terça-feira, 13 de agosto de 2024

BALARAMA

 











Jade-

branco-alvíssima

pele lunar

luz de clara luna

olhos negros

como a noite

dos tempos

noite negro-azul.

Ele, o branco negro

branco azul

infinito azul sem cor

do infinito breu

tem tudo de tudo

e não se apega

a nada;

porque todas as coisas

valem menos

do que o vento;

valem menos

do que a curva

do rio;

valem menos

do que o olho

direito

do pavão-

de-plumas

que dança

em Vrindavana.

O Mestre

dos Mundos

o Esquecido-

de-Si

pensa apenas

em Krishna

e Radha.

Ele,

o Mestre de Tudo

traz sempre

consigo

um arado

para cultivar

os duros campos

do coração dos seres

que habitam

os nove mundos.

Ele cultiva a semente

do amor divino

o amor de amor.

Quem recebeu as bênçãos

do supremo guru

ouvirá a música celeste

da flauta de Krishna;

enlouquecerá de amor

com a música

da flauta de Krishna;

sairá de si mesmo

desse pobre mundo material

para dançar ao som

da flauta de Krishna.

Senhor Balarama,

irmão mais velho

do flautista supremo

receba as minhas reverências!  

 

Poema inédito de Claudio Daniel, 2024

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

À MANEIRA DE KLIMT

 

A mulher é infinita

Yasunari Kawabata


I

 Meia-lua para iniciar um poema;

letra v entre as coxas

erguendo relâmpagos.

 

II

 Considere esta mulher deitada,

a mão direita

entre os joelhos

e o antebraço (esquerdo)

na altura das pupilas,

Ariadne em Naxos.

Logo inverte a posição,

estica os tornozelos

e desenha pequenos círculos

imprecisos

com os pés,

mapa de um labirinto?

(Dríade, convoca a mitologia dos lábios

para abolir a noite.)

Súbito, sua mão escorrega

até a pirâmide invertida,

após acariciar o umbigo,

como se violasse

o silêncio

de uma pétala.

Anoitecer em ti,

percorrê-la

em cada poro

mínimo:

de uma estrela

a outra estrela

de teu céu

indecifrável.

s/d


Poema de Claudio Daniel

domingo, 4 de agosto de 2024

PELE

  

A noite

nasce

em teu

umbigo,

uma lua

em cada

mamilo

lua cheia

lua nova

lobas uivando

no triângulo

invertido.

Olho de gato

observa

no espelho

o reflexo

de um sorriso.

 

Poema inédito de Claudio Daniel, 2024

ELEGIA PARA UM LOBO

 

O que posso dizer enquanto que

o lobo multiplicado

em lobos

ou aquele que nasceu embaixo

da árvore

e fala o idioma dos lobos

se talvez entretanto ou quase.

O que posso dizer enquanto que

o lobo é a árvore ou a raiz

do quando

e o homem que nasceu

embaixo da árvore

engole uma duas três quatro

cinco muitas moscas

-- fio de cobre tenso é uma canção

disse para mim Chapeuzinho Vermelho.

O que posso dizer enquanto que

o mago branco

ou negro ou quase

brinca com as suas cobras

e o  trágico microscopista

em seu desnorteio

esquece as cinco primeiras letras

do alfabeto?

O que posso dizer enquanto que

o mundo, esse lugar

faminto, infame, infausto,

lentamente se despedaça?

Flor de ameixa tua voz

meu amor com pele de búfala

e ternos escorpiões nas faces.

Pequenos ossos brancos

são o alimento da Morte.

 

2024

 

 

 

POEMA CONFESSIONAL N. II

 

Penso em teu sexo

em tua caveira aberta

repousada na mão esquerda

de um filósofo louco.

Penso em tuas pernas abertas

mais claras ou mais escuras

do que em todos os mundos possíveis.

Penso com o corpo, a mente

os testículos, o esqueleto

com meus olhos que crocitam como corvos.

O Homem Mais Velho do Mundo

encontrou-me numa ponte de pedra

e disse a mais terrível de todas as palavras:

AMOR.

Por que estas flores cobertas de sombras

e esquadros?

Por que estas flores cobertas de peles

de homens queimados?

Aqui nós estamos em um longo poço sem fundo

e apesar de tudo nós dançamos.

 

2024

 

 

 

 

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

POEMA CONFESSIONAL N. I

 

Eu poderia ter dito apenas vermelho

uma carta

é o que menos se espera

ou o mapa da lua

aberto no escritório

enquanto mísseis voam sobre Gaza

teu corpo fragmentado

em um dois três cinco segundos

pedaços de carne

por toda parte

Eu poderia ter dito apenas vermelho

uma partitura

é algo inverossímil nesta era

algo como miríades

de corvos brancos

numa árvore aérea

estranho é o avesso de uma lagosta inócua

Eu poderia ter dito apenas vermelho

para a menina corcunda

que atravessa a rua

um ruído um eco

um latido

um som qualquer nesta Era de Kali

é algo ininteligível

disse para mim o miniaturista cego

tudo insanidade tudo insanidade

tudo insanity tudo locura

folie kiôki bezumiye

e a menina corcunda

joga pedrinhas no meio da calçada

dança sorri dança

sorri dança sorri

e depois

seu corpo nu estendido numa mesa

cirúrgica

enquanto mísseis voam sobre Gaza

flamingos

flertam com o apocalipse

 

Poema inédito de Claudio Daniel, 2024

O CAVALEIRO DO MUNDO DELIRANTE

 

Para Murilo Mendes

& a resistência palestina

 

I

Rosa

de nenhuma

lua.

Caminho só

numa noite

escura

com os cabelos

já esbranquiçados

e as mãos

trêmulas

mudas.

O relógio

é inútil

como um pássaro

cego

perdido em meio

a chuvas

de fósforo

branco.

 

II

Em Khan Yunis

cidade de meus afetos

crianças correm

queimadas

como em Saigon

e desta vez

não há fotógrafos

para imortalizá-las

só o silêncio

criminoso

do oligopólio midiático.

 

III

Onde estão

as rotas

de fuga

a ponte

do arco-íris

as valquírias

de Odin

os anjos

terríveis

de Rilke

em meio

a escombros

placas de metal

retorcidas

arquitetura inacabada

de uma cidade

em ruínas

que os deuses

contemplam

bebendo jarros

de terra calcinada

misturada

a urânio empobrecido?

 

IV

A morte é um cristal violeta que reflete ossadas.

A morte é um cântaro esquelético sem teus seios.

A morte é o cavaleiro do mundo delirante

que passa uivando sob a minha janela de tijolos vermelhos.

 

V

Envelhecer é contemplar

a rosa

de nenhuma

lua

borrar o reflexo

no espelho

com uma faca

curva

de água

beber

uma xícara

de chá

com os corvos

de meus pesadelos

enquanto triunfam

em seu apocalipse

os turvos

açougueiros.

 

Poema inédito de Claudio Daniel, 2024

YAMA

 

 À memória de Rubens Jardim

 

Quando Yamaraja, o deus da morte

o mestre dos labirintos

recebe a alma de um poeta

as azaleias nascem ao contrário;

as águas azulíssimas dos rios

tingem-se de açafrão escuro

e os macacos gritam nas florestas

da noite. Um poeta está entre nós

dizem os danados no reino sombrio;

agora, tudo é possível e a loucura

é apenas um outro nome da realidade.

 

 Poema inédito de Claudio Daniel, 2024

NO LIMITE DA COR

 

Para Francis Bacon

 

HOMEM-CARANGUEJO

olhos borrados de azul

orelhas talvez de matéria

sintética, para não ouvir

nunca mais, nunca mais

a música macerada do amor.

Lábios escuros, costurados

para o silêncio infinito

do adeus. Metade do rosto

silêncio, a outra metade

rouco ruído de pássaros

no limite incompreensível

da cor. Nenhuma palavra

dentro do homem demolido.

 

Poema inédito de Claudio Daniel, 2024


NOZ

 Para Marc Chagall

 

Quando um estranho

flutuou no palito de fósforo

embebido de si mesmo

contando os peixes do céu

com os dedos de uma só mão.

Quando um estranho

embebido em teu sexo

lavou os cabelos com música

de  um antigo relógio de sol.

Quando um estranho

perdido na manhã líquida

escreveu outra vez teu nome

dentro de uma casca de noz.

 

Poema inédito de Claudio Daniel, 2024

 

 

 

RETRATO

 

 Para Edward Hopper

 

Mulher de chapéu amarelo

sentada na mesa circular

do café à beira da estrada;

cabeça inclinada, olhos

voltados para a xícara

em hora qualquer da noite

estrelada. Casaco verde

de mangas marrons, blusa

da mesma cor, combinação

pensada para o encontro

inverossímil com si mesma.

Faz frio lá fora, um cão late,

música da juke box, tristeza

que não cabe dentro do chapéu.

 

Poema inédito de Claudio Daniel, 2024