Caro deputado
federal Jean Wyllys,
A situação da Venezuela é realmente dramática,
mas, no texto publicado em sua página no Facebook, você se limita a apresentar a versão estereotipada dos fatos veiculada pela mídia golpista brasileira, que
reproduz os press releases das agências de notícias norte-americanas.
Você não buscou fontes alternativas de
informação e acredita ingenuamente numa mídia atrelada aos interesses do grande
capital.
Uma mídia que esconde a realidade dos campos de concentração mantidos pelos Estados Unidos em Guantánamo e em outros lugares no mundo para prisioneiros detidos sem direito a defesa ou mesmo acusação formal, que esconde os crimes de Israel na
Faixa de Gaza, dos neonazistas na Ucrânia, do governo
neoliberal de Macri na Argentina, e que considera “ditadores” todos os líderes
que não são submissos ao Império norte-americano.
Esta tem sido, aliás, uma prática rotineira de
seu partido, o P$OL – basta recordarmos o entusiasmo com que Luciana Genro
saudou o golpe de estado na Ucrânia, as declarações de Marcelo Freixo em sua
visita à FIERJ no Rio de Janeiro ou as suas próprias declarações de louvor ao
sionismo e aos crimes do estado terrorista de Israel.
Porém, vou me ater, aqui, apenas às suas
recentes declarações no Facebook sobre a Venezuela, que causam escândalo a
todos os que se identificam com a esquerda, pelo seu explícito alinhamento com
a política externa norte-americana.
O texto diz:
“A ditadura de Nicolás Maduro, cada dia mais
descontrolada e sem limites, reprime as manifestações com uma violência
inusitada, cercea as liberdades públicas e avança sobre os outros poderes,
eliminando os poucos resquícios de institucionalidade que ainda restam no
país.”
Por que você considera “ditadura” um governo
que foi eleito nas urnas, com a participação de candidatos de
partidos oposicionistas, com a presença de observadores internacionais e que
realiza constantes plebiscitos para consultar a opinião pública? Um governo que
convocou uma Assembleia Nacional Constituinte para que o povo decida com
liberdade e soberania quais serão os rumos para o seu país? Isso é “ditadura”?
Quanto à suposta “repressão” e “autoritarismo”
do governo Maduro: como você acha que um governo legítimo e democrático deveria
agir em relação a “manifestantes” que usam bazucas e armas de fogo em protestos
violentos, que matam policiais e parlamentares governistas e usam helicópteros
armados para atacarem prédios públicos? Você considera legítima essa forma de
“manifestação”?
Mais adiante, você escreve:
“90% da população decidiu não votar. E a
resposta do governo foi ‘maquiar’ os resultados depois de horas sem saber o que
dizer, mentir ao mundo e ameaçar com um processo de cassação contra a
procuradora e com enviar os deputados da oposição para a cadeia!!”
Qual é a sua fonte de informação sobre isso?
As declarações de parlamentares oposicionistas da direita venezuelana, cuja
credibilidade é a mesma de Ronaldo Caiado? Aliás, você não se envergonha de
compartilhar as mesmas opiniões sobre política internacional de gente como
Caiado, Bolsonaro, Aécio Neves e Aloysio Nunes Ferreira, que fazem do discurso
contra o “bolivarianismo” e o “Foro de São Paulo” uma versão atualizada do
velho e surrado discurso anticomunista?
A seguir, você diz:
A ‘Constituinte’ de Maduro é (...) um jogo de
cartas marcadas. O objetivo era substituir o atual parlamento, com maioria da
oposição, que venceu por ampla maioria as últimas eleições que Maduro permitiu,
porque as seguintes foram suspensas. Foi por isso que a imensa maioria da
população não foi votar ontem nessa farsa de eleição com partido único, apesar
das ameaças do governo contra servidores públicos e beneficiários de programas
sociais.”
Sei que o nobre deputado tem pouco
conhecimento de história e teoria política, ou até mesmo da simples realidade
imediata, agora, você afirma que a Venezuela tem “partido único”, mesmo que, no
atual Congresso venezuelano, os partidos de oposição tenham maioria (fato
inusitado numa suposta “ditadura”)! Onde está a coerência, caro deputado?
Convido você a ler o que Alfredo Serrano
Mancilla, doutor em Economia pela Universidade Autônoma de Barcelona e diretor
executivo do Celag (Centro Estratégico Latino-americano Geopolítico), escreve
sobre as eleições venezuelanas:
“O povo venezuelano saiu a votar sem medo;
8.089.320 venezuelanos deram seu visto à Constituinte (41,53%), muito próximo
ao recorde histórico (que Chávez teve em 2012). Muitos o fizeram porque são
chavistas e estão dispostos a dar seu voto em qualquer circunstância. Aí estão,
seguramente, mais de 5 milhões e meio que já o fizeram nas eleições
parlamentares de 2015, apesar das dificuldades econômicas. Mas também votaram
todos aqueles que tiveram algumas críticas ao chavismo, ou que tinham certo
descontentamento, mas que agora estão absolutamente fartos da violência da
minoria opositora que está impedindo a vida cotidiana. (...) Sem dúvidas, esta
eleição demonstra algo que a oposição, nacional e internacional, não quer
aceitar: o chavismo como identidade política segue muito presente no país.”
Por sua vez, o Conselho de Especialistas Eleitorais Latino-americanos (Ceela),
integrado por ex-presidentes e magistrados de órgãos eleitorais do continente,
destacou em um relatório a “robustez e fiabilidade do sistema eleitoral
venezuelano”, bem como “a necessidade de se respeitar a vontade expressa pelo
povo nas eleições para a Constituinte, realizadas neste domingo (30)”. O
relatório, que será entregue ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela,
reitera a necessidade de se respeitar a vontade do povo num processo que
registou alta participação, para eleger 537 dos 545 constituintes.
Você reconhece que “parte da oposição à
ditadura em que se converteu o governo de Maduro é composta de uma elite
egoísta e irresponsável que, com o objetivo de controlar a principal riqueza do
país (o petróleo) e privatizar sua exploração comercial, sabotou economicamente
a Venezuela, precipitando o país no abismo em que hoje se encontra”, mas não
diz que essa oposição golpista, aliás majoritária – assim como acontece no
Brasil – é apoiada e financiada pelos Estados Unidos, em sua estratégia de
derrubada de todos os governos progressistas na América Latina, para
reconvertê-la à triste situação neocolonial. A “outra oposição”, que você
menciona em seu texto, é formada por uma suposta “esquerda” trotsquista, que,
assim como o P$OL e o P$TU no Brasil, cumpre o triste papel de ser linha
auxiliar da extrema-direita golpista e do imperialismo (ou você se esquece da
participação de seu partido nas “jornadas de junho” de 2013, em que vocês
marcharam nas ruas lado a lado com os fascistas que derrubaram Dilma em 2016?).
A grave situação de
desabastecimento nos supermercados venezuelanos é causada pelos grandes
empresários desse país, numa operação de sabotagem econômica com objetivos
golpistas, assim como aconteceu no Chile, na época de Salvador Allende. Tenho
conhecimento que você e o seu partido foram corresponsáveis pela deposição da
presidenta eleita do Brasil, Dilma Rousseff, mas procure se informar sobre as
sabotagens realizadas pelos grandes capitalistas em nosso próprio país, como a
redução de investimentos para prejudicar a economia, elevar o desemprego e
provocar o descontentamento popular. Mesmo um ex-Big Brother Brasil de pouca
inteligência política poderá compreender isso, com algum esforço e estudo.
Para concluir, sugiro ao nobre deputado: caso
queira saber o que significa realmente autoritarismo, terrorismo de estado e
violência policial, faça uma visita à Faixa de Gaza, onde os sionistas
israelenses mantêm dois milhões de palestinos num imenso campo de concentração
a céu aberto. Ah, claro! Lembrei-me agora! O seu partido, o P$OL, recebe
doações de empresas com capital acionário israelense, como a Taurus e a Gerdau
(ambas indústrias armamentistas) para financiar suas campanhas políticas!
Desculpe-me pelo esquecimento! Finalizarei a minha carta aqui, declarando que
não nutro o menor respeito pela sua pessoa e por seu partido, e sim o mais
veemente desprezo que se possa ter por traidores quintas-colunas, lambe-botas
do imperialismo norte-americano.
Claudio Daniel, poeta e militante comunista