedaços. Permanece uma sombra, um eco de ruidoso silêncio. Que o espelho captura e multiplica em um número incalculável de reflexos.
1999
(Do livro A Sombra do Leopardo)
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
O POETA PODÓLATRA
Do lado de dentro das Paredes do Crânio
— Glauco Mattoso
Até
a última carícia
do prazer atípico, longe
dos seios estéreis —
plumas ou punhais, não
músculos enrijecidos
de basalto, suor de metal
libidinoso — assim os jaguares
mastigam iguanas de poliéster
sob o sol. Porém, a lenta
desaparição do olhar
(estranha metamorfose)
faz o tempo esférico
ser menos do que o espaço
indefinido pelo tato
— diálogo mudo
entre as mãos e o vazio.
(Fica o consolo das narinas,
o odor — para ele —
tão sweet love, sweet honey
de pés fortes, grandes e sujos
e a voz das palavras, o mar
interminável das vogais.)
1999
(Do livro A Sombra do Leopardo)
— Glauco Mattoso
Até
a última carícia
do prazer atípico, longe
dos seios estéreis —
plumas ou punhais, não
músculos enrijecidos
de basalto, suor de metal
libidinoso — assim os jaguares
mastigam iguanas de poliéster
sob o sol. Porém, a lenta
desaparição do olhar
(estranha metamorfose)
faz o tempo esférico
ser menos do que o espaço
indefinido pelo tato
— diálogo mudo
entre as mãos e o vazio.
(Fica o consolo das narinas,
o odor — para ele —
tão sweet love, sweet honey
de pés fortes, grandes e sujos
e a voz das palavras, o mar
interminável das vogais.)
1999
(Do livro A Sombra do Leopardo)
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
CHUANG-TZU
Breve, o grito do faisão:
— folha (cai)
entre folhas,
água (desfeita)
em água,
de ouro vermelho
o gozo da fera
(pele-de-pétala,
cio de animala,
búfala): de ouro
e verde canto;
de ouro e cinza;
de cinza;
et mutabile,
não a pedra
enfática,
mas metal
— oxidável —
em seu vôo
de peixe-
pássaro;
em seu branco
vôo do olhar,
tudo é dançante.
1999
(Poema do livro A Sombra do Leopardo)
— folha (cai)
entre folhas,
água (desfeita)
em água,
de ouro vermelho
o gozo da fera
(pele-de-pétala,
cio de animala,
búfala): de ouro
e verde canto;
de ouro e cinza;
de cinza;
et mutabile,
não a pedra
enfática,
mas metal
— oxidável —
em seu vôo
de peixe-
pássaro;
em seu branco
vôo do olhar,
tudo é dançante.
1999
(Poema do livro A Sombra do Leopardo)
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
DOIS POEMAS
CHINA
NUNCA, olho-
do-mistério,
cauda de pavão.
Larva, nem crisálida;
onde pousa, branca,
em que pétala,
asas em qual flor,
abelha, se o aroma?
O que retine ao sol,
vibra — folha de
peônia —, dedo não
é lua, nem há pó
ou espelho; Cathay,
tudo é vazio, mas
olhe, tanta beleza
e sopra o vento
de outono.
ÍNDIA
SÓ A LOUCURA.
Vem, do púbis
às omoplatas,
canta o antigo
sol, sua face
de flama animal
raiando desejosa.
Flor de sândalo,
diz ao tempo:
agora é sempre,
fecha tua asa,
expira em fumo
e cobre. Vêm,
Lakshmi-Naráyana,
flagelar o medo,
fustigar a sílaba
muda, para o
tempo de cristal.
1999
(Do livro A Sombra do Leopardo)
NUNCA, olho-
do-mistério,
cauda de pavão.
Larva, nem crisálida;
onde pousa, branca,
em que pétala,
asas em qual flor,
abelha, se o aroma?
O que retine ao sol,
vibra — folha de
peônia —, dedo não
é lua, nem há pó
ou espelho; Cathay,
tudo é vazio, mas
olhe, tanta beleza
e sopra o vento
de outono.
ÍNDIA
SÓ A LOUCURA.
Vem, do púbis
às omoplatas,
canta o antigo
sol, sua face
de flama animal
raiando desejosa.
Flor de sândalo,
diz ao tempo:
agora é sempre,
fecha tua asa,
expira em fumo
e cobre. Vêm,
Lakshmi-Naráyana,
flagelar o medo,
fustigar a sílaba
muda, para o
tempo de cristal.
1999
(Do livro A Sombra do Leopardo)
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
VOZES
Fala à sua carne;
ao de dentro.
Voz que ignora
sua música.
Nem um sol
violeta.
Cada nervo soa
em outra
medida de tempo.
Impele
a partituras de faca.
A cor do esterno,
silêncio de medula.
Lá fora, o sol
queima o magro
cinza da cadela.
O táxi pára, desce
um homem
de gravata amarela.
Alguém acende
um e outro cigarro.
E a soprano sueca
canta uma ária
de sucos gástricos.
1999
(Poema do livro A Sombra do Leopardo.)
ao de dentro.
Voz que ignora
sua música.
Nem um sol
violeta.
Cada nervo soa
em outra
medida de tempo.
Impele
a partituras de faca.
A cor do esterno,
silêncio de medula.
Lá fora, o sol
queima o magro
cinza da cadela.
O táxi pára, desce
um homem
de gravata amarela.
Alguém acende
um e outro cigarro.
E a soprano sueca
canta uma ária
de sucos gástricos.
1999
(Poema do livro A Sombra do Leopardo.)
domingo, 23 de janeiro de 2011
POROS
Um silêncio verde
— Paul Celan
O
verde,
sua pele
ácida. Tocar
os poros
do verde, florir
metálico. Ouvir
sua voz de asa
e sombra.
Olhos, faisões
de cegueira.
Jóias de irada
divindade.
Abelhas e lagostas
amam-se, odeiam-se,
tulipas caem
na goela
do tempo.
Tuas mãos tateiam
a nervura imprecisa
da cicatriz
e não há mar,
nem pão, nem página.
Alucino-te
ao mirar-me
no silêncio
de uma laranja
quadrada.
Aqui, nada mais viceja.
Lacraias afogam-me
em tua lágrima
e se fecha a porta
esquerda. Toda palavra
me fere com sua cor.
Quando cessa
o canto, calados,
ouvimo-nos
em um corte
azul.
1999
(Poema do livro A Sombra do Leopardo. 1ª. edição, Azougue Editorial, 2001; 2ª. edição, Selo Orpheu, da Editora Multifoco, 2010.)
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
POEMAS DE GOETHE (V)
CANTO NOTURNO DO VIANDANTE
Sobre os picos
paz.
Nos cimos
quase
Nenhum sopro.
Calam aves nos ramos.
Logo, vamos,
virá o repouso.
Tradução: Haroldo de Campos
Sobre os picos
paz.
Nos cimos
quase
Nenhum sopro.
Calam aves nos ramos.
Logo, vamos,
virá o repouso.
Tradução: Haroldo de Campos
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
POEMAS DE GOETHE (IV)
SOBRE FOLHAS DE SEDA
Sobre folhas de seda
Não escrevo já rimas simétricas;
E já não as enlaço
Com ramagens de ouro;
Desenhadas na poeira móvel,
O vento as apaga, mas a força fica
Presa por magia ao solo
Até ao centro da terra.
E o viandante virá,
O Amante. E mal pise
Este sítio, sentirá um arrepio
Por todos os membros.
«Aqui! antes de mim aqui amou o Amante.
Foi Medschnun, o terno?
Ferhad, o poderoso? Dschemil, o imorredouro?
Ou um de entre aqueles mil
Felizes-infelizes?
Ele amou! Como ele eu amo,
Eu adivinho-o!»
- Mas tu, Zuleica, repousas
Sobre o coxim delicado
Que eu pra ti preparei e enfeitei.
Também os teus membros se arrepiam, e acordas.
«É ele que me chama, Hatem!
Também eu te chamo: Ó Hatém! Hatém!»
Tradução: Paulo Quintela.
Sobre folhas de seda
Não escrevo já rimas simétricas;
E já não as enlaço
Com ramagens de ouro;
Desenhadas na poeira móvel,
O vento as apaga, mas a força fica
Presa por magia ao solo
Até ao centro da terra.
E o viandante virá,
O Amante. E mal pise
Este sítio, sentirá um arrepio
Por todos os membros.
«Aqui! antes de mim aqui amou o Amante.
Foi Medschnun, o terno?
Ferhad, o poderoso? Dschemil, o imorredouro?
Ou um de entre aqueles mil
Felizes-infelizes?
Ele amou! Como ele eu amo,
Eu adivinho-o!»
- Mas tu, Zuleica, repousas
Sobre o coxim delicado
Que eu pra ti preparei e enfeitei.
Também os teus membros se arrepiam, e acordas.
«É ele que me chama, Hatem!
Também eu te chamo: Ó Hatém! Hatém!»
Tradução: Paulo Quintela.
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
POEMAS DE GOETHE (III)
CANÇÃO DA PULGA
Era uma vez um monarca
Que tinha uma pulga imensa,
E com amizade intensa,
Como a um filho estimado
O alfaiate chamou,
Que logo se apresentou
E a medindo com cuidado
Belas calças lhe ofertou!
Vestiu-se, portanto,
De seda e veludo
Com faixas no manto
Uma cruz no escudo.
Tornou-se ministro,
No peito uma estrela,
Parentes, que sorte!
Senhores na corte...
Homens e mulheres
Na corte a sofrer!
A rainha e as criadas
Mordidas, picadas,
Que desprazer!
Não podiam matá-la,
Nem mesmo coçar-se.
Vamos nós esmagá-la,
Se vem a mostrar-se.
Tradução: Sílvio Meira
Era uma vez um monarca
Que tinha uma pulga imensa,
E com amizade intensa,
Como a um filho estimado
O alfaiate chamou,
Que logo se apresentou
E a medindo com cuidado
Belas calças lhe ofertou!
Vestiu-se, portanto,
De seda e veludo
Com faixas no manto
Uma cruz no escudo.
Tornou-se ministro,
No peito uma estrela,
Parentes, que sorte!
Senhores na corte...
Homens e mulheres
Na corte a sofrer!
A rainha e as criadas
Mordidas, picadas,
Que desprazer!
Não podiam matá-la,
Nem mesmo coçar-se.
Vamos nós esmagá-la,
Se vem a mostrar-se.
Tradução: Sílvio Meira
POEMAS DE GOETHE (II)
CRÍTICO
Eis que me veio uma visita
do tipo (achei) que não me irrita.
O meu jantar não era chique,
mas ele comeu tanto ali que
não sobrou nada em casa, e quando
parou, já quase arrebentando,
o demo o fez sair só para
cuspir no prato em que jantara:
”A sopa estava um arremedo;
a carne, crua; o vinho, azedo.”
Que morra paralítico!
Com mil demônios! Era um crítico!
Tradução: Nelson Ascher
Eis que me veio uma visita
do tipo (achei) que não me irrita.
O meu jantar não era chique,
mas ele comeu tanto ali que
não sobrou nada em casa, e quando
parou, já quase arrebentando,
o demo o fez sair só para
cuspir no prato em que jantara:
”A sopa estava um arremedo;
a carne, crua; o vinho, azedo.”
Que morra paralítico!
Com mil demônios! Era um crítico!
Tradução: Nelson Ascher
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
POEMAS DE GOETHE (I)
CANÇÃO DO REI DE THULE
Houve um rei de Thule, que era
mais fiel do que nenhum rei.
A amante, ao morrer, lhe dera
um copo de oiro de lei.
Era o bem que mais prezava
e mais gostava de usar:
e quanto mais o esvaziava
mais enchia de água o olhar.
Quando sentiu que morria,
o seu reino inventariou,
e tudo quanto possuía
menos o copo, doou.
Depois, sentando-se à mesa,
fez os vassalos chamar
à sala de mais nobreza
do castelo, sobre o mar.
E ele ergue-se acabrunhado,
bebe o último gole então
e atira o copo sagrado
às ondas que embaixo estão.
Viu-o flutuar e afundar-se,
que o mar encheu de seus ais.
Sentiu a vista enevoar-se
E não bebeu nunca mais!
Tradução: Guilherme de Almeida
domingo, 16 de janeiro de 2011
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
PRIMEIRA CABEÇA
Para Rodrigo de Souza Leão
Flor occipital é o nome da cabeça.
Linhas, volumes.
Uma escrita de ossos, nervos,
orbes, lembranças.
Palavras que se perderam em algum lugar
que você evita.
Cenários que surgem de repente
como lagos, cristais,
pequenas facas
brancas.
Uma cobra que não é o Nome que escorre em seus lábios.
Árvore que não diz mais nem menos
do que
isto.
Há um aprendizado para a loucura?
Você esmaga um inseto entre os dedos
mas a sensação
permanece.
É um calafrio que você não pode explicar.
Fibras, tudo são fibras de um tecido miraculoso.
Um tapete oriental
em forma de rim,
no qual somos um minúsculo detalhe,
formiga que cavalga o dorso de um dragão.
Na palma, no pulso, na pele,
você pensou ter sentido os jogos da noite,
mãos fugidias, voz emudecida,
nenhum tabuleiro
ou peão.
Esta não é a face de um sonho,
menos luz, nenhuma membrana,
caralho, você grita
aos miolos de pão.
Formigas de ninguém atravessam de um lado a outro
o canteiro
do jardim.
Existe a ilusão do amor e dentes, dentes, dentes.
Porque tudo é real.
A pedra que explode nas têmporas.
A Terra em forma de cálice.
A palavra que se reproduz como as aves no Palácio da Deusa da Lua.
O sentido é apenas a sombra.
Sou a fome de uma claridade que não haverá jamais.
Porque os ritmos, os ritmos, os ritmos.
Porque o riso da cadela.
Celan e a “loucura aberta de um poro”.
Nenhuma saída para parte alguma.
Caranguejos à deriva na chuva, um retrato, um nome
que não é a cobra
que não escorre
em teus lábios.
Jogar-se na sombra em busca do sentido de mascar folhas de cobre.
Jogar-se na sombra em busca do íntimo escaravelho
tatuado na buceta
da Senhora Linguagem.
Jogar-se na sombra porque pedra é mais do que grito é mais do que esquilo
é mais do que o turvo
uivo
da lacraia.
Escrever poesia não é um trabalho para homens delicados.
Flor occipital é o nome da cabeça.
Aqui estão todos os jogos, todos os mapas, todas as palavras,
inclusive aquelas por inventar.
Flor occipital é o nome da cabeça.
Tua voz.
Tuas faces.
Tuas mandalas de ternura e escárnio.
A desfiguração de linhas no corpo convulsivo, explodindo lêmures.
Esmeralda.
Tudo se inicia e termina com a encantação da esmeralda.
2011
Flor occipital é o nome da cabeça.
Linhas, volumes.
Uma escrita de ossos, nervos,
orbes, lembranças.
Palavras que se perderam em algum lugar
que você evita.
Cenários que surgem de repente
como lagos, cristais,
pequenas facas
brancas.
Uma cobra que não é o Nome que escorre em seus lábios.
Árvore que não diz mais nem menos
do que
isto.
Há um aprendizado para a loucura?
Você esmaga um inseto entre os dedos
mas a sensação
permanece.
É um calafrio que você não pode explicar.
Fibras, tudo são fibras de um tecido miraculoso.
Um tapete oriental
em forma de rim,
no qual somos um minúsculo detalhe,
formiga que cavalga o dorso de um dragão.
Na palma, no pulso, na pele,
você pensou ter sentido os jogos da noite,
mãos fugidias, voz emudecida,
nenhum tabuleiro
ou peão.
Esta não é a face de um sonho,
menos luz, nenhuma membrana,
caralho, você grita
aos miolos de pão.
Formigas de ninguém atravessam de um lado a outro
o canteiro
do jardim.
Existe a ilusão do amor e dentes, dentes, dentes.
Porque tudo é real.
A pedra que explode nas têmporas.
A Terra em forma de cálice.
A palavra que se reproduz como as aves no Palácio da Deusa da Lua.
O sentido é apenas a sombra.
Sou a fome de uma claridade que não haverá jamais.
Porque os ritmos, os ritmos, os ritmos.
Porque o riso da cadela.
Celan e a “loucura aberta de um poro”.
Nenhuma saída para parte alguma.
Caranguejos à deriva na chuva, um retrato, um nome
que não é a cobra
que não escorre
em teus lábios.
Jogar-se na sombra em busca do sentido de mascar folhas de cobre.
Jogar-se na sombra em busca do íntimo escaravelho
tatuado na buceta
da Senhora Linguagem.
Jogar-se na sombra porque pedra é mais do que grito é mais do que esquilo
é mais do que o turvo
uivo
da lacraia.
Escrever poesia não é um trabalho para homens delicados.
Flor occipital é o nome da cabeça.
Aqui estão todos os jogos, todos os mapas, todas as palavras,
inclusive aquelas por inventar.
Flor occipital é o nome da cabeça.
Tua voz.
Tuas faces.
Tuas mandalas de ternura e escárnio.
A desfiguração de linhas no corpo convulsivo, explodindo lêmures.
Esmeralda.
Tudo se inicia e termina com a encantação da esmeralda.
2011
POEMAS DE SÉRGIO MEDEIROS
O sexto
O sexto retira fitas adesivas de caixas empilhadas na calçada, abertas
Como se arrancasse a pele de animais mortos
Uma moça caminha como cega, mordendo um copo de plástico
Pequena tromba branca
O que quer que seja zumbe
O vigésimo terceiro
Em pé várias piscinas secas
Nunca enterradas num jardim
Os degraus estão no alto
São como grandes bonecos azuis
Levaram socos na barriga
Como uma semente brilhante numa vagem longa
Vagem aberta e seca
O vigésimo terceiro se refestela na piscina vazia em pé
O octagésimo quarto
Rã gigantesca ao sol, a terra esverdeada avança na água
O octogésimo quarto desce branco na praia
Como um avião de papel, as duas longas asas dele lançadas para trás.
A octagésima quinta
A octagésima quinta segura um velho copo rosa de iogurte.
O octagésimo sétimo e vários outros
Um urubu desequilibrado passa por cima de todo o mundo
E deixa o octagésimo sétimo aturdido
Ele bate numa caixa d’água
Enquanto o urubu se firma nas alturas
(Poemas do livro Figurantes, de Sérgio Medeiros. São Paulo: Iluminuras, 2011)
O sexto retira fitas adesivas de caixas empilhadas na calçada, abertas
Como se arrancasse a pele de animais mortos
Uma moça caminha como cega, mordendo um copo de plástico
Pequena tromba branca
O que quer que seja zumbe
O vigésimo terceiro
Em pé várias piscinas secas
Nunca enterradas num jardim
Os degraus estão no alto
São como grandes bonecos azuis
Levaram socos na barriga
Como uma semente brilhante numa vagem longa
Vagem aberta e seca
O vigésimo terceiro se refestela na piscina vazia em pé
O octagésimo quarto
Rã gigantesca ao sol, a terra esverdeada avança na água
O octogésimo quarto desce branco na praia
Como um avião de papel, as duas longas asas dele lançadas para trás.
A octagésima quinta
A octagésima quinta segura um velho copo rosa de iogurte.
O octagésimo sétimo e vários outros
Um urubu desequilibrado passa por cima de todo o mundo
E deixa o octagésimo sétimo aturdido
Ele bate numa caixa d’água
Enquanto o urubu se firma nas alturas
(Poemas do livro Figurantes, de Sérgio Medeiros. São Paulo: Iluminuras, 2011)
domingo, 9 de janeiro de 2011
TRÊS POEMAS DE JOANA CORONA
CALCÁRIO
da epiderme pálido-dourada ressequida impregnada em mim, de você. quero-me caracolear arrastando tempo caso suporte, em renovada carcaça. vejo camaleão quando posso enxergar-te, quando não absorvido na paisagem, até nem. e suas roupagens multiflex. multi face ta. da face mostra-me o entrecanto, curvatura média em contornos noturnos rígidos à ponta pontiaguda do nariz – sua máxima envergadura. boca que enruga palavra - encurvada, contraída. sugando-se corpo integral do que a boca é corpo, não fosse saliva-seiva nas bordas do beijo que invado letárgica numa investigação do que em você ainda é possível. recolhendo lábios feito colhedor de névoa, em espécie de congelamento gradual. na noite. impregnado de chumbo, metal pesado e outras reminiscências. permanente absorção contínua, boca a boca. e tudo que a tua mesma sangue-sugueia. da minha, alimentando-se. envenenando-me. continuo dilacerando lábios carnívoros que não cessam em encerrar-se corcundeando. embicando feito pássaro, acostumado à vertigem de viver em outro plano, entre rasantes e quadrantes aéreos. somos amantes de pedra, com características de caramujo - calcarizados, camuflados de gente.
CARÍCIA
caliciosa, amol-desfazia ossatura calcificada. peito calçado de carcaça ainda que maleável, escorregadia de limo. acúmulo de pegajosidades, umidezas que enrijecem, com o franzir dos cenhos, com o tempo. o silenciar é fenômeno que acontece, também, junto ao encolhimento de extremidades. certo aconcheamento, que pode chegar a selvagerismo, até. solidão tamanha ampliada ou aguçada. tem gente com aptidão de planta e tendência a pegar raiz. encurva, em se acostumar. e acostuma fácil à delicadeza do que passa lento, sem alarde. passa a desenvolver capacidade única de assimilar inutilidades e apreender seres secretos, que respiram quase sem respirar. e qualquer sopro sob a face, pode ser como brisa, malícia.
COMPRESSÃO
zona esponjosa (de perigo). porosa, absorve: cresce. agrega limite, além. cantos aproximam paredes (nos lados) e teto (assim como chão, abaixo). sem abertura ou fresta, lugar impenetrável. a não ser. orifícios sinuosos, agrestes. espinhosos feito pele ouriçada. é preciso aprender fluidez de plasma. gosma. rastro doce de leSmA que solta seu rastro doce. na superfície de pedra - inflexível. tem outro jeito, um segredo vivido. é que de dentro, única forma, quando junto ao sangue, percorre o corpo todo, contagia. solidifica-se aos poucos, feito cálcio, magma congelando, esfriando gradativa fervura de latência. organicamente.
corpo que cresce dentro do corpo. comprime.
(Do livro inédito Crostácea. Joana Corona é um dos nomes mais fortes da poesia brasileira recente, na minha opinião.)
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
PORQUE VOCÊ É O MEU ANJO
Solitários caminhamos em terra ignorada,
espectros de nós mesmos.
Há uma letra em cada unha,
mas nenhuma para traduzir estrela.
Há uma lua em cada seio,
e um seio em cada palma
que aperta cicatrizes.
Há uma cicatriz em cada imagem que não cala,
em cada memória que recusa o olvido.
Porém, a delícia de caminharmos lado a lado,
sem destino, nessa terra ignorada e idêntica,
onde lagartos lambem cicatrizes.
E então, mais uma vez, você é para mim um anjo,
e eu a sua sombra.
(para Tiuíse, 2009)
espectros de nós mesmos.
Há uma letra em cada unha,
mas nenhuma para traduzir estrela.
Há uma lua em cada seio,
e um seio em cada palma
que aperta cicatrizes.
Há uma cicatriz em cada imagem que não cala,
em cada memória que recusa o olvido.
Porém, a delícia de caminharmos lado a lado,
sem destino, nessa terra ignorada e idêntica,
onde lagartos lambem cicatrizes.
E então, mais uma vez, você é para mim um anjo,
e eu a sua sombra.
(para Tiuíse, 2009)
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
ANTILABIRINTO
(fragmentos)
O Inferno é um vasto dicionário; eis aqui alguns de seus verbetes:
DIFRAÇÃO é o tempo em que viajamos entre palavras e coisas, memórias e ressentimentos. Nossos focinhos avançam para além dos retratos e nada encontram além de fungos, fiapos, fêmures.
(Quando chegar a Mulher Toda Nua, com a sua pose criselefantina, o poeta dirá as coisas mais terríveis; tirará de seus bolsos as cartas dos quatro naipes e exigirá um Sentido que não seja a mera trama do acaso, mas ela rirá de sua face nervurada e o pisará com o mais puro e intenso desprezo.)
* * *
DISPERSÃO é o tempo em que répteis assistem a noticiários de TV enquanto garotos primitivos como as flores saqueiam supermercados e os incendeiam.
DIFRAÇÃO é o tempo em que viajamos entre palavras e coisas, memórias e ressentimentos. Nossos focinhos avançam para além dos retratos e nada encontram além de fungos, fiapos, fêmures.
(Quando chegar a Mulher Toda Nua, com a sua pose criselefantina, o poeta dirá as coisas mais terríveis; tirará de seus bolsos as cartas dos quatro naipes e exigirá um Sentido que não seja a mera trama do acaso, mas ela rirá de sua face nervurada e o pisará com o mais puro e intenso desprezo.)
* * *
DISPERSÃO é o tempo em que répteis assistem a noticiários de TV enquanto garotos primitivos como as flores saqueiam supermercados e os incendeiam.
2010 / 2011
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
OSSO CANTANTE
(nova versão)
ruídos ásperos
perseguem o tempo;
somos apenas figuras rotas,
moídas pelo medo.
* * *
(quantos disfarces para construir meu rosto?)
* * *
com a brutalidade
de um osso cantante.
com um morto em cada linha,
e uma rosa para cada morto,
ela pergunta aos seus lagartos:
o que existe além da pele?
mistério algum além da verde gaivota numerável até o infinito.
* * *
números delineiam as quinas da eternidade.
mortos bebem dos pulsos
de nossas mãos.
* * *
nenhuma língua é a minha;
este é o motivo de meu desprezo
aos que simulam sinceridade.
* * *
Serpe troca de pele com o peixe transmutado em galo,
em sonho,
em sombra,
em nada.
2010 / 2011
ruídos ásperos
perseguem o tempo;
somos apenas figuras rotas,
moídas pelo medo.
* * *
(quantos disfarces para construir meu rosto?)
* * *
com a brutalidade
de um osso cantante.
com um morto em cada linha,
e uma rosa para cada morto,
ela pergunta aos seus lagartos:
o que existe além da pele?
mistério algum além da verde gaivota numerável até o infinito.
* * *
números delineiam as quinas da eternidade.
mortos bebem dos pulsos
de nossas mãos.
* * *
nenhuma língua é a minha;
este é o motivo de meu desprezo
aos que simulam sinceridade.
* * *
Serpe troca de pele com o peixe transmutado em galo,
em sonho,
em sombra,
em nada.
2010 / 2011
domingo, 2 de janeiro de 2011
CORES PARA CEGOS
(Paisagem urbana)
Estranha água, sede multiplica a sede, multiplica-a em filetes de capulhos.
Que abismo é maior do que o medo?
Nenhum destino, sombra esquálida flanqueada por cutelos.
Fêmea esfomeada amamenta o filhote com a única teta.
Bico-de-papagaio. Pele dispersa, reduzida ao escorço de uma paisagem do mundo flutuante.
Tanta desmesura.
Moídos maxilares, rosto encurvado, ossos que tentam fugir dos dedos.
Céspede nenhuma. Aspérula nenhuma. Vocabulário abolido, evisceração das falas.
Tanta delicadeza.
Pedra ao contrário exibe sua entranha: cunhas disformes, irregulares, multíplices, que abismo é maior do que o medo?
Na órbita de uma lacraia estrelas coxas se entredevoram.
2011
Estranha água, sede multiplica a sede, multiplica-a em filetes de capulhos.
Que abismo é maior do que o medo?
Nenhum destino, sombra esquálida flanqueada por cutelos.
Fêmea esfomeada amamenta o filhote com a única teta.
Bico-de-papagaio. Pele dispersa, reduzida ao escorço de uma paisagem do mundo flutuante.
Tanta desmesura.
Moídos maxilares, rosto encurvado, ossos que tentam fugir dos dedos.
Céspede nenhuma. Aspérula nenhuma. Vocabulário abolido, evisceração das falas.
Tanta delicadeza.
Pedra ao contrário exibe sua entranha: cunhas disformes, irregulares, multíplices, que abismo é maior do que o medo?
Na órbita de uma lacraia estrelas coxas se entredevoram.
2011
ÚLTIMAS NOTÍCIAS
Fábio Andrade defendeu tese de doutorado na Universidade Federal de Pernambuco sobre o tema "A transparência impossível: poesia brasileira e hermetismo", em que faz uma análise bem interessante sobre a minha poesia (e a de outros autores contemporâneos). A tese foi publicada em livro, na coleção Teses, da editora da UFPE. Mais informações na página http://www.pgletras.com.br/