sábado, 30 de maio de 2009

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

Caros, hoje, a partir das 15h30, acontecerá o lançamento da antologia Blablablogue: crônicas e confissões, organizada por Nelson de Oliveira, na Livraria Martins Fontes, Avenida Paulista, 509, pertinho do metrô Brigadeiro. No dia 03 de junho, quarta-feira, a partir das 18h30, Claudio Willer lançará o livro Geração Beat, publicado pela LP&M Editores, na mesma simpática livraria. E no dia 05 de junho, às 22h, acontecerá o lançamento de Trânsitos, o terceiro livro de poemas de Virna Teixeira, pela coleção Caixa Preta, da Lumme Editor. Será no espaço Jazznosfundos, situado na rua João Moura, 1076, Pinheiros.

FERA BIFRONTE & LETRA NEGRA

Caros, no dia 13 de junho, sábado, às 15 horas, lançarei dois livros no Rio Janeiro: Fera Bifronte (Lumme Editor) e Letra Negra (Arqueria). O lançamento acontecerá no Real Gabinete Português de Leitura, durante o evento Artimanhas Poéticas, que reunirá 25 poetas e críticos literários, entre eles Paulo Henriques Britto, Luiz Costa Lima, o português Luís Serguilha e o inglês Richard Price para uma série de palestras, debates e leituras. Confiram os detalhes no blog http://artimamhas.blogspot.com/

Local: rua Luís de Camões, 30 - Centro - Rio de Janeiro – RJ

quinta-feira, 28 de maio de 2009

quarta-feira, 27 de maio de 2009

VIAJANDO COM RAIMBAUT D'AURENGA

JÁ RESPLENDE A FLOR INVERSA

Já resplende a flor inversa
por troncos, barrancos, pedras.
Flor? Neve, granizo e gelo
que escorcha, tortura e trinca,
guinchos, gritos, brados, silvos,
por folhas, ramos e vimes;
mas vivo estou, verde e feliz,
ao ver já sem vida os servis.

Pois de tal forma os inverto
que os ramos parecem pedras
e tenho por flor o gelo
e é o calor que ao frio trinca,
trovões me são canto e silvo
e parece folha o vime;
assim eu posso ser feliz
sem ver perversos e servis.

É que uma fada os inverte,
como se fossem de pedra,
que me agridem mais que gelo
com sua língua que trinca
e me sussurra seus silvos;
não bastam bastão ou vime:
a surra só faz mais feliz
a língua vil que os faz servis.

Que eu beijando vos inverta
não me impedem pau nem pedra,
Dama, nem neve nem gelo,
É o açoite, que me trinca,
— Dama, por quem canto e silvo —
desses olhos, doce vime,
que não me vêem; eu, feliz,
vos sirvo e vós não me servis.

Andei de cabeça inversa,
batendo por paus e pedras,
triste, sofrendo esse gelo
que escorcha, machuca e trinca,
pois todo o meu canto e silvo
não me deu virga nem vime.
Mas, Deus louvado, sou feliz
malgrado a malta dos servis.

Meu verso assim saia inverso
e vá, contra pau ou pedra,
lá onde não sente gelo
nem o frio pode dar trinca,
à Bela, que canto e silvo,
e deixe a vara de vime
ao que sabe cantar, feliz,
para bem servir aos servis.

Jogral, vosso amor faz feliz
a quem por vós dobra a cerviz.

Que os olhos deste ser feliz,
por não vos ver, querem ser vis.

Tradução: Augusto de Campos

VIAJANDO COM MICHAUX

Labyrinthe, la vie, labyrinthe, la mort
Labyrinthe sans fin, dit le Maître de Ho.
Tout enfonce, rien ne libère.
Le suicide renaît à une nouvelle souffrance.
La prison ouvre sur une prison
Le couloir ouvre un autre couloir:
Celui qui croit dérouler le rouleau de sa vie
No déroule rien du tout.Rien ne débouche nulle part
Les siècles aussi vivent sous terre, dit le Maître de Ho.


Labirinto, a vida, labirinto, a morte
Labirinto sem fim, diz o Mestre de Ho.
Tudo afunda, nada libera
O suicida renasce para um novo sofrimento.
A prisão termina em uma prisão
O corredor termina em outro corredor:
Aquele que crê desenrolar o rolo de sua vida
Não desenrola nada em absoluto.
Nada desemboca em nenhuma parte
Os séculos vivem também sob a terra, diz o Mestre de Ho.

Tradução: Daniela Osvald Ramos

terça-feira, 26 de maio de 2009

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

Caros, anotem em suas agendas: no dia 30 de maio, sábado, a partir das 15h30, acontecerá o lançamento da antologia Blablablogue: crônicas e confissões, organizado pelo amigo Nelson de Oliveira. O livro reúne textos publicados nos blogues de 23 poetas e prosadores brasileiros contemporâneos, como Marcelino Freire, Ademir Assunção, Claudio Daniel, Marília Kubota e Ivana Arruda Leite. Local: Livraria Martins Fontes, Avenida Paulista, 509, pertinho do metrô Brigadeiro.

ENCONTROS DE INTERROGAÇÃO (III)

A crítica de um texto literário, como apontou Ezra Pound, pode acontecer também de forma criativa, como acontece na tradução que recupera para a nossa época o artesanato lingüístico do texto original, ou ainda na releitura musical de um poema, que realça os seus jogos sonoros, rimas, assonâncias e aliterações. O próprio poema, como já vimos, é uma crítica de outros poemas. Quando a crítica tem esse caráter criativo, ela deixa de ser uma construção puramente conceitual para ser uma leitura material do texto de partida, não menos instigante e fecunda.

Para encerrar a minha fala, gostaria de abordar brevemente a questão da crítica acadêmica x crítica jornalística. A universidade, durante muito tempo, esteve focada num modelo de cânone que chegava até as primeiras décadas do século XX, ou seja, até Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, como se nada tivesse acontecido de significativo nos últimos 60 anos. Felizmente, esse quadro começa a mudar. Na Universidade de São Paulo, por exemplo, surgem algumas vozes dissonantes que desafiam as limitações do cânone e da leitura sociológica dos textos literários, voltando suas atenções para a poesia contemporânea, com ênfase nos aspectos estéticos e estruturais. É o caso de professores como Antônio Vicente Seraphim Pietroforte e Roberto Zular, não por acaso dois estudiosos da Poesia Concreta e estudiosos bem-informados sobre a vanguarda internacional. Na Universidade Federal de Minas Gerais, Maria Esther Maciel também tem abordado autores vivos, como Wilson Bueno. Eu poderia citar outros casos, todos eles, sem dúvida, exceções à regra, mas exceções importantes, porque mostram a mudança que ocorre dentro de instituições tradicionalmente conservadoras.

A crítica que se desenvolve hoje na universidade é mais aberta, democrática e bem-informada do que a crítica jornalística, que segundo o meu ponto de vista, não reflete o que se faz de mais de mais substancial, em termos de linguagem, na poesia contemporânea. Quando poetas mais jovens lançam livros de poesia densos e elaborados e não merecem uma única resenha, acho isso um atestado de pobreza de nossa crítica jornalística, que muitas vezes cede espaço generoso a autores cujo trabalho de linguagem é apenas opaco. De todo modo, esse é um fato circunstancial. A crítica definitiva é a feita pela história: o que tem qualidade estética, permanece, o que não tem, será esquecido.

ENCONTROS DE INTERROGAÇÃO (II)

A relação entre arte e realidade não é abandonada, mas retomada pela crítica marxista, que propõe um método de investigação do texto literário, cuja estratégia é relacionar a obra de arte com o mundo, ou determinada concepção de mundo, deixando em segundo plano as qualidades artísticas do texto. O que conta, nesse caso, é verificar como o poema reflete uma idéia de mundo, e não o poema como realidade material, ou seja, construção semântica regida por certas formas e procedimentos que visam um efeito estético. Na expressão literatura e sociedade, o que acontece é que o texto desaparece no contexto.

Ler um estudo sobre José de Alencar escrito por um crítico estruturalista, por sua vez, significa ler outro método de investigação do texto literário, em que a biografia do autor e as circunstâncias históricas e sociais perdem todo o interesse. “Não é a obra literária em si mesma que constitui o objeto da atividade estrutural”, diz Todorov; “o que esta interroga são as propriedades desse discurso particular que é o discurso literário. Qualquer obra só é considerada, então, como a manifestação de uma estrutura abstrata mais geral, de que não é mais que uma das realizações possíveis. Nesse particular, tal ciência se preocupa não mais com a literatura real, mas com a literatura possível, em outras palavras: com essa propriedade abstrata que faz a singularidade do fato literário, a literariedade”.

Não vamos aqui discutir cada tendência da crítica literária, o que seria impossível; nosso objetivo é mostrar que a crítica é também uma forma de mitologia, com as suas próprias hierarquias de seres celestes e infernais. O crítico adota uma estratégia e um método específico de investigação do texto literário, e na sua análise e interpretação de uma obra projeta essa concepção sobre o material analisado. Neste sentido, a crítica não estabelece apenas conceitos sobre o que é literatura, mas ainda sobre o que é a leitura. A crítica é um fato da história literária, mas não ultrapassa a história; conceitos e sistemas consagrados caem em desuso e surgem novas abordagens do texto literário, permitindo uma mobilidade intelectual que dissolve as visões mais rígidas.

O erro mais comum que se comete na crítica literária, especialmente naquela produzida na universidade, é justamente o de considerar o modelo teórico como uma finalidade em si mesma, e não como ferramenta de leitura e interpretação. A valorização excessiva de um modelo pode levar a situações absurdas, como a de um professor que não considera a poesia da tradição oral dos povos indígenas e africanos como relevante, pelo fato de não poder ser enquadrada na teoria de sistema literário de Antonio Candido. Ou seja, em vez de buscar outras ferramentas teóricas mais adequadas ao estudo dessa poesia, ele preferiu não considerar poesia uma produção que não se enquadra em determinado conceito.

O modelo teórico não está acima da poesia, que prescinde de qualquer teoria para se justificar como obra de arte. O que o crítico inteligente faz é buscar o caminho mais adequado para a compreensão de um texto, levando em conta a estratégia criativa do próprio texto. Vale a pena citar aqui um trecho do livro Metalinguagem e outras metas, de Haroldo de Campos, em que o titã concreto afirma: “para que a crítica tenha sentido — para que ela não vire conversa fiada ou desconversa — é preciso que ela esteja comensurada ao objeto a que se refere e lhe funda o ser (pois crítica é linguagem referida, seu ser é um ser de mediação). No exercício rigoroso de sua atividade, a crítica haverá de convocar todos aqueles instrumentos que lhe pareçam úteis, mas não poderá jamais esquecer que a realidade sobre a qual se volta é uma realidade de signos, de linguagem portanto”.

sábado, 23 de maio de 2009

ENCONTROS DE INTERROGAÇÃO (I)

Caros, ontem eu participei de um debate sobre o tema “O espaço da crítica”, no evento Encontros de Interrogação, promovido pelo Instituto Itaú Cultural. A discussão foi muito boa. Estavam na mesa comigo na Leda Tenório da Mota, Mário Hélio e Francisco Bosco. Leiam abaixo alguns trechos de minha intervenção:

“Cada poema constitui uma poética”, dizia Waly Salomão, pois o poeta faz escolhas estéticas e conceituais no próprio ato criativo. Neste sentido, cada texto literário não é apenas um fato artístico, mas também um ato de reflexão crítica. Esta afirmação recorda outra, de Jorge Luis Borges, para quem o escritor escolhe os seus antecessores, e logo constrói uma tradição pessoal. Sua literatura dialoga com o conjunto da tradição literária e a reinterpreta, segundo uma visão particular. Quando lemos Fernando Pessoa, por exemplo, não lemos apenas Fernando Pessoa, mas também os poetas com quem ele dialogou e incorporou em sua escrita, como Camilo Pessanha e Cesário Verde. Se lemos Cruz e Sousa, é impossível não lermos os ecos de Baudelaire e Verlaine, ou, no caso de Ezra Pound, de boa parte da literatura ocidental, de Homero aos trovadores provençais, dos elisabeteanos ingleses à poesia francesa do final do século XIX, além dos ecos da poesia chinesa e da filosofia de Confúcio.

Para lermos uma obra como os Cantos, precisamos decifrar sucessivas camadas de palipmsestos, que nos revelam camadas múltiplas de significados, que se manifestam na forma de citações, alusões, paródias e outras formas intertextuais. O primeiro poema dos Cantos, como vocês se lembram, é uma tradução de um fragmento da Odisséia de Homero, retirado de seu contexto original e inserindo em outro, ganhando assim novos sentidos.

“A literatura vem da literatura”, dizia Jorge Luís Borges, ecoando o conceito de Edgar Allan Poe, expresso no Princípio Poético, de que a imaginação humana trabalha de forma combinatória. O poeta não é um deus que cria uma obra a partir do nada; ele parte de um idioma, do léxico, da sintaxe, de técnicas estruturais e de versificação que assimilou da tradição para compor o seu poema, combinando esses elementos de forma particular para expressar a sua mitologia pessoal. Cada poema é o resultado de uma operação de leitura e constitui não só uma poética, mas ainda uma reflexão crítica sobre o cânone e uma estratégia de criação que parte do passado, se estabelece no presente e se projeta no futuro, quando se torna referência para outro poema. Sendo assim, não é absurdo afirmar que a crítica surge com a própria poesia, já que esta se manifesta na escolha de determinados processos criativos e na recusa de outros, conforme determinados valores sobre o belo, o verdadeiro e o moderno.

A crítica como um sistema organizado de idéias, porém, surge com as primeiras poéticas, como as de Aristóteles e de Horácio, que afirmavam o princípio da mímese, ou seja, que a arte é imitação da realidade, e ainda o ideal de elevação do caráter do homem pela apreciação do objeto artístico, o que levou Aristóteles a exaltar a tragédia em detrimento da comédia, pois a primeira expressava como o homem deveria ser, e a segunda, como o homem é. Já Horácio é conhecido pela máxima segundo a qual a função da literatura seria “instruir e deleitar”, em que está implícita a noção de busca do bem e da verdade.

O vínculo entre arte, ética e metafísica atravessa o Renascimento, quando o conceito de Beleza cresce em importância, prossegue no Barroco e entra em crise no século XVIII, com o Iluminismo, quando começa o divórcio entre ética e estética. A Beleza passa a ser o valor central na obra de arte, que não precisa se justificar como espelho da realidade ou veículo de moralização. O passo seguinte foi dado entre o final do século XIX e o início do século XX, quando o ideal da arte deixa de ser o Belo para ser o Moderno, como escreveu Paulo Leminski.

O poema é despido de sua aura ética e metafísica e apresentado como estrutura, forma construída, materialidade semântica. Essa mudança de paradigma tem reflexos também na crítica, que se volta ao estudo dos aspectos formais da obra poética, como acontece no formalismo russo ou no estruturalismo francês.
(CONTINUA)

VIAJANDO COM PAUL ÉLUARD

Ta bouche aux lèvres d'or n'est pás em moi pour rire
Et tes mots d'auréole ont um sens si parfait
Que dans mes nuits d'années, de jeunesse et de mort
J'entends vibrer ta voix dans tous lês bruits du monde.

Das cette aube de soie où végète lê froid
La luxure em péril regrette lê sommeil,
Dans lês mains du soleil tous lês corps qui s'éveillent
Grelottent à l'idée de retrouver leur coeur.

Souvenirs de bois vert, brouillard où je m'enfonce
J'ai refermé les yeux sur moi, je suis à toi,
Toute ma vie t'écoute et je ne peux détruire
Les terribles loisirs que ton amour me crée.


Tua boca de lábios de ouro não está em mim para rir
E tuas palavras de auréola têm um sentido tão perfeito
Que em minhas noites de anos, de juventude e de morte
Ouço tua voz vibrar em todos os ruídos do mundo.

Nesta aurora de seda na qual vegeta o frio
A luxúria em perigo lamenta o sono,
Nas mãos do sol todos os corpos que despertam
Estremecem à idéia de reencontrar seu coração.

Lembranças de bosque verde, névoa na qual me afundo
Fechei os olhos sobre mim, estou para ti,
Toda a minha vida te escuta e eu não posso destruir
Os terríveis lazeres que teu amor criou para mim.

* * *

La terre est bleue comme une orange
Jamais une erreur lês mots ne mentent pás
Ils ne vous donnent plus a chanter
Au tour dês baisers de s'entendre
Lês fous et les amours
Elle sa bouche d'alliance
Tous les secrets tous les sourires
Et quells vêtements d'indulgence
A la croire toute nue.

Les guêpes fleurissent vert

L'aube se passé autour du cou
Un collier de fenêtres
Des ailes couvrent lês feuilles
Tu as toutes les joies solaires
Tout le soleil sur la terre
Sur les chemins de ta beauté.

A terra é azul como uma laranja
Jamais um erro as palavras não mentem
Elas não lhe dão mais para cantar
Na volta dos beijos para se entender
Os loucos e os amores
Ela sua boca de aliança
Todos os segredos todos os sorrisos
E que roupagens de indulgência
Para acreditá-la inteiramente nua

As vespas florescem verde
A aurora se enrola no pescoço
Um colar de janelas
Asas cobrem as folhas
Você tem todas as alegrias solares
Todo o sol sobre a terra
Sobre os caminhos da sua beleza

Tradução: Claudio Willer

VIAJANDO COM JULES LAFORGUE


PETITES MISÈRES DE MAI

On dit: l' Express
Pour Benarès!

La Basilique
Des gens cosmiques!...

Allons, chantons
Le Grand Pardon!

Allons, Tityres
Des blancs martyres!

Chantons: Nenii!
À l' infini,

Hors des clôtures
De la Nature!

(Nous louerons Dieu,
En temps et lieu.)

Oh! les beaux arbres
En candélabres!...

Oh! les réfrains
Des Pèlerins!...

Oh! ces toquads
De Croisades!...

- Et puis, fourbu
Dès le début.

Et retour, louche
- Ah, tu découches!


PEQUENAS MISÉRIAS DE MAIO
(tradução/paródia)

- A Benares
Pelos mares!

A Basílica
Alquímica.

Eis a canção
Do Perdão.

O delírio
No martírio.

Não!, grito
Ao infinito,

Sem censura
Da vã Natura!

(Louvem a Deus
Até os ateus.)

Oh! castiçais
florestais!

Oh! os hinos
Dos peregrinos!

Oh! a ressaca
Das Cruzadas!

- É o início
Do comício.

Tiveste azia
Depois da orgia!

Tradução: Claudio Daniel

VIAJANDO COM RIMBAUD (II)

Elle est retrouvée!
Quoi? L' éternité.
C est la mar mêlée
Au soleil

Mon âme éternelle,
Observe ton voeu
Malgré la nuit seule
Et le jour en feu.

Donc tu te dégages
Des humains suffrages,
Des communs élans!
Tu voles selon...

_ Jamais l' ésperance.
Pas d' oríetur.
Science et patience,
Le suplice est sur.

Plus de lendemain,
Braises de satin,
Votre ardeur
C' ést le devoir.

Elle est retrouvée!
_ Quoi? _ L' éternité.
C' est la mer mêlée
Au soleil.


Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.

Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.

Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...

- Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.

Vem, céu carmim,
Brasas de cetim,
O dever
É vosso ardor.

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.

Tradução: Claudio Daniel

VIAJANDO COM RIMBAUD (I)

O saisons, ô châteaux!
Quelle âme est sans défauts?

J' ai fait la magique étude
Du Bonheur, qu' aucun n' élude.

Salut à lui, chaque fois
Que chante le coq gaulois.

Ah! je n' aurai plus d' envie:
Il s' est chargé de ma vie.

Ce charm a pris âme et corps,
Et dispersé les efforts.

O saisons, ô châteaux!
L' heure de sa fuite, hélas!


Sera l' heure du trépas.
O saisons, ô châteaux!



Oh estações, oh castelos!
Que alma é sem defeitos?

Eu estudei a alta magia
Do Amor, que nunca sacia.

Saúdo-te toda vez
Que canta o galo gaulês.

Ah! Não terei mais desejos:
Perdi a vida em gracejos.

Tomou-me corpo e alento,
E dispersou meus pensamentos.

Ó estações, ó castelos!
Quando tu partires, enfim

Nada restará de mim.
Ó estações, ó castelos!


BAL DES PENDUES
(fragment)


Dansent, dansent les paladins,
Les maigres paladins du diable,
Les squeletts des Saladins.


BAILE DOS ENFORCADOS
(fragmento)

Dançam, dançam os paladinos,
Os magros paladinos do diabo,
Os esqueletos dos Saladinos.


* * *

L' étoile a pleuré rose au coeur de tes oreilles,
L' infini roulé blanc de ta nuque à tes reins
La mer a perlé rousse à tes mammes vermeilles
Et l' Homme saigné noir à ton flanc souverains.

A estrela chorou rósea em tuas orelhas,
O infinito rolou branco de tua nuca aos rins,
O mar perolou roxo em tuas mamas vermelhas
E o Homem sangrou negro em teus flancos senis.


Tradução: Claudio Daniel

domingo, 17 de maio de 2009

DE TUDO UM POUCO

Caros, no dia 22 de maio, sexta-feira, às 16h, estarei participando do debate “O espaço da crítica”, dentro da programação do evento Encontros de Interrogação, promovido pelo Instituto Itaú Cultural. Estarão na mesa, comigo, a Leda Tenório da Mota, Francisco Bosco e Mário Hélio.

Local: Avenida Paulista, 149, pertinho da estação de metrô Brigadeiro.

E no dia 30 de maio, sábado, a partir das 15h30, acontecerá o lançamento da antologia Blablablogue: crônicas e confissões, organizado pelo Nelson de Oliveira.

O livro reúne textos publicados nos blogues de 23 poetas e prosadores brasileiros contemporâneos, como Marcelino Freire, Ademir Assunção, Claudio Daniel, Edson Cruz, Marília Kubota e Ivana Arruda Leite.

Local: Livraria Martins Fontes, Avenida Paulista, 509.

Que mais? Recebi vários livros interessantes pelo correio, nos últimos dias, entre eles Charenton, da poeta espanhola Chus Pato, e a Antologia Desfaces, organizada pelo Rogério Barbosa da Silva.

Ah braços,

CD

sexta-feira, 15 de maio de 2009

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

O poeta uruguaio Alfredo Fressia traduziu fragmentos de meu poema longo Letra Negra para a revista eletrônica La otra gaceta. Confiram o endereço na lista de links ao lado.

RESUMO DE TUDO

Caros, estou vivendo no olho do furacão.

Vou lançar dois livros em junho: Fera Bifronte (prêmio Funarte, 2008), pela editora Lumme, e Letra Negra, pela Arqueria.

Na mesma época, sairão três novos títulos da coleção Caixa Preta, que organizo para a Lumme: Trânsitos, de Virna Teixeira, Fronteiras da Pele, de Ana Maria Ramiro, e Prática do Azul, de Jorge Lúcio de Campos.

Sou curador do evento Artimanhas Poéticas, que acontecerá também em junho, no Rio de Janeiro, no Real Gabinete Português de Leitura, com a participação de 25 poetas e críticos, incluindo dois convidados internacionais: Richard Price e Luís Serguilha.

Ufa!!!

Também estou coordenando o Laboratório de Criação Poética, curso dividido em vários módulos que já tem 20 alunos inscritos. Logo será preciso criar novas turmas.

Traduzo poemas de José Kozer, para a edição brasileira do livro Atividade do Azougue, além do Poeta em Nova York, de Garcia Lorca.

Em breve, preciso começar a editar as matérias da edição de agosto da Zunái.

Isto sem falar da defesa de minha dissertação de mestrado, na USP, da prática regular da Espada de Tai Chi e Aikidô, da atenção que preciso dar a Regina, Iúri, ao gato Tom, ao peixe Cicatriz e os vários imprevistos que surgem ao longo da jornada.

E sem falar da sobrevivência, cada vez mais difícil, sem um emprego fixo há cinco meses. A situação começa ficar punk, com poucas atividades remuneradas, e mal remuneradas.

Apesar de tudo, a sensação de liberdade não tem preço.

A coerência comigo mesmo também.

Há quem prefira vender a alma por um prato de lentilhas. Puxar o saco de políticos. Vender mentiras em escritórios de publicidade. Trocar os princípios éticos e estéticos por um sucessozinho qualquer.

Ser capacho dos pequenos ditadores que falam mas não ouvem.

Eu prefiro andar de cabeça erguida.

Prefiro assim: enfrentar as tempestades com delicadeza e paz de espírito. Leve, rápido e preciso como a lâmina de uma espada samurai.

Besos,

CD

terça-feira, 12 de maio de 2009

ARTIMANHAS POÉTICAS






Será realizado nos dias 12 e 13 de junho o festival Artimanhas Poéticas, no Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro (RJ), com curadoria de Claudio Daniel. O evento, que contará com a participação de críticos literários, poetas jovens e consagrados e editores de revistas, incluirá palestras, debates, recitais, lançamentos, performances musicais e de poesia sonora. Confiram a programação completa do evento na página http://artimamhas.blogspot.com/

segunda-feira, 11 de maio de 2009

CURSO DE CRIAÇÃO POÉTICA À DISTÂNCIA

O Laboratório de Criação Poética também oferece cursos on line para quem mora em outras cidades, via Skype. O programa, dividido em vários módulos, inclui exposições teóricas sobre Mallarmé, Valéry, Ezra Pound, Haroldo de Campos, entre outros poetas, e exercícios práticos de criação. Quem estiver interessado em participar pode enviar uma mensagem para mim, claudio.dan@gmail.com.

domingo, 10 de maio de 2009

UMA CONVERSA SOBRE POESIA

É possível o diálogo entre a tradição e as vanguardas ou uma poesia de invenção deve ser necessariamente uma poesia de ruptura?

A tradição nada mais é do que o registro histórico de sucessivas rupturas. Dante hoje é canônico, mas não o foi em sua época, quando participou do movimento do “doce estilo novo”, subversivo não apenas na estética, mas também na ideologia do amor, próxima ao pensamento gnóstico. Escrever a Divina Comédia num dialeto vulgar (que deu origem ao idioma italiano) e não em latim, a língua culta da época, foi um gesto de transgressão. O Fausto de Goethe não é menos inovador, ao romper os limites entre poesia, prosa e teatro, numa linguagem total. A segunda parte do poema, em particular, aproxima-se muito de experiências de vanguarda, e não por acaso foi uma das fontes de inspiração de Sousândrade no seu Guesa Errante. Todo grande poeta dialoga com o passado, inventa uma tradição para si (como dizia Borges) e arremessa o disco mais para a frente, acrescentando alguma coisa ao repertório. Há uma relação dialética entre o passado e o presente de criação, como diz Haroldo de Campos no livro O arco-íris branco; o que é preciso, a meu ver, é saber identificar na tradição o que se tornou obsoleto, pelo uso excessivo, e o que permanece vivo, instigante, desafiador.

(Trecho de uma entrevista que o poeta Hilton Valeriano fez comigo e publicada no blog Poesia Diversa. Leiam a matéria integral na página http://www.poesiadiversidade.blogspot.com/ Em tempo: confiram também o blog do Laboratório de criação poética, na lista de links ao lado.)

LINGUAGENS LÍQUIDAS NA ERA DA MOBILIDADE (V)

“Linguagens antes consideradas do tempo — verbo, som, vídeo — espacializam-se nas cartografias líquidas e invisíveis do ciberespaço, assim como as linguagens tidas como espaciais — imagens, diagramas, fotos — fluidificam-se nas enxurradas e circunvoluções dos fluxos. Já não há lugar, nenhum ponto de gravidade de antemão na dança das instabilidades. Texto, imagem e som já não são o que costumavam ser. Deslizam uns para os outros, sobrepõem-se, complementam-se, confraternizam-se, unem-se, separam-se e entrecruzam-se. Tornaram-se leves, perambulantes. Perderam a estabilidade que a força da gravidade dos suportes fixos lhes emprestavam. Viraram aparições, presenças fugidias que emergem e desaparecem ao toque delicado da pontinha do dedo em minúsculas teclas. Voam pelos ares a velocidades que competem com a luz. (...) Enfim, nesta era de comunicação móvel, todos testemunhamos o desaparecimento progressivo dos obstáculos materiais que até agora bloqueavam os fluxos dos signos e das trocas de informação. Cada vez menos a comunicação está confinada a lugares fixos, e os novos modos de telecomunicação têm produzido transmutações na estrutura da nossa concepção cotidiana do tempo, do espaço, dos modos de viver, aprender, agir, engajar-se, sentir, reviravoltas na nossa afetividade, sensualidade, nas crenças que acalentamos e nas emoções que nos assomam.”

(Do livro Linguagens líquidas na era da mobilidade, de Lúcia Santaella. São Paulo: ed. Paulus, 2007.)

sábado, 9 de maio de 2009

LABORATÓRIO DE CRIAÇÃO POÉTICA

Caros, começa hoje, dia 09 de maio, das 15 às 17h, no Ateliê do Centro, o Laboratório de Criação Poética, curso desenvolvido por mim com o objetivo de compartilhar informações sobre o fazer poético e estimular a capacidade criativa dos alunos, para que cada um possa desenvolver a sua própria estratégia literária. Confiram mais informações no blog do Laboratório, na página http://labcripoe.blogspot.com/

LINGUAGENS LÍQUIDAS NA ERA DA MOBILIDADE (IV)

“Algo muito próximo da metáfora da ‘liquidez’ retornou recentemente com a publicação da terceira obra da trilogia Spharen (Esferas), de Peter Sloterdijk (2004), hoje um dos filósofos mais estelares da Alemanha, criador de uma obra polêmica e rebelde que quebrou as normas da filosofia acadêmica atual e vem propondo uma teoria crítica distinta da tradição da escola de Frankfurt. O terceiro volume das Esferas é denominado Schaume (Espumas). Estas são certamente mais sutis, delicadas, complexas e ainda mais leves do que os líquidos.

(...) Para o autor (...), a globalização já começou com os gregos, na geometrização do céu e na representação do universo por meio da imagem da esfera. A mesma imagem é encontrada nas representações da ordem dos impérios pré-modernos. Com a descoberta da América e as primeiras circunvoluções terrestres, no lugar da esfera aparece o globo. Depois desta vem uma terceira globalização, a das circunvoluções dos capitais e sinais pela última esfera, a Terra, em que a virtualização geral de todas as coisas conduz a uma crise do espaço.

Em Schaume (...), apresenta-se uma teoria filosófica do presente no qual a vida se desenrola multifocalmente. Com a imagem alegre da espuma, o autor busca recuperar o pluralismo das intervenções no mundo, formulando uma interpretação antropológico-filosófica renovada do individualismo moderno. Assim, busca-se responder à pergunta sobre qual é a natureza do vínculo que reúne os indivíduos, que a tradição sociológica chama de ‘sociedade’, para o autor, uma palavra gasta. O mundo moderno é aí tematizado em termos de uma teoria das multiplicidades espaciais, começando com a idéia de que o mundo não é estruturado monosfericamente, como reza o pensamento holístico, mas polisfericamente.

(...) As esferas são, ao fim e ao cabo, índices da denúncia do autor contra a ontologia e lógica tradicionais, nas suas divisões dicotômicas entre corpo e alma, espírito e matéria, sujeito e objeto, liberdade e mecanismos, entre o eu e o mundo e, mais além, entre a natureza e a cultura. Justifica-se por isso o novo vocabulário utilizado que se prova necessário porque os discursos teóricos prévios desenvolveram-se para um mundo de substâncias pesadas e sólidas, sendo incapazes de expressar as experiências em um mundo de leveza e relações, em um mundo de mobilidade e desprendimento das cargas. Por isso, continua o autor, a teoria crítica da Escola de Frankfurt está obsoleta e deve ser substituída por um discurso completamente diferente. Por causa de sua herança marxista, os teóricos críticos sucumbem à tentação realista de interpretar o leve como aparência e o pesado como essência. Praticam assim a crítica no velho estilo, expondo a leveza da aparência em nome do peso do real. Na verdade, Sloterdijk completa, é sob efeito da abundância atual que o pesado se torna aparência – e o essencial agora mora na leveza, no ar, na atmosfera.”
(Do livro Linguagens líquidas na era da mobilidade, de Lúcia Santaella. São Paulo: ed. Paulus, 2007.)

LINGUAGENS LÍQUIDAS NA ERA DA MOBILIDADE (III)

“De acordo com Maffesoli (1979), o mundo que todos habitamos são territórios flutuantes, em que indivíduos frágeis encontram uma realidade porosa. Só pessoas fluidas, ambíguas, em estado de permanente devir, transformação e constante autotransgressão podem se adaptar a esses territórios. Quando existe, o enraizamento só pode ser dinâmico, reafirmado e reconstituído diáriamente, num ato fundador, iniciático de estar de viagem, na estrada.

Mil platôs, de Deleuze e Guattari (1995-1997), é uma extensa obra recheada de concepções denunciadoras da fugacidade das moradas, dos territórios, das linhas e dos espaços, dos corpos, dos afetos e das intensidades. Nomadismo, desterritorialização e dobra, as mais absorvidas entre essas concepções (...) fazem hoje parte do vocabulário corrente até mesmo das mentes mais reservadas e conservadoras. Menos circulante, dado o estranhamento que produz à primeira vista, é o conceito de corpo sem órgãos.

(...) Quando a aceleração do mundo industrializado não havia ainda tomado conta da existência humana, era fácil acreditar na estabilidade de nossos limites corporais e na sua identidade unitária. Ora, essa crença foi erodida (...). E são muitas as razões para isso. De um lado, temos de conviver hoje com as feridas narcísicas que as descobertas freudianas provocaram ao diagnosticar as desordens identificatórias que constituem o eu, do qual a imagem corporal, sempre fragmentada, é indissociável. De outro lado, surgiram os avanços da biologia, da engenharia genética, da medicina, as máquinas exploratórias para o diagnóstico médico, a multiplicação crescente e assoberbante das imagens do corpo na mídia, as simbioses cada vez mais íntimas do corpo com as tecnologias.

(...) De resto, a instabilidade tende a crescer quando aqueles que estão estudando a cultura da mobilidade, fruto das mídias de comunicação sem fio, móveis, hoje, falam em presença mediada, telepresença, presença ausente, distância virtual, ubiqüidade, todas elas expressões que colocam em questão antigas certezas sobre a nossa corporeidade.

(...) O que somos nós, então? Corpos materiais? Órgãos e fronteiras? Ou talvez pura dinâmica e transparências? A que universo pertencemos? À biologia ou à cultura? Para Deleuze e Guattari, somos corpos sem órgãos, comparáveis aos ovos: sem forma, irrealizados e líquidos, imersos em representações fluidas e fugidias. Corpos cuja única essência é a de suas dinâmicas e intensidades ainda sem nome. Corpos cuja evolução, fronteiras, limites e biologia não estão completamente definidos. São formas de vida que viraram signos. Signos que se tornaram vivos.”

(Do livro Linguagens líquidas na era da mobilidade, de Lúcia Santaella. São Paulo: ed. Paulus, 2007.)

quarta-feira, 6 de maio de 2009

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

Caros, confiram os cursos livres oferecidos na Academia Internacional de Cinema: Dante e a Divina Comédia, com Rodrigo Petrônio; Gnose, gnosticismo e poesia moderna, com Claudio Willer; e Mahabharata para ler e ver, com Carlos Alberto Fonseca. Informações pelo site http://www.aicinema.com.br/.

LINGUAGENS LÍQUIDAS NA ERA DA MOBILIDADE (II)

“Em 2000, Zigmund Bauman, polonês, radicado na Inglaterra desde 1971, expoente mundialmente reconhecido da chamada ‘sociologia humanística’ (...) publicou pela Polity Press o livro Liquid modernity (‘Modernidade líquida’). (...) Não poderia haver título mais sugestivo para dar conta das incertezas que rondam as condições cambiantes, maleáveis, fluidas, excessivas, transbordantes, fugazes das complexas contradições das sociedades contemporâneas. (...) Qual tese nela é defendida? Comecemos pela definição dos líquidos.

Os líquidos são uma variedade dos fluidos. Diferentemente dos sólidos, os líquidos não mantêm sua forma com facilidade. Não fixam o espaço e não prendem o tempo. Não se atêm a nenhuma forma e estão constantemente prontos e propensos a mudá-la, em um espaço que, afinal, preenchem tão-só por um momento. (...) O autor emprestou a metáfora da ‘liquidez’ para caracterizar o estado da sociedade moderna porque esta, como os líquidos, singulariza-se por uma incapacidade de manter as formas. Diferentemente da sociedade moderna anterior, chamada por Bauman de ‘modernidade sólida’, que também estava sempre desmontando a realidade herdada, na tentativa de torná-la melhor e novamente sólida, agora tudo está em permanente estado de desmontagem, sem nenhuma perspectiva de permanência.

(...) O advento da modernidade líquida produziu profundas mudanças na condição humana, o que requer que repensemos os velhos conceitos que costumavam cercar as narrativas das estruturas sistêmicas, agora derretidas pelos fluidos. (...) Não resta dúvida — e Bauman está consciente disso — de que a metáfora do líquido ecoa os jovens Marx e Engels (...) quando prognosticavam que a vida moderna derrete os sólidos e profana o sagrado: em suma, que o capital irremediavelmente leva de roldão quaisquer valores acalentados pela tradição. Justamente com o título de seu livro, extraído de Marx e Engels, Tudo o que é sólido se dissolve no ar, Marshall Berman ganhou notoriedade

(...). Entretanto, Bauman estabeleceu com clareza a distinção entre a modernidade passada, já esenraizadora, e a presente. Enquanto lá desenraizava-se para dar um passo ante rumo a um novo enraizamento, agora todas as coisas — empregos, relacionamentos, afetos, o amor, know how etc. —tendem a permanecer em fluxo, voláteis, desregulados, flexíveis.”

(Do livro Linguagens líquidas na era da mobilidade, de Lúcia Santaella. São Paulo: ed. Paulus, 2007.)

LINGUAGENS LÍQUIDAS NA ERA DA MOBILIDADE

Caros, estou lendo o livro Linguagens líquidas na era da mobilidade, de Lúcia Santaella, que faz uma análise atualizada e em profundidade de nossa época, regida pela crise dos discursos totalizadores, como o marxismo e a psicanálise, e o surgimento de novas tecnologias, como a cibernética e a informática. A autora consegue fazer uma aproximação entre a poesia e as novas visões de mundo que surgiram na pós-modernidade, mostrando que é possível o diálogo inteligente entre literatura e sociologia. Claro, não com a sociologia marxista, com sua visão reducionista e simplificadora (vide a leitura opaca de Machado de Assis por Roberto Schwarz), mas com as tendências mais contemporâneas, como a de Zigmund Bauman, situadas a milhares de anos-luz de conceitos surrados como o do “nacional-popular” e muito mais próximas das idéias da vanguarda, inclusive da poesia digital e multimídia. Voltarei ao assunto aqui, na Pele de Lontra, citando alguns conceitos que chamaram a minha atenção. Quem estiver interessado no livro, anote: saiu pela editora Paulus e realmente vale a pena ler.

UM POEMA DE BRUNO LOPES

De meus dedos, um pedaço de pedra,
o calor da terra
aquecendo o pensamento —

uma drágea escondida na lua
ruminando o travo,
o encordoamento da lua na cabeceira do quarto

um quadro de lembranças,
as palavras mordem

o pequeno poema coagulando,
endurecendo as orquídeas de pedra

como soprar as velas dos barcos
sobre um bolo celeste —

o chão feito de sal;

a fertilidade pálida da lavoura

a indecência da aurora
com suas aves feitas de lama

e suas crias cobertas com desejo,
asco
e a fatia mínima do inconsciente —

o tremor dos dedos
incorrendo sobre os portões dos lábios,
sobre o alfabeto incapaz do pensamento