domingo, 20 de setembro de 2020

O VOO DA GARÇA VERMELHA












Claudio Daniel

Daniela Pace Devisate desenvolve uma poética da brevidade, com delicada imagética, fluência melódica e sabor oriental, que revela suas leituras de poetas como o japonês Matsuo Bashô e do persa Omar Kahayyam, que cantaram a beleza e a fugacidade do amor e dos fenômenos da natureza. Assim, lemos na quadra Voa, garça vermelha, quase um flash fotográfico ou plano-detalhe de um filme de Akira Kurosawa: “ops, erro / voa uma garça / no quimono vermelho / da deusa do Sol”, em que o uso da interjeição no verso inicial adiciona à imagem um sentido de percepção de falha, engano ou indiscrição involuntária, ao mesmo tempo que permite um leve toque de humor. Em outra peça, intitulada Orquestra, ela escreve: “Astuta, a lua / tramava a móvel partitura / ela / maestrina de sapos / convidava os músicos cegos / e crianças / para o seu coral”. Neste minipoema, de sete linhas curtas, Daniela cria imagens inusitadas, como a da “maestrina de sapos”, epíteto para a sua lua de prosopopeia, e imagina um onírico coro de vozes da natureza, acompanhado por uma orquestra de câmara formada por crianças e músicos cegos.  Em Faana, composição de sabor persa, em que a autora cria uma deliberada ambiguidade entre o amor erótico e o amor espiritual – tema recorrente entre os autores sufis, como Rumi e Attar – conforme leremos a seguir:


FANAA

Mais além dos rostos

na meia noite transcendente

onde os nomes flutuam

como lótus num lago

após serem unificados

no fogo de dor e amor:

um fogo alvo

fogueira de lírios que se dissolvem

no Oceano de Perfumes


composição que recorda outra gravura poética de Daniela, que utiliza símbolos e imagens próprios do imaginário dervixe, apresentado em livros como A linguagem dos pássaros e o Masnavi:


GAZAL DO VINHO RUBI


Há uma gazela ferida

no Bosque do Amor.

Dentro da longa noite,

sob uma lua em foice,

o caçador arrependido

bebe do seu sangue precioso

e embriaga-se.

Então, as portas do céu

se abrem de par em par,

e em seus olhos,

como em dois lagos,

se espelha o Paraíso.


O sufismo, corrente místico-devocional do Islã, assim como o Bakhti-Yoga dos vaishnavas hindus, representa o amor espiritual utilizando-se de referências humanas, como os jogos de sedução, a embriaguez com o vinho, o sofrimento causado pela separação do amado e outros tópicos presentes na poesia, na pintura e em canções tradicionais. Na poesia de Daniela, temos uma inversão da equação metafísica, em que os elementos pictóricos da arte sagrada são trazidos para representar o amor humano, demasiado humano. Assim, por exemplo, nestes dois poemas, em que encontramos ainda a amarga ironia de “nosso encontro eterno / adiado por engano”:


* * *

Somos

estrelas errantes

emaranhadas

de carne perecível

com flores no peito

que desabrocham

dolorosamente

gloriosamente

enquanto

a ária dos pássaros

distrai a aridez

da fome

e aguardamos a noite

essa espécie

de abrigo provisório

porque a vida

é uma coisa muito precária


* * *


Oh amado

como anseio

teu rosto reluzente

camuflado

nas coisas do mundo

nuvens irisadas

se precipitarão

em chuva

que se mistura à saliva

no céu da minha boca

enquanto você acende estrelas

nas palmas

das minhas mãos noturnas

vê esses sinais?

aqui está marcado

nosso encontro eterno

adiado por engano

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

BREVES APONTAMENTOS SOBRE O MARXISMO NO SÉCULO 21, PARTE 2

 

Claudio Daniel

Após o golpe de estado de 2016, que derrubou a presidenta legítima do Brasil, Dilma Rousseff, eleita pelo Partido dos Trabalhadores (PT), foram aprovadas uma série de medidas no Congresso Nacional que retiram direitos do povo brasileiro, como a reforma trabalhista, que permite aos empresários contratar trabalhadores sem pagar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), férias, licença-maternidade e outros benefícios garantidos na Constituição, e a reforma previdenciária, que aumenta o tempo de contribuição de homens e mulheres para a aposentadoria, desprezando o fato de que, sobretudo no campo, muitos trabalhadores morrem antes de completarem 60 anos de idade. Os governos reacionários de Michel Temer e Jair Bolsonaro (este último, de extrema-direita, eleito a partir de fake news divulgadas nas redes sociais, financiadas por grandes empresários brasileiros) aprovaram diversos outros projetos contra os interesses dos trabalhadores, como o fim do imposto sindical, para enfraquecer as centrais sindicais, a redução das investigações da Polícia Federal sobre casos de trabalho escravo no campo, a redução do valor do salário mínimo, o incentivo à terceirização e precarização dos postos de trabalho, diminuindo o número de empregados registrados com carteira assinada, as ações violentas da Polícia Militar contra assentamentos de trabalhadores rurais sem terras, o congelamento dos investimentos públicos em saúde e educação por 25 anos, o fim de programas como o Ciência sem Fronteiras, que permitia a jovens brasileiros cursarem o mestrado e doutorado no exterior custeados pelo estado, entre muitas outras ações. Todo esse programa antioperário e antipopular é coerente com um modelo econômico neoliberal e entreguista, que alia o fim dos direitos trabalhistas e sociais às privatizações de bancos públicos e outras empresas estatais e à entrega de nossas riquezas naturais, como os campos de pré-sal, minas de nióbio e áreas da Amazônia ao grande capital internacional, sobretudo o norte-americano. Todos esses interesses – dos grandes empresários urbanos, latifundiários, banqueiros e investidores internacionais – estavam por trás do golpe de estado contra a presidenta Dilma Rousseff, o maior ataque contra os direitos dos trabalhadores e o regime democrático em toda a história do Brasil e atualizam o conceito de luta de classes, introduzido na ciência política por Marx e Engels.

No Manifesto Comunista, os fundadores do socialismo científico escrevem:.   

“A história de toda sociedade até nossos dias é a história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre e oficial, em suma, opressores e oprimidos sempre estiveram em constante oposição; empenhados numa luta sem trégua, ora velada, ora aberta, luta que a cada etapa conduziu a uma transformação revolucionária de toda a sociedade ou ao aniquilamento das duas classes em conflito. (...) A sociedade burguesa moderna, oriunda do esfacelamento da sociedade feudal, não suprimiu a oposição de classes. Limitou-se a substituir as antigas classes por novas classes, por novas condições de opressão, por novas formas de luta. O que distingue nossa época – a época da burguesia – é ter simplificado a oposição de classes. Cada vez mais, a sociedade inteira divide-se em dois grandes blocos inimigos, em duas grandes classes que se enfrentam diretamente, a burguesia e o proletariado. (...) O desenvolvimento da burguesia, isto é, do capital, corresponde, na mesma proporção, ao desenvolvimento do proletariado, da classe dos operários modernos que só sobrevivem à medida que encontram trabalho, e só encontram trabalho à medida que seu trabalho aumenta o capital. Esses operários, compelidos a venderem-se a retalho, são uma mercadoria como qualquer outro artigo do comércio e, portanto, são igualmente sujeitos a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as flutuações do mercado. (...) Ora, o preço de uma mercadoria – e, portanto, também do trabalho – é igual a seus custos de produção. Por conseguinte, à medida que o trabalho se torna mais repugnante, o salário decresce. (...) O trabalho industrial moderno, a submissão moderna ao capital, que é a mesma na Inglaterra e na França, na América e na Alemanha – despojaram-no de todo caráter nacional. As leis, a moral, a religião, são, para ele, meros preconceitos burgueses por intermédio dos quais camuflam tantos outros interesses burgueses. (...) O proletariado, a camada mais baixa da sociedade atual, não pode erguer-se, recuperar-se, sem estilhaçar toda a superestrutura de estratos que constituem a sociedade oficial. (...) A burguesia produz, acima de tudo, seus próprios coveiros. Sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inelutáveis.”

A luta de classes não deixou de existir na era da “pós-modernidade”, da globalização e da Indústria 4.0.

Pelo contrário, nunca foi tão intensa como hoje, embora as formas de exploração da classe trabalhadora sejam mais diversificadas do que na época de Marx, não acontecendo apenas pela obtenção da mais-valia nos parques industriais, mas também pela exploração do trabalho de “empreendedores”, “terceirizados” e outros setores informais ligados à prestação de serviços que não trabalham em fábricas, não produzem mercadorias, não integram a classe operária tal como Marx compreendia esse conceito, muitos deles realizam o seu trabalho isoladamente e não em grupo, como os motoboys que entregam pizzas para a classe média, mas ainda assim estão sujeitos a jornadas de trabalho extenuantes, em situação de insegurança e precariedade, recebem baixas remunerações e contribuem para o enriquecimento de nossas elites, cada vez mais desumanas.

Por outro lado, os trabalhadores não deixaram de lutar contra as injustiças e em defesa de uma nova ordem social, inclusive pela via da luta armada, como acontece ainda agora nas guerras populares em curso na Colômbia, Índia, Filipinas e, em menor grau, no Peru, Turquia e outros países, bem como nos movimentos sociais que se desenvolvem na Venezuela, Bolívia, Argentina, Brasil e outras nações latino-americanas, que defendem pautas como a luta contra o latifúndio e pela reforma agrária, a nacionalização do petróleo e outras riquezas naturais, a unidade latino-americana contra o imperialismo norte-americano, entre outros pontos avançados.

A luta de classes apenas atualizou-se, se vocês preferirem, podem chamá-la agora de klassenkampf 4.0.    

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

BREVES APONTAMENTOS SOBRE O MARXISMO NO SÉCULO 21 (Parte 1)

 











Claudio Daniel

 

Um fantasma ronda o mundo: o espectro da morte do comunismo, anunciada quase todos os dias pelos meios de comunicação social, personalidades do meio acadêmico, artístico e intelectual, políticos conservadores, celebridades do cinema, da moda, do esporte e outros formadores de opinião. Esta nota fúnebre é anunciada com insistência, sobretudo após a dissolução da União Soviética e do campo socialista na Europa Oriental, há mais de três décadas. A insistência na veiculação do necrológio nos faz pensar: por que é necessário repetir, sempre, sempre e sempre, a suposta morte do comunismo? Haverá, talvez, dúvidas a esse respeito entre os que repetem o eterno mantra? Ou eles temem que Marx ressuscite de seu túmulo em Londres e volte a conclamar, agora nas redes sociais: “Trabalhadores de todos os países, uni-vos!”?

O fato é que o discurso conservador ganhou um forte aliado na chamada Quarta Revolução Industrial, ou Indústria 4.0, que criou novos processos de produção em suas “fábricas inteligentes”, que unem a automação e a robótica, que substituem o trabalho humano por dispositivos mecânicos ou eletrônicos, e a internet, que possibilita a comunicação e a cooperação entre diversos setores produtivos em tempo real. Nesta nova etapa do capitalismo, fábricas inteiras trabalham sem a presença de operários, o que eleva o número de desempregados, ou “exército industrial de reserva”, nas palavras de Marx, os custos para a produção de mercadorias são reduzidos e os lucros obtidos pelos capitalistas são muito maiores. A economia globalizada substitui as economias nacionais isoladas e o próprio capital acionário das grandes empresas é cada vez mais transnacional, com a participação ostensiva do capital financeiro internacional. Ou, como diriam Marx e Engels Manifesto Comunista, publicado em 1848: “Pela exploração do mercado mundial, a burguesia tornou cosmopolita a produção e o consumo de todos os países. (...) A autossuficiência e o isolamento regional e nacional de outrora deram lugar a um intercâmbio generalizado, a uma interdependência geral entre as nações”, conceito que é mais conhecido nos dias atuais como globalização.

Ao mesmo tempo, o neoliberalismo contemporâneo vem realizando, tanto nos países capitalistas desenvolvidos, ou imperialistas, quanto nas semicolônias que fornecem commodities – fontes de energia, como o carvão, o gás e o petróleo, matérias-primas, produtos agrícolas ou pecuários – uma “reengenharia” nas relações de trabalho, revogando conquistas históricas dos trabalhadores, como os direitos trabalhistas e previdenciários, além da privatização ou precarização dos serviços de educação e saúde e dos cortes orçamentários nos programas sociais. No cenário de uma grande cidade como Nova York, Londres ou São Paulo, nos deparamos com uma multidão de trabalhadores terceirizados ou informais, como entregadores de pizza ou motoristas de Uber (chamados, acintosamente, de “empreendedores”), que nada recebem além de  parca remuneração, sempre defasada pelo ciclo inflacionário. Sem dúvida, esta é uma transformação profunda no capitalismo, porém, de modo algum está em contradição com a teoria marxista.

Conforme escrevem Marx e Engels no Manifesto Comunista: “A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção; portanto, as relações de produção; e assim o conjunto das relações sociais. Ao contrário, a manutenção inalterada do antigo modo de produção foi a condição precípua de existência de todas as classes industriais do passado. O revolucionamento permanente da produção, o abalo contínuo de todas as categorias sociais, a insegurança e a agitação sempiternas distinguem a era burguesa de todas as precedentes. (...) Tudo o que é sólido se desmancha no ar”. Basta recordarmos, brevemente, as três revoluções industriais anteriores: a primeira, realizada no século XVIII, com a introdução de máquinas a vapor como fonte de energia, o que beneficiou sobretudo a indústria têxtil; a segunda, realizada entre 1870 e 1914,  com o uso da energia elétrica, a produção em massa nas grandes unidades fabris, como na indústria automobilística, popularizada por Henry Ford, e a introdução do telégrafo e das ferrovias; e a terceira, chamada de “revolução digital”, realizada entre 1950 e 1970, quando aconteceu a mudança de sistemas analógicos e mecânicos para os sistemas digitais. O desenvolvimento da automação, dos computadores e a criação da internet abriram o caminho da terceira para a quarta revolução industrial, na qual os sistemas ciberfísicos combinam o trabalho humano remoto com as tarefas executadas por robôs, sendo a comunicação realizada em tempo real entre todos os agentes participantes da produção. Todo esse desenvolvimento, que nos parece notável, porém, já estava previsto por Marx e Engels, no Manifesto de 1848: “A grande indústria criou o mercado mundial, preparado pela descoberta da América. O mercado mundial expandiu prodigiosamente o comércio, a navegação e as comunicações. (...) Portanto, vemos que a burguesia moderna é produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma série de profundas transformações no modo de produção e nos meios de comunicação”.

O que vemos hoje no mundo, portanto, não é a negação do marxismo, mas a comprovação de suas leis gerais, como expomos brevemente aqui e seguiremos analisando, nos próximos artigos,.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

O UNIVERSO DE SENSAÇÕES DA PALAVRA POÉTICA

 










A leitura dos poemas de Jade Luísa oferece ao leitor todo um universo de sensações plásticas e musicais, de finíssima sensibilidade. Ela investe na alquimia do verbo, à maneira de Rimbaud, descobrindo as analogias possíveis entre as imagens do mundo objetivo e as de seu mundo pessoal, habitado por uma singular mitologia. É evidente a proximidade de sua poesia com a estética simbolista de autores como Gilka Machado e Ernâni Rosas, e ainda com a de poetas portugueses contemporâneos, como Herberto Helder e Luiza Neto Jorge, mas a poeta e atriz potiguar revela em sua escrita todo um álbum particular de obsessões, em que encontramos imagens poéticas delirantes como “unhas terrosas”, “coxas falantes”, “sibilo verde-âmbar” e “língua do céu”. A intensa sinestesia poética de Jade Luísa convoca os nossos sentidos para uma experiência quase corporal com a palavra, que transpira como a pele ao sol. No poema Broto, dedicado a Jeannette Priolli, por exemplo, ela escreve: “Gritos férteis coagulam / úvula fêmea se rompe / engole pó e antipalavra // O fogo desponta do seio / chifres na boca do sol / cúrcuma tece a espinha / estiagem da língua // No canteiro do estômago / cultiva crisálidas / com a luz de quando abre a boca. // Em tempo de sangrar, vocifera / O que nasce não é palavra / Não é néctar / É lava”. Jade Luísa domina o instrumento poético e sabe urdir estranhas partituras que nos seduzem, aterrorizam e maravilham. Leiam abaixo três poemas da autora:

 

ECO DE LUSCO-FUSCO

 

Escuto a água arranhando o vidro

Suas unhas rascunham calmaria e flores

Esqueço como a água sente a pele

Esqueço como a água rasga a pele

 

Os dias arranham o vidro

Esfolam as flores que a água rascunhou

Dissipam a face que a noite tingiu

 

O fogo a guerra os mortos, já não os sinto

Eles ainda vivem sob os sulcos do asfalto

Mas eu, tingida de noite, esqueço.

 

CONFESSO DEVANEAR-ME NOS SEUS DENTES

 

Então você olha pras minhas maçãs

e sorri quando percebe que elas ardem

até o pé da orelha,

bem no lugar que você beijou antes de me dizer

mariposas e besouros.

 

Não sinto dor agora, apenas

quando eu me deitar sob as coxias do inverno.

Elas protegem minhas orelhas da sua saliva

mesmo quando eu não peço, mesmo

quando meu anseio maior é me

embaraçar no vazio entre a sua gengiva e a sua

orelha.

 

 

SOBRE MULHER GIGANTE AO DESCOBRIR AS GUELRAS

 

Eu navego mas não como marinheiro

sim como sereia

possuo a força das ondas

me arrebatam as ondas

me carregam as marés e navego

em lonjuras leves de espuma

de crista de onda

 

Possuo males e enganos

nunca como homens ou náufragos

eles que têm medo – e organizam simpósios

e enciclopédias de medo

metrificam o medo

ceiam brindam gozam

e celebram o medo

em folhetins em manifestos

em congressos do medo

 

Eu não naufrago – tenho guelras e seios

minha ciência minha arte

meu alimento meu sexo

são ancestrais:

aprendi com a minha mãe

que aprendeu com a mãe dela

que aprendeu com a mãe dela

os segredos da vida e da morte

 

E como sereia ainda me faço feia

bela apenas pra quem me toca

lhes nego então a dor feia dos olhos

a dor das orelhas

a dor dos dentes

e chupo seus dentes, os faço azul

 

Pois como boa sereia, azul e feia

ser meio peixe meio guelras

meio mulher mãe irmã

meio morte meio sexo

inteiro seio, inteiro astro,

inteira cais, farol e seio

para todas as que se tocam nas redes

afogadas de cabelos limpos, pretos e limpos

Rede runa redário vivo

Toda vida rebenta [e morre]

no seio das sereias.

 

 

 

Agora eu falo pelas coxas.

Sigo contando histórias sobre como estou

cega pela luz da sua garganta

surda pelo som do seu tórax

muda pelo eco das suas pupilas

inerte pela lava que escorre das minhas coxas falantes

entoando elegias por detrás do seu pescoço,

como quem enrola a língua ao sussurrar seu nome.

Baixinho, para que só o desejo possa ouvir.